SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: a lógica instrumental do acesso à informação
e ao conhecimento
INFORMATION SOCIETY: the instrumental logic of access to information and
knowledge
Vinicius Aleixo Gerbasi
Unesp
RESUMO
A ideia de sociedade da informação não pode ser desvinculada da estrutura sócio-produtiva. No
capitalismo contemporâneo, o imaterial constitui fator preponderante no modelo produtivo, à
medida que o cam po informacional passa a ser de suma importância no processo produtivo-
econômico, científico e cultural. Informação e conhecimento caracterizam-se como fatores
intrínsecos à reconfiguração produtiva, na qual se opera a racionalização e a apropriação de várias
frentes: Ciência e Tecnologia, i novação e apropriação da cooperação e das relações sociais. Por essa
razão, sua devida operacionalização e instrumentalidade são essenciais para a criação de mais-valia.
Este artigo apresenta uma breve análise crítica sobre o termo sociedade da informação e ressalta o
plano histórico-ideológico a partir do qual este foi elaborado. Os conceitos de “Economia do
Conhecimento” e “Regime de Informação” são introduzidos. A metodologia utilizada é de natureza
bibliográfico-exploratória. Como conclusão, reflete sobre a im portância da disseminação da
informação e do conhecimento como processo de democratização. Para além da operacionalização da
informação científica e de métodos de controle que visam captar informações e conhecimento e,
portanto, de geração de mais-valia, as tecnologias de informação e a cidadania têm colocado no
horizonte possíveis ações e capacidades de transformação, ainda que imparciais e instáveis.
Palavras-chave: Capitalismo. Sociedade da informação. Economia do Conhecimento. Regime de
Informação. Informação-mercadoria.
ABSTRACT
The idea of an information society cannot dissociate from the socio-productive structure. In
contemporary capitalism, the immaterial is a preponderant factor in the productive model. Due to the
informational field becomes essential in the productive-economic, scientific and cultural process.
Information and knowledge characterize as intrinsic factors to the productive reconfiguration to
capitalism, in which the rationalization and appropriation is shaped: Science and Technology,
innovation and appropriation of cooperation and social relations. For this reason, their proper
operation and instrumentality are very important for the creation of surplus value. This article
presents a brief critical analysis of the term information society and highlights the historical-
ideological plan from which it elaborated. We introduces the concepts of "Knowledge Economy" and
"Information Regime". The methodology used is of bibliographic-exploratory nature. As a conclusion,
it reflects on the importance of the dissemination of information and knowledge as a process of
democratization. The operationalization of scientific information and control methods that seek to
capture information and knowledge, and thus generate surplus value, information technologies and
citizenship have put in the horizon possible actions and capacities of transformation, even if impartial
and unstable.
Keywords: Capitalism. Society of information. Information-commodite. Productive reconfiguration.
Information. Knowledge.
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1 INTRODUÇÃO
Profundas transformações no campo tecnológico-científico, produtivo e cultural,
e a importância das dimensões informação, conhecimento e da comunicação nestes
processos, definem a Sociedade da Informação.
O presente artigo propõe apresentar fundamentos para uma perspectiva crítica
da Sociedade da Informação, ressaltando a instrumentalidade das dimensões imateriais,
tais como informação, conhecimento e os processos comunicacionais, os quais
organizam as bases sociais e produtivas no capitalismo contemporâneo e, em última
instância, é colocado à prova o próprio conceito de sociedade da informação.
Os conceitos de “Economia do Conhecimento” e “Regimes de Informação” serão
discutidos. No plano t eórico-analítico, estes conceitos articulam de forma crítica a
existência da instrumentalidade e operacionalização em relação à informação, ao
conhecimento e ao trabalho cultural e intelectual, vetores necessários à acumulação
capitalista. Tecnologia, inovação e aprendizado tornam-se essenciais em função do
aspecto imaterial do desenvolvimento e da reconfiguração econômica. Nesse aspecto,
fazemos um contraponto às possibilidades abertas de utilização dessas dimensões para
além de sua operacionalização e instrumentalização.
O artigo é de natureza bibliográfica-exploratória, a abordagem dialética e crítica
permite também trazer à luz as contradições e os antagonismos inerentes ao capital,
apreendendo o movimento das forças a ntagônicas e da multiplicidade dos sujeitos e
suas potencialidades cognitivas. O método dialético propõe a compreensão do sistema
capitalista enquanto desenvolvimento das estruturas capitalistas, mas também de suas
contradições (FUCHS, 2012). A abordagem aqui focada compreende a sociedade da
informação a partir de sua estrutura “socioeconômica” e de sua “historicidade” (ARAÚJO,
2009), reveladores de contradições e de dinâmicas de poder, que levam a desigualdade
de acesso e a sua instrumentalização para fins ideológicos e econômico-produtivos.
2 SOBRE A IDEIA DE SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: breve histórico do termo
A Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, realizada em 2003 em
Genebra, e em 2005 em Túnis, ressalta a importância da educação tecnológica, do acesso
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ao conhecimento, da cooperação internacional, da ca pacitação profissional e das
políticas públicas em infraestrutura para as Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC), em todas as suas aplicações científicas, econômicas e sociais.
Como entender em termos teóricos a sociedade da informação? É preciso
compreendê-la a partir de um marco referencial crítico, expondo suas especificidades
históricas, culturais econômicas, técnico-comunicacionais e políticas. Indagando-se
sobre a legitimidade na substituição do termo capitalismo pelo de Sociedade da
Informação, Fuchs (2012) apresenta duas tipologias para discutir essa questão. Há
aqueles que defendem ser a Sociedade da Informação como uma descontinuidade com o
capitalismo – nesse grupo estão Bell e Castells, para os quais as transformações
tecnológicas nos levaram a outra ordem social e econômica (FUCHS, 2012). Assim, a
sociedade “pós-industrial” (BELL, 1977), a “sociedade em redes” (CASTELLS, 1999) ou a
sociedade pós-capitalista (DRUCKER, 2003) sustentam que as relações sociais e os
interesses de classe estariam erodindo. Com a emergência de um novo paradigma
produtivo, transformação em que a tecnologia, a ciência e o conhecimento passam a
caracterizar o processo de valorização do capital, o argumento desses autores é de que a
análise sociológica referente ao capitalismo industrial se torna insuficiente para
compreender as especificidades da Sociedade da Informação. Nessa corrente, pesa muito
o fato de que tecnologia, educação e aprendizado estariam tornando os indivíduos mais
competentes e inteligentes, tendo, como consequência, o aumento da participação e da
consciência política.
Por outro lado, há aqueles que percebem a Sociedade da Informação em termos
de continuidade com o capitalismo. Esses advogam que, apesar de profundas mudanças
estruturais nas relações sociais e de produção, vi vemos ainda no capitalismo, uma vez
que a valorização do capital e a mercantilização da vida são as dimensões mediadoras da
sociedade. Tal pensamento é representado pela perspectiva do “capitalismo cognitivo”
(HARDT; NEGRI, 2005) e do “capitalismo digital” (SCHILLER, 2011).
Cabe dizer que, no plano geopolítico, a ideia de democra tização via
universalização das tecnologias de informação às massas será levada pelo caráter
prático que cumpre o “Relatório Nora-Minc” (MATTELART, 2006). Há, nesse sentido,
uma preocupação com as estratégias de industrialização da informação por parte dos
países desenvolvidos, ainda que, segundo Mattelart (2006), não fosse exatamente essa a
ideia dos autores ao elaborarem o relatório. O ponto de partida de Mattelart (2006) é o
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papel do Japão como modelo “político-administrativo” que, desde a década de 1970,
havia instalado uma estratégia nacional com o objetivo de responder aos desafios das
novas tecnologias, e que tal vez teria evitado a recessão da crise dos anos 70. A ideia de
“crise” é exatamente a que teria norteado os discursos das grandes economias mundiais
sobre a “informatização”.
O processo de globalização destaca uma característica importante: o argumento
dos “fluxos de informação”, no qual é levada em conta a quantidade das informações, e
não o seu conteúdo. Desse ponto de vista, pode-se inferir que o foco está na liberdade e
completa mobilidade e rapidez dos “fluxos de capitais” e dos mercados (CASTELLS,
1999; MATTELART, 2000; SCHILLER, 1984). E é, de fato, esse processo que corresponde
à ruptura das nações e m detrimento do funcionamento do sistema capitalista, já que as
redes sustentam e reproduzem os fluxos de decisões, de investimentos. A não
legitimidade em relação aos processos decisórios e à soberania do Estado frente à
centralidade das empresas transnacionais, com a consequente derrota do estado de
bem-estar social, o qual foi perdendo energia, ao mesmo tempo em que a lógica do
mercado e da competição entre os indivíduos, foi moldando as sociedades capitalistas.
Os países, principalmente os menos desenvolvidos, que carecem de
infraestrutura, de tecnologia e de educação, acabam sendo os ma is prejudicados e
vulneráveis às pressões comerciais, por falta de recursos financeiros que possam
gerenciar e produzir recursos humanos e tecnológicos que levariam a uma situação de
maior competitividade. Por outro lado, o funcionamento da empresa transnacional e sua
atuação nos territórios influenciam negativamente as culturas loc ais, subordinadas ao
processo de universalização do capital. As empresas estrangeiras na América Latina, por
exemplo, ao imporem padrões de consumo e de exploração do trabalho, destroem o
núcleo social dos valores e das práticas culturais (FROHMANN, 1993). Aqui, percebe-se a
destituição em relação ao conhecimento e às identidades tradicionais. Se antes estes
possuíam um conjunto de valores e crenças, transmitidos de uma geração a outra e que
permitiam uma coesão ao grupo, agora se caracterizam como mais dentre tantas outras
informações no contexto globalizante do capitalismo. Assim, o conjunto de hábitos,
práticas sociais e tradições vai perdendo o significado que tinha para o grupo, de modo a
ser incorporado em outros sistemas de valores e visões de mundo; que se definem a
partir de uma concepção utilitarista e mercadológica e racional em nível mundial.
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É importante notar a rápida mo bilidade comunicativa, que acentua ainda mais a
transformação da produtividade eco nômica, atualmente em curso, qual seja, a
compressão das barreiras de tempo e espaço na expansão do capital e na
imprevisibilidade nas mudanças do mercado financeiro, tão velozes quanto os bits que
são trocados diariamente; os fluxos financeiros e a descentralização dos sistemas
produtivos e do conhecimento. Esses condicionantes, apreendidos sob o influxo das
transformações qualitativas subsidiadas pelo processo de acumulação do capital,
sugerem, de acordo com Harvey (1992, p. 181), “[...] a flexibilidade conseguida na
produção, nos mercados de trabalho e no consumo antes como resultado de soluções
financeiras para as tendências da crise do capitalismo do que o contrário.” É nesse
sentido que se constroem regulações institucionais e político-econômicas, e também
ideológicas, como podem ser observadas com o surgimento de mecanismos
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do
Comércio (OMC), a Organização Mundial para a Propriedade Intelectual (WIPO) e a
União Internacional das Telecomunicações (ITU), como destaca Mattelart (2008).
Na França, por exemplo, a preocupação em relação aos desafios advindos com as
tecnologias de informação vinha se fazendo sentir desde o final da década de 70, ocasião
em que o relatório Nora-Minc, cujo objetivo era demonstrar os efeitos da informatização
da sociedade, veio afirmar o papel redentor a ser desempenhado pela comunicação. O
relatório sustenta que, com a informatização, inicia-se um ambiente favorável aos
diálogos entre Estado, instituições e sociedade civil. Com isso, há a necessidade em
promover comunicações laterais, em contrapartida da comunicação centralizada da
mídia de massa, trazendo à tona vários grupos e desejos sociais, formalizando uma
gestão do consenso e o surgimento de uma “ágora informacional” (MATTELART, 2006).
Uma afirmativa por diversas vezes salientada no relatório se encontra no
entendimento de que as pequenas e médias empresas, tendo em vista a criação de
empregos que podem gerar, têm levado os países a alargarem as políticas referentes a
competências tecnológicas e de acesso à internet.
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3 A INSTRUMENTALIDADE DO ACESSO E DA CRIAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DO
CONHECIMENTO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: pressupostos de análise
No atual contexto produtivo, uma grande parte dos serviços e bens produzidos
caracteriza-se pela sua imaterialidade, criando uma natureza econômica em função de
novas modalidades de apropriação privada da i nformação e do conhecimento. O
desenvolvimento tecnológico propicia um nível de circulação e produção que, por sua
vez, vai produzir formas de mercados e concorrência em consequência do
desenvolvimento tecnológico das comunicações, à medida que aumentam a socialização
das informações. Ao mesmo tempo, colocará novos problemas e contradições de “valor”
de “regulação” das redes e dos direitos de propriedade intelectual, este último fruto de
uma convenção social e das modalidades de apropriação do imaterial pelo capital
(HERSCOVICI, 2012).
3.1 APROPRIAÇÃO DA INFORMAÇÃO CIENTÍFICA
O atual estágio das transformações econômicas e sócio-tecnológicas produz
configurações produtivas, as quais colocam o imaterial ou o informacional como
processo fundamental.
A interação universidade-empresa-sociedade promove uma lógica interna de
produção científica ligada à produtividade científica, ou seja, as possibilidades que esta
tem de influenciar a competitividade do mercado e se transformar em algum tipo de
atividade econômica. Isso concretiza uma “espécie de apropriação privada” dos recursos
públicos destinados à produção de informação científica, uma vez que o acesso gratuito
das empresas não implica em contrapartida, um oferecimento aos pesquisadores
vinculados às instituições/universidade públicas (BOLANO, 2003; B OLAÑO, KOBASHI,
SANTOS, 2006, 206, p. 128). Essa relação caracteriza-se pela relação de gratuidade do
acesso público às bases de dados pelas empresas individuais, o que será crucial para
acumulação de capital e da competitividade de cada setor.
A “informação científica certificada”, legitimada no universo acadêmico,
produzida e reconhecida no âmbito de cada campo de conhecimento científico, promove
um conjunto de atividades mercantis, desenvolvendo atividades comerciais como
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editoração e comercialização de base das informações científicas produzidas pelos
autores/pesquisadores (BOLAÑO, KOBASHI, SANTOS, 2006, p. 128).
A informação, nesse contexto, demonstra a limitação analítica da forma
mercadoria, já que é de quantificação i nvariável, dada sua especificidade imaterial e os
diversos valores de uso que poderá ter. Outras motivações explicam também a criação
da informação científica como o prestígio acadêmico (HERSCOVICI; BOLAÑO, 2005).
A deformidade entre utilização social da informação científica pública e utilização
privada constitui o núcleo da Economia do Conhecimento: o processo de apropriação
privada está vinculado a uma “acumulação primitiva do capital às expensas do conjunto
da sociedade; da informação científica como função pública, de cooptação da pesquisa
das universidades, a partir de investimentos públicos, por parte da iniciativa privada.
Apesar disto, ela promove um paradoxo, à medida que a “socialização de informação” vai
criar formas não econômicas de informação e conhecimento ao conjunto social
(HERSCOVICI, BOLAÑO, 2005). É essa contradição permanente entre o acesso público e
o caráter não público, portanto privado, da informação e do conhecimento que marca a
Economia do Conhecimento e, além disso, sua apropriação privada, seja a partir de
preços, seja a partir da implementação de direitos de propriedade intelectual (ciência e
tecnologia). Essa especificidade faz surgir um tipo também específico de produção,
denominada Economia do Conhecimento:
A economia atual, na qual a Informação e todas as formas de Conhecimento têm
um papel chave, é o objet o desta contradição: se, por um lado, ela oferece
condições para criar espaços democráticos e para divulgar Informação e
Conhecimento, por outro lado, em função das lógicas da acumulação capitalista,
ela tem que limitar, a partir de um sistema de exclusão pelos preços, ou de um
sistema de direito de propriedade, as modalidades de acesso social a essas
Informações. É apenas a partir do estabelecimento de determinadas
convenções, ou seja, de determinadas combin ações entre o econômico e o
extra-econômico, que essas oportunidades d e re-apropriação social da
Informação poderão se tornar efetivas; essas arbitragens sociais vão
determinar as modalidades concretas de apropriação da Informação e do
Conhecimento (HERSCOVICI;BOLAÑO, 2005, p. 20).
Nota-se o caráter contraditório deste tipo de Economia do Conhecimento, uma
vez que informação e conhecimento ostentam a possibilidade de serem rearticulados de
forma social e não privada, embora seja justamente esse mecanismo que define o
processo de conversão da informação pública e científica ao processo de acumulação do
capital.
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O surgimento no capitalismo da Economia do Conhecimento se definirá
(BOLAÑO, 2003; HERCOVICI, BOLAÑO, 2005) em torno da emergência de um espaço que
se assemelha à comunidade científica, e esta, por sua vez, será cada vez mais
influenciada pela dinâmica competitiva industrial. Salienta-se, dessa forma, que há um
elo comum entre a esfera pública acadêmica e uma mais ampla, na qual se podem definir
como os sistemas de divulgação científica, espaços que são responsáveis pela
interlocução entre os agentes que compõem as ciências certificadas que adquirem uma
importância fundamental no contexto onde há a inovação e o conhecimento como eixos
centrais da acumulação. Nesse contexto de “renovação da esfera pública”, a organização
do trabalho também é reorganizada, tornando visíveis seus aspectos intelectuais.
A Economia do Conhecimento pela interação entre conhecimento tácito e
codificado depende hoje da existência de enormes bancos de dados informatizados, que
deverão ser constantemente renovados, não simplesmente no sentido de que novos
dados serão agregados, mas também no sentido de uma codificação ininterrupta, o que
exige o manejo de códigos em permanente atualização, articulando os “trabalhadores
intelectuais” dos diferentes campos do saber, usuários daqueles bancos, e os
“trabalhadores da informação”, qual se jam, os técnicos alimentadores e mantenedores
dos bancos de dados, responsáveis pela sua manutenção dos ambientes vivos da
“comunicação produtiva” (HERSCOVICI;BOLAÑO, 2005, p. 04-05). Ocorre aqui uma
divisão do trabalho com informação: o dos pesquisadores, cujo objetivo é o de codificar
as informações, gerando, ao mesmo tempo, informações tangíveis e intangíveis
(codificadas), numa relação dialética e contínua. E também o utro tipo de função, mais
técnico, que é realizada por indivíduos que alimentam e administram o banco de dados
das pesquisas, sempre inseridos em áreas específicas em torno das quais certos códigos
são socializados pela comunidade.
Mas também um outro elemento importante para pensar o aspecto produtivo-
organizacional na sociedade da informação: é a existência do conhecimento tácito e sua
articulação e apropriação nas formas de produção.
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3.2 A APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO IMPLÍCITO
A diversificação de estratégias produtivas para manter o fluxo de conhecimento
específico em cada realidade empresarial, incrementando sua competitividade, passa
por canais estruturáveis ou não estruturáveis, formais ou não formais.
Brito (2008, p. 136), citando Nonaka e T akeuchi, lembra que a criação do
conhecimento organizacional diz respeito a um processo que “amplia
organizacionalmente o conhecimento criado pelos indivíduos cristalizando-o como
parte da rede de conhecimentos da organização.” A gestão do conhecimento, portanto,
teria como principais desafios a aquisição e a transferência do conhecimento pessoal do
trabalhador (tácito) e do conhecimento declarativo (explícito) num processo de
transformação interativa e em espiral (BRITO, 2008 p. 137). As estratégias de
socialização, externalização, combinação e internalização, formam o esquema conceitual
para as relações possíveis entre conhecimento tácito e conhecimento tácito/explicito.
A cultura organizacional e a gestão do conhecimento mostram o nível estratégico
e a instrumentalidade na qual se assentam o conhecimento e sua utilização como fator
estratégico para a competitividade. No naka e Takeuchi foram os precursores dos
estudos da gestão do conhecimento. O surgimento da Gestão do Conhecimento nos anos
90, elaborada por Nonaka e Takeuchi, significou um importante processo de “subsunção
do trabalho intelectual ao capital” (BOLAÑO, 2002; BOLAÑO; MATT OS, 2002). Como
propõem Nonaka e Takeuchi apud Brito (2008, p. 136), para que se realize o processo de
criação do conhecimento organizacional, por meio do qual se fortalecerá o capital
intangível das empresas, e relacionado ao impacto da empresa no mercado, o aumento
do “capital humano” e “intelectual” se constitui em modelos gerenciais do conhecimento.
Eles são consolidados na combinação da percepção, criação, avaliação e disseminação
dos conhecimentos tácitos e explícitos, formando, assim, uma interação espiralada.
Ainda no que diz respeito ao espaço cada vez maior destas ferramentas, pode-se citar a
importância da diferenciação entre “fluxos de i nformações estruturáveis”, que podem
ser transponíveis em suportes físicos e alguma forma de registro ou documento,e os
“fluxos de informações não estruturáveis”, os quais constituem as vivências e saberes,
não registrados, de um determinado grupo ou organização, e que se caracterizam pela
aprendizagem organizacional e pela socialização de conhecimento em um espaço
organizacional também específico (VALENTIM, 2010, p. 15-19).
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A codificação gera conhecimento tácit o, que, por sua vez, gera conhecimento
explícito, garantindo aquela espiral infinita existente na criação do conhecimento
científico, mas também em outras formas de conhecimento e de inovação.
Processar, armazenar, recuperar e comunicar informações não apenas se
restringem à materialidade de documentos, disponíveis em vários formatos e mídias
através da internet, mas multiplicam as fontes e os canais entre emissor e receptor,
sejam instituições, empresas ou indivíduos. Para Robredo (2003, p. 104):
A informação é suscetí vel de ser: registrada (codificada) de diversas formas;
duplicada e reproduzida ad infinitum; transmitida por diversos meios;
conservada e armazenada em suportes diversos; medida e quantificada;
adicionada a outras informações; organizada, processada e reorganizada
segundo diversos critérios; recuperada quando necessário segundo regr as
preestabelecidas.
Informação tem o significado de informar alguém através de um processo
comunicativo. Como sugere Buckland (2004), a “informação – como – coisa” sugere o
conhecimento que determinado indivíduo possui sobre informações às quais ele informa
alguém (por exemplo, um evento ou assunto). Mas tal processo é registrado em um sinal,
linguagem ou texto, tornando-se novamente “informação – como – coisa”: “[...] não pode
existir algo como um sistema específico de ‘conhecimento fundamentado’ ou um sistema
de ‘acesso ao conhecimento’, somente sistemas baseados em representações físicas de
conhecimento.” (BUCKLAND, 2004, p. 03).
Daí que seja a informação o processo de informar alguém, sejam informações
inscritas em um sistema de informação específico (como uma biblioteca, museu, base
dados), ou, ainda, a informação com o objetivo de gerar conhecimento a alguém ela
sempre será representada através de um suporte (digital, escrita) ou em algum processo
comunicacional, caracterizando-se como “energia” para a criação de possíveis
significados.
Outro ponto crucial para a investigação teórica do estatuto epistêmico e social da
informação é seu caráter mercadológico. Se ela passa a ser importante nas
transformações do capitalismo, no que diz respeito aos processos econômicos e
organizativos, ela passa a ser fundamental também para os processos ideológicos e
culturais que os sustentam e os reproduzem.
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3.3 REGIME DE INFORMAÇÃO: da característica pública à finalidade comercial
O domínio do poder informacional deixa de ser o Estado, o governo, as editoras
ou as bibliotecas, para ser a escrita e o discurso, os dispositivos complexos como os
sistemas de rádio aberta ou a Internet, ou qualquer das constel ações institucionais que
intervenham na construção “categorial-documentária” de “identidades oficiais”,
“individuais e coletivas” (pensamos em categorias tal como as denominações de
estrangeiro, aposentado, entre outras) (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012).A informação,
nesse sentido, aparece dinamizada em vários aparelhos e dispositivos, passa a ser volátil
e flexível, contemplando muitas narrativas e s ignificados. E uma vez colada à estrutura
capitalista de produção, a forma de mercadoria da informação (consumo, p ropaganda)
passa a ter um atributo e especialmente preponderante.
Frohmann é quem propõe, de maneira explícita, o conceito de “regimes de
informação”, criticando o reducionismo do estudo das abordagens da política, praticas
no âmbito da Ciência da Informação e da Biblioteconomia (GONZÁLEZ DE GÓMEZ,
2012). A crítica a esse reducionismo é dirigida às abordagens que consideram as
“políticas de informação” como uma classe das políti cas governamentais restritas ao
âmbito estatal. Uma abordagem direta dessa implicação seria as políticas de informação
referentes à produção, disseminação e organização da informação científico-tecnológica.
Mas nota-se que, a partir da década de 70, as abordagens da política de informação se
tornam ineficientes, d ada a equiparação da informação aos bens de consumo, as
commodites.
Assim, os grandes sistemas de informação não mais poderiam estar confinados
ao planejamento e competência estatais, se estivessem regidos pelos mercados sujeitos a
condições privadas de produção e acesso. O Estado fica sendo, então, um agente passivo,
facilitador dos processos de acumulação. Nesse horizonte, a disciplina acadêmica, cujo
objetivo é a abordagem de questões de políticas informacionais, passa a ser i lusória
(FROHMANN, 1995). A proliferação de questões acerca dos estudos técnicos e
instrumentais de acesso aos documentos e a implementação de tec nologia no âmbito
dos governos criariam um agrupamento de questões mais próximas da gestão e não da
política:
O foco em problemas instrumentais e em qu estões epistemológicas envolvidas
com a demarcação e policiamento das fronteiras entre as disciplinas, desvia a
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atenção das questões de como o poder é exercido e, é através das relações
sociais mediadas pela informação, como o domínio sobre a informação é
alcançado e mantido por grupos específicos, e como formas específicas de
dominação – especialmente de raça, classe, sexo e gênero – estão implicadas no
exercício entre poder e informação (FROHMANN, apud GONZÁLEZ DE GÓMEZ,
2012, p. 51).
O descolamento da lógica político-estatal em direção à esfera do mercado não
anula a relação inerente entre política e poder, nem reduz necessariamente as formas de
controle e vigilância do Estado; tratando-se antes de uma mudança de direcionamento.
Além disso, demarca a operacionalização e instrumentalização no acesso e disseminação
de informações, afastando-se de uma leitura crítica sobre a epistemologia de tais
informações, sobretudo no que se refere a pensá-la como resultado de relações sociais e
históricas.
O poder, informacional, desdobra-se capilarmente e difusamente, não estando
confinado apenas às dimensões do governo, da biblioteca, das instituições, passando a
circular também na escrita, no discurso ou em sistemas complexos, tal como a Internet,
ou, por exemplo, qualquer categoria de identidades oficiais, de reconhecimento
valorativo ou cultural. A informação deve ser apreendia numa relação estabelecida entre
dois lugares, “centro” e uma “periferia” e cujo significado esboça uma relação de poder
legítima e condensada nos aparelhos, técnicos e instituições (LATOUR, 2004).
Frohmann (1992) sugere que as relações de poder constituem um sistema
informacional no qual estão configurados a produção, distribuição, a organização e o
consumo, e sobre o qual estão dominados pelas relações de produção. A ciência,
enquanto conhecimento institucionalizado, é formadora e mantenedora de sistemas de
disciplinas e conhecimentos científicos, a depender dos interesses nacionais e
comerciais. Dessa forma, os saberes em questão estão ligados na material idade de bases
sócio produtivas e culturais.
Uma aproximação sobre o sistema informacional pode ser discutida a partir da
concepção sistêmica, reveladora das relações entre criação, circulação e distribuição dos
fenômenos informacionais e suas respectivas determinações valorativas no conjunto.
Essa noção é compreendida, segundo González de Gómez (1990, p. 119), pela
homogeneização de um domínio plural, afirmado pelas “ações de informação”, ou seja,
aquelas já institucionalizadas (como bibliotecas, arquivos, centros de documentação),
mas também outras ainda incipientes a serem formalizadas. As dimensões
administrativas, financeiras e culturais são todas elas exemplos de ações de informação.
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O si stema se baseia na reciprocidade “normativa” entre indivíduos que partilham o
processo de ati vidades de recuperação da i nformação, instituídas, d essa forma, de um
“valor informacional”, atribuídos pelas regras valorativas do sistema. Esses valores
“normativos” são justamente os determinantes e legitimadores da “pragmática
narrativa” em relação ao sistema informacional (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1990). O
problema aqui posto é de como superar ou ir além das pragmáticas narrativas colocadas
pelos sistemas valorativos, tecendo novas relações e significações, novas práticas e
valores. Nesse sentido, uma “ação de informação” prescinde de uma realização não
restritiva, ou seja, que não estanque a circulação da informação, buscando uma
reformulação participativa no campo de significados; em outros termos, não se
limitando aos quadros “institucionais-normativos” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1990).
O usuário de informação adquire consistência e relevância num espaço marcado
pela horizontalidade das tecnologias de informação, dispositivos de potencialização de
espaços mercadológicos, em bases “informationon pay-per-use basis (FROHMANN,
1992). As bases de “informação científica” encontradas nas instituições e universidades,
e no consumo de conteúdos culturais e de entretenimento como mercadorias, seguem o
modelo de mercado consumidor, práticas conhecidas do sistema de produção
capitalista.
Um segundo desdobramento pode ser apreciado sobre a im ersão das
informações nas práticas sociais. Uma primeira aproximação pode ser pensada em
termos da dualidade da materialidade da informação, tanto como “propriedade física”
quanto “prática social institucionalizada” à qual, por sua vez, é condição necessária ao
seu surgimento. Uma vez que a informação se refere sempre à materialidade e às
práticas sociais, a “ética” sobre os regimes de informação não deve estar restrita a algo
denominado “informação”, mas norteado sobre uma construção reflexiva mais ampla.
Trata-se de uma questão que não se distancia de uma reflexão ética mais abrangente
sobre a qual estão inseridas as práticas informacionais. Citando novamente Frohmann
(2002, p. 10):
Acesso à informação, se refere, para nós, acesso a práticas sociais. O problema
para o pobre, o marginal e aos ‘outsiders’ não é que lhe faltam dispositivos de
comunicação, mas que eles são injust amente excluídos das relações sociais,
essenciais para a verdade nos documentos, nos enunciados e nas
representações e textos de qualquer tipo, em resum o, para que lhes surjam
informações.
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As desigualdades em informação se referem às mesmas inequidades do mundo
material; como educação, saúde, justiça e promoção de políticas públicas. Os fluxos de
inovação e de conhecimento científico e tecnológico, o fortalecimento do
desenvolvimento e da economia local derivam de relações sociais determinadas e de
distintos fluxos desiguais de comunicação e de conhecimento, de dinheiro e de
possibilidade de construção do mundo simbólico, cultural e material.
4 USOS E ARTICULAÇÕES SOCIAIS DO CONHECIMENTO
Informação e conhecimento ganham espaço cada vez maior na sociedade da
informação. O aumento de fluxos dos mesmos está ligado, no entanto, à sua inserção na
dimensão da produção econômica. A “apropriação da informação científica” do saber, o
controle do trabalhador pela empresa e por sistemas de classificação e tratamento da
informação, como os buscadores na Internet para efeitos comerciais, além da
importância dos processos de inovação e de novos serviços em informação que surgem
em função das tecnologias de informação em um campo informacional altamente
complexo e dinâmico, e xpõem a lógica instrumental da informação e do conhecimento,
corolário da sociedade da informação.
A reorganização das finanças e da produtividade, que marcam a acumulação
capitalista, baseia-se nas redes e em processamento de informação. A noção de
“propriedades regenerativas da informação”, na qual aparecem grandes eixos sociais,
culturais e econômicos (educação, medicina, biotecnologia, softwares) que continuam
preparados para a exploração comercial e altamente lucrativa da indústria da
informação, através de sistemas de redes e processamento de informações (SCHILLER,
2011).
A percepção da inevitabilidade dos rumos do desenvolvimento tecnológico, ou de
que as decisões nessa área se restringem a especialistas, investidores e gestores
públicos e privados, o bscurece o fato de que as escolhas tecnológicas constituem um
campo de disputas. Do mesmo modo, co ntrariamente à visão do papel ativo do capital e
ativo/passivo do trabalho no âmbito da dinâmica tecnológica, observa-se que,
historicamente, a introdução de diversas tecnologias e inovações é precedida de
conflitos que envolvem capital e trabalho (ALBAGLI, 2013, p. 118).
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A dialética e as contradições que caracterizam as sociedades se relevam também
no campo das inovações, das tecnologias e da apropriação da informação e do
conhecimento, da ciência e da tecnológica, pois:
É a partir dessa perspectiva que devem ser compreendidos os atuais
antagonismos em torno da disputa pela apropriação da informação e do
conhecimento e das tecnologias que lhes dão suporte. Significa reconhecer que
as relações sociais de produção precedem o desenvolvimento das forças
produtivas (aí incluídas ciência e tecnologia). (ALBALGI, 2013, p. 118).
O processo de inovação e aprendizado tem sido focado, até agora, pelos
parâmetros ligados à intensificação da racionalização do trabalho e do lucro, a partir do
qual se busca compreender, em termos de inovação tecnológica, suas “mensurações”,
“fontes” e “resultados”, que se baseiam na competitividade e na lucratividade, objeto ao
qual se debruçaram correntes do pensamento econômico como os “neo-
schumpetarianos” e a “escola de regulação” (ALBAGLI, 2010, p.07).
A captura das subjetividades do trabalhador pelas empresas e do valor
econômico atribuído às informações, não obstante, faz parte de um processo mais amplo
e dinâmico de resistências e contradições, devido à própria dinâmica informacional
sobre a qual está assentada a produção econômica, à medida que permite a socialização
da linguagem, do conhecimento e das subjetividades pelo “trabalho informacional”. Em
oposição à sociedade industrial, o trabalhador torna-se comunicativo por excelência e
disposto a colaborar, a inventar e a produzir novos procedimentos produtivos. Essa
nova forma de organizar o trabalho coloca no centro do processo produtivo os “recursos
imateriais” (SANSON, 2009, p. 41), que, como observa bem os autores do capitalismo
imaterial, reproduz novas relações sociais e de subjetividades (SANSON, 2009).
Essa é a tese do capitalismo cognitivo para o qual o “trabalho imaterial”, ao
produzir as subjetividades e baseado na comunicação, característica comunicacional, dá-
se pela elasticidade da dinâmica social da produção à qual produz, por sua vez,
contradições e tensionalidades (HARDT; NEGRI, 2005). Isso coloca a questão da
subversão da tecnologia e da inovação em favor dos interesses das pessoas:
A percepção da inevitabilidade dos rumos do desenvolvimento tecnológico, ou
de que as d ecisões nessa área se restringem a especialistas, investidores e
gestores públicos e privados obscurece o fato de que as escolhas tecnológicas
constituem um campo de disputas. Do mesmo modo, contrariamente à visão do
papel ativo do capital e ativo/passivo do trabalho no âmbito da dinâmica
tecnológica, observa-se que historicamente a introdução de diversas
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tecnologias e inovações é precedida de conflitos que envolvem capital e
trabalho. (ALBAGLI, 2013, p. 118).
O uso de tecnologias pelos indivíduos em certa comunidade aumenta a
capacidade de intercâmbio de i nformações, de soluções e de reconhecimento
sociocultural. Pode, além disso, sustentar uma complexa teia de informações, ideias e
representações às quais perpassam os indivíduos e compõem o universo simbólico e
cultural (MARTELLETO; SILVA, 2004), de modo a fortalecê-los e dinamizá-los.
A reorganização do paradigma produtivo, no qual novos formatos, processos e
serviços, somados ao papel essencial dos insumos eco nômicos informação,
conhecimento e inovação–, ressalta a necessidade de políticas públicas orientadas à
tecnologia e a inovação, capazes de promover ações interventivas e estruturais em
relação às novas configurações sociais e políticas. Em conjunto, essas transformações
nos padrões econômicos e sociais, traduzidos em termos de investimentos a partir da
ação política, acarretam consequências positivas ou negativas ao desenvolvimento.
4.1 DESENVOLVIMENTO LOCAL
O termo sociedade da informação passou algum tempo a ceder espaço para o de
sociedade do conhecimento (PYATI, 2010, p. 406). Não se trata apenas de uma escolha
puramente terminológica. O binômio informação-conhecimento sofre uma ruptura a
medida que o primeiro é entendido sobre sua forma apenas como mercadoria ou algo
puramente operatório, enquanto o segundo expande as fronteiras impostas a este
entendimento, a medida em que está disponível e pode ser apropriado a quem se
interessa. (UNESCO, 2005).
Com a derrocada do neoliberalismo na década de 90, projetos políticos voltados
à educação e à aplicação de tecnologias sociais não têm sido empregados de forma
sistemática. Além disso, com a mercantilização da informação, as empresas de
telecomunicações sofreram, sobretudo na década de 90, com a penetração do
neoliberalismo nos países menos desenvolvidos, como no caso do Brasil, um amplo
processo de privatização e fusões de empresas estrangeiras, em função da
potencialidade de consumo, advinda das tecnologias de informação, mas também das
necessidades dos investimentos e melhorias nesses setores e da impossibilidade dos
estados as custearem.
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No Brasil, em 2000, sob o governo do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, realizou-se o programa “Sociedade da Informação no Brasil” (1995-2003), cujo
estudo trazia algumas análises, estratégias e ações no tocante à co nstrução e ao impacto
da Sociedade da Informação. Esses elementos de discussão e estudo desenvolvidos por
expoentes de diferentes áreas do conhecimento deram origem ao que se denominou de
Livro Verde. O estudo trazia também uma discussão, em âmbito nacional, das
convergências entre interesse privado e o interesse público.
A implementação de uma política condizente com os postulados neoliberais, que
visavam à desburocratização, à desestatização e à desregulamentação – em todos os
segmentos (trabalho, economia, telecomunicações etc.), fundamentou as diretrizes do
governo federal, inviabilizando o ga nho democrático no acesso à informação,
comunicação e conhecimento. À medida que a política de li beralização econômica foi se
instalando, foram sendo feitas fusões, aquisições e processos de privatização, trazendo
ao Brasil empresas estrangeiras. O mercado de bens e serviços de informática e
telecomunicações no país movimentou cerca de US$ 50 bilhões anuais em 2000,
contribuindo significativamente para o crescimento da economia. Ademais, tal mercado
teve um impacto positivo na diminuição de custos, impelindo à inovação e, dessa forma,
à maior competitividade por parte das empresas (TAKAHASHI, 2000).
Políticas públicas em longo prazo, e não apenas pontuais, são necessárias para a
elaboração de processos sólidos e sustentáveis. Uma dimensão que merece particular
destaque refere-se à consciência das políticas tecnológicas e científicas como um todo
orgânico, uma vez que elas trazem o estímulo à disseminação e ao uso de novos
produtos, serviços e processos. Projetos com enfoque nas tecnologias de informação e
educação de qualidade promovem o empreendedorismo e a inovação.
É importante fatores como aprendizado, conhecimento, educação e valorização
do capital social, este último sustentado a partir das relações sociais específicas, o que
significa ressaltar a dimensão espacial desses fenômenos. O capital social é entendido
pela literatura como normas, valores e relacionamentos compartilhados que permitem a
cooperação dentro dos grupos sociais (MARTELETO; SILVA, 2004). A ampliação ou o
estrangulamento do capital social diz respeito à interconexão com redes institucionais,
sejam instituições políticas sejam cadeias produtivas-econômicas, exteriores a uma
determinada realidade, grupo social ou comunidade. O processo de aprendizado e de
fortalecimento das redes culturais, econômicas e sociais, dimensões estruturantes de
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uma determinada região bem como suas inter-relações (tanto em termos institucionais,
quanto em termos de iniciativa privada), forma um ambiente complexo, o qual deve
estar harmoniosamente configurado ao desenvolvimento regional.
Assim, junta-se a inter-relação entre estrutura governamental e capital social,
uma vez que as decisões e instituições políticas podem tanto promover quanto impedir o
desenvolvimento do capital social. A natureza da relação aqui se pela
descentralização e participação no processo político. A forma de “estruturas formais de
cooperação” constitui na formalização entre governo local e associações, formando um
ambiente político favorável à participação democrática (ALBAGLI, 2013; MARTELETO,
SILVA, 2004). Para Cavalcante (2012, p. 124):
[...]o desenvolvimento loca l está ligado a importantes fatores que contribuem
para o crescimento comunitário: as questões geopolíticas, a difusão espacial, os
fluxos temporais e informacionais, a cultura e as potencialidades existentes e
identificadas, como turismo, agronegócio, artesanatos etc., fomentando
atividades produtivas de bens e serviços como participação comunitária.
De um ponto de vista sociológico, Piaty (2010) afirma que a articulação e as vozes
de movimentos sociais e ONGs para com os grupos e atores sociais marginalizados, tanto
quanto aqueles que estão no setor do emprego informal, em suma, aqueles que não são
contemplados com legislações e políticas específicas, também podem ser uma ponte
mediadora para a construção de consenso e de representatividade que almeje à criação
de centros, bibliotecas que vão ao encontro das necessidades informacionais destes
grupos. O emprego de tecnologias de inovação e do acesso à informação e,
principalmente, do “empreendedorismo” deve estar vinculado a partir da prática social
da solidariedade e de bem comum; caso contrário, fica limitada a ideologia do cidadão
consumidor, diminuindo conceitos essenciais como democracia social, participação
democrática e bens públicos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva adotada dialoga com o referencial teórico segundo o qual expõe a
tecnicidade e a instrumentalização da informação e do conhecimento.
A gênese do termo sociedade da informação demonstra a noção histórico-
ideológica sobre a qual ele foi criado, uma vez que a “informatização” das sociedades
esteve relacionada à acumulação do capital. Dessa forma, a sociedade da informação
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reproduz o paradigma da produção mercadológica da informação e do conhecimento,
informação-científica, a construção do conhecimento corporativo, a recuperação da
informação e informação para entretenimento e consumo.
É importante destacar aqui a impossibilidade da “neutralidade” da informação e
do conhecimento, pois partimos do pressuposto de que estes estão imersos dentro de
práticas institucionais e socialmente determinadas (ALMEIDA, 2015). Tal perspectiva se
choca com o paradigma conservador da Ciência da Informação, que faz dela um campo
específico de disseminação e recuperação da informação científica e tecnológica,
servindo como as demais ciências positivas aos fins de dominação, esquivando-se de
determinações humanistas e problematizadoras da ordem social. Em contraposição a
isto, há momentos históricos que demonstram o flerte com posições mais “militantes”
(FROHMANN, 1993) e revolucionárias, nos quais surgem termos como “biblioteca
pública” e “informação social” (ALMEIDA, 2015).
Nesse sentido, devemos buscar uma reorientação político-prática, enquanto
ações afirmativas que promovam potencialidades e competências informacionais entre
os indivíduos, baseadas sobre o acesso público da informação, da cultura e do
conhecimento.
Políticas de desenvolvimento focadas nas novas tecnologias de informação e no
ensino de qualidade, o qual, por sua vez, gera capacidades de formalizar conhecimentos
e inovação, desenvolve ao mesmo tempo o empoderamento informacional, enfatizando
em tal processo a ideia de desenvolvimento participativo. Desenvolvimento, aqui,
associado também a importância de participação de regiões em cadeias econômicas de
alto valor agregado, assim como de utilização social da tecnologia. A particularidade da
reconfiguração produtiva pautada nos serviços e em tecnologia exige mão de obra
qualificada, conhecimento e inovação, bem como capacidades intercomunicativas. A
ausência de investimentos públicos para a educação, e de uso de c iência e tecnologia
(seja ela de informação e comunicação ou tecnologia social), destroem o argumento que
de uma sociedade da informação e curso, à medida em que a participação nela se
concretiza em poucos países e regiões, criando processos desiguais entre os fluxos de
informação e de riqueza.
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ARTIGO
SOBRE O AUTOR
Vinicius Aleixo Gerbasi
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Unesp-Marília.
E-mail: vinicius.gerbasi@yahoo.com.br
Recebido em: 05/04/2017; Revisado em: 10/05/2017; Aceito em: 20/05/2017.
Como citar este artigo
GERBASI, Vinicius Aleixo. Sociedade da informação: a lógica instrumental do acesso à informação e ao
conhecimento. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 2, n. 1, p. 96-118, jan./jun. 2017.