HIPERTROFIA DA INFORMAÇÃO SOB A ÓTICA DOS CONCEITOS DE VERDADE E PÓS-
VERDADE
HYPERTROPHIC INFORMATION UNDER THE VIEW OF TRUTH AND POST-TRUTH
CONCEPTS
Denise Braga Sampaio¹
Henry Poncio Cruz de Oliveira
2
Maria da Luz Olegário
3
¹ Doutoranda em Ciência da Informação
(PPGCI/UFPB), Professora do Departamento de
Ciência da Informação da UFBA.
E-mail: denisebs23@gmail.com
2
Doutor em Ciência da Informação pela UNESP-
Marília, Professor do PPGCI/UFPB
E-mail: henry.poncio@gmail.com
3
Doutora em Educação pela UFPB, Professora do
PPGOA/UFPB
E-mail: daluzprof@gmail.com
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Recebido em: 20/09/2019.
Revisado em: 01/10/2019.
Aceito em: 10/10/2019.
Como citar este artigo:
SAMPAIO, Denise Braga; OLIVEIRA, Henry
Poncio Cruz de; OLEGÁRIO, Maria da Luz.
Hipertrofia da informação sob a ótica dos
conceitos de verdade e pós-verdade.
Informação em Pauta, Fortaleza, v. 4, n.
especial, p. 9-30, nov. 2019. DOI:
https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.42597.9-30.
RESUMO
Desvela as relações existentes entre verdade,
pós-verdade e informação na perspectiva de
conceituar a hipertrofia da informação na
Ciência da Informação. Utiliza como aporte
metodológico a pesquisa exploratória,
bibliográfica e a análise conceitual de Walker e
Avant, como forma de responder às questões: o
que é hipertrofia da informação? Quais são suas
características e implicações em uma sociedade
dita informacional? Ampara-se nos seguintes
objetivos: criar um conceito, para a Ciência da
Informação, de hipertrofia da informação, e
analisar seu relacionamento com a verdade e a
pós-verdade. A análise mostra que a hipertrofia
da informação está intimamente ligada com a
pós-verdade e a constituição de fake news, ao
que se notaram em páginas verificadoras de
fatos (fact-cheking) classificações que se
tangenciam com o conceito, comprovando sua
congruência com o tema.
Palavras-chave: Pós-verdade. Informação. Fake
News. Hipertrofia da informação.
ABSTRACT
It reflects about the relationships between truth,
post-truth and information into the perspective
of conceptualizing information hypertrophy in
Information Science. It uses as methodology the
exploratory, bibliographical research and the
conceptual analysis of Walker and Avant, to
answer the questions: what is information
hypertrophy? What are its characteristics and
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
nov. 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.42597.9-30
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implications in a so-called informational society?
It is supported by the following objectives: to
create a concept, for Information Science, of
hypertrophic information, and to analyze its
relationship with truth and post-truth. The
analysis shows that information hypertrophy is
closely linked with post-truth and fake news
constitution, as noted in fact-checking pages
some classifications that tangent with the
concept, proving its congruence with the theme.
Keywords: Post-truth. Information. Fake News.
Hypertrophic information.
1 INTRODUÇÃO
A informação perpassa por todo o processo humano que compreende a história,
sobretudo a história registrada. Sua importância é patente desde a quebra do código
nazista, a partir de Alan Turing, até a cura de doenças, pelas descobertas científicas.
Passa também por pequenos eventos, como narrativa de fatos locais, que constituem
memórias individuais e coletivas. A informação é, portanto, não somente “seiva da
ciência” (LE COADIC, 2004), mas de um arranjo biossocial muito maior, pois
compreende a vida humana.
Destacamos, desnudando a temática aqui proposta, que a informação é a
matéria prima da verdade, que pode ser lapidada ao bel prazer do emissor. Por isso,
discussões sobre pós-verdade, fake news e mentira são cada vez mais pertinentes, dado
que a informação pulula, na atual sociedade, da multiplicidade de crenças, fatos e atos.
Ela nasce e se molda, ou, como sugere sua gênese, toma forma. Estar imergido na
Sociedade da Informação é entender a dinâmica existente entre essa matéria prima e os
processos desencadeados a partir da nossa interação com ela.
De posse dessas reflexões e do cenário que se descortina sob a perspectiva da
pós-verdade (DUNKER, et al., 2017), percebemos que a interação entre verdade, opinião
e público pertence a uma gica contemporânea de consumo desenfreado de
informações das mais diversas fontes, cujo filtro principal é a simplicidade de ‘exposição’
dos fatos, que não lhe assegura a qualidade. As redes sociais tornam-se, invariavelmente,
uma das principais fontes de consulta e exposição de notícias (CASADEI, 2013) e de
pareceres de pessoas não doutas no assunto, ou seja, informações são consumidas e
opiniões emitidas nestes ambientes, como um ciclo retroalimentado. Vale destacar que a
pós-verdade, como ver-se-á de forma mais explícita em sua referida seção, não se trata
de mera mentira, mas se constitui de artifícios diversos para comover pessoas e
mobilizar a opinião pública em prol de determinada ação ou ideologia. A pós-verdade
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está constituída tanto dessas mentiras ‘puras’, como de um conjunto de verdades
pensadamente ordenadas para estabelecer uma narrativa desejável. Um desses artifícios
é a própria informação, que, de seiva da verdade, pode tornar-se seiva também da pós-
verdade, em suas mais variadas formas de exposição, comportando-se como uma
infotoxina (PHILLIPS, 1996). Essa infotoxina pode gerar a hipertrofia da informação,
objeto de estudo deste trabalho.
Segundo o dicionário de etimologia chileno (RODRIGUEZ, 20--), ‘hipertrofia’ é
uma palavra cuja origem se deu no seio da medicina francesa, em 1819, resultado dos
componentes léxicos gregos υπερ (hypér), que significa “acima do normal”, “em excesso”
e τροφία (trophía), que se traduz em “alimentação”, “nutrição”. Literalmente, uma
sobrealimentação ou nutrição em excesso (RODRÍGUEZ, 20--). Na comunicação, a
hipertrofia da informação é citada por alguns autores, como Marques (et al., 2009);
Muniz Sodré (BARRETO, 2012); Künsch (2006); Almeida (2010); Ferrari (2005), no
entanto, na área de Ciência da Informação o tema é, ainda, pouco discutido. O que seria
essa hipertrofia da informação? Quais são suas características e implicações em uma
sociedade dita informacional? Diante destas questões, objetivamos, portanto, criar um
conceito, para a Ciência da Informação, sobre esta hipertrofia, extensivamente, analisar
seu relacionamento com a verdade e a pós-verdade.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa, sob o ponto de vista de seus objetivos, se caracteriza como
exploratória, dado que o produto gerado é a conceituação do termo ‘hipertrofia da
informação’, cuja variação é ‘informação hipertrófica’. Segundo Prodanov e Freitas
(2013, p. 51), a pesquisa exploratória trata de investigação em “[...] fase preliminar, [e
tem] como finalidade proporcionar mais informações sobre o assunto [...] possibilitando
sua definição e delineamento [...]. Assume, em geral, as formas de pesquisa bibliográfica
e estudo de caso”. Segundo Gil (2008, p. 27).
As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver,
esclarecer e modificar conceito e ideias [...] são desenvolvidas com o objetivo de
proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato.
Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é
pouco explorado [...]
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A conceituação do termo, dentro da Ciência da Informação (CI), faz-se necessária,
primeiramente, por se tratar de uma anomalia do objeto de estudo da área, mas também
por compor um processo hodierno de manipulação das informações (e notícias), em
uma sociedade pautada na pós-verdade advinda de interações ciberativistas e
passionais. Para melhor apreender este contexto, o estudo se valeu,
complementarmente, de levantamento bibliográfico a respeito das interações entre
verdade, pós-verdade e informação em livros, sobretudo da área de filosofia, e artigos da
área de comunicação e CI (especialmente no Portal de Periódicos da Capes), com uso dos
termos ‘verdade’, ‘pós-verdade’, fake news’, fact-chekinge “hipertrofia da informação”
(com aspas duplas). Esta última palavra não obteve nenhum resultado na plataforma, no
entanto, ao se buscar pelo termo no Google, obtiveram-se 26 resultados, todos, apenas
citando o termo, mas não o conceituando.
Como o objetivo central é a criação de um conceito, na Ciência da Informação,
para a hipertrofia da informação, utiliza-se neste estudo a análise conceitual,
entendendo que
Um conceito é uma ideia ou construção mental elaborada acerca de um
fenômeno. São termos referentes aos fenômenos que ocorrem na natureza ou
no pensamento. São representações cognitivas, abstratas, de uma realidade
perceptível formada por experiências diretas ou indiretas. Os conceitos podem
ser empíricos ou concretos (observados pelos sentidos) ou abstratos (não
observáveis). Sua função primária é permitir que indivíduos possam descrever
situações e se comunicar efetivamente (FERNANDES et al., 2011, p. 1151).
A análise conceitual, na perspectiva de Walker e Avant (apud FERNANDES,
2011), obedece a oito passos que ajudam a entender melhor dado conceito. São eles:
Quadro 1 - Passos da Análise Conceitual e aplicação
Passos
Conceitos dos passos
Passos da pesquisa segundo
método
(1) seleção do conceito
deve refletir o tópico ou a área de maior
interesse, sendo recomendável a escolha
de um conceito que esteja ligado à área
de experiência profissional (prática,
pesquisa, ensino, administração) e que
tenha despertado atenção e preocupação
na pessoa.
Hipertrofia da informação
(2) determinação dos
objetivos da análise
conceitual
finalidade da análise conceitual que se
pretende realizar
Conceituar hipertrofia da
Informação na CI
(3) identificação dos
possíveis usos do
conceito
busca na literatura para se ter uma ideia
de como o conceito em questão está
sendo enfocado ou aplicado
Buscas exploratórias nos campos
de Comunicação e Ciência da
Informação
(4) determinação dos
atributos críticos ou
se identificam palavras ou expressões
que aparecem repetidamente na
Será apresentado na
apresentação e discussão dos
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Passos
Conceitos dos passos
Passos da pesquisa segundo
método
essenciais
literatura, que mostram a essência do
conceito.
Esses atributos constituem
características que expressam o
conceito, as quais atuam como elementos
para diagnósticos diferenciais, isto é,
para discriminar o que é uma expressão
do conceito daquilo que não é. Nos casos
em que o conceito é muito abstrato, os
seus atributos, geralmente, têm também
alto grau de abstração.
resultados
(5) construção de um
caso modelo
elaboração de um exemplo, baseado na
vida real, do uso do conceito, que inclua
seus
atributos essenciais.
Será visto na apresentação e
discussão dos resultados
(6) desenvolvimento
de outros casos
limítrofes, relacionados, contrários
inventados e ilegítimos. Servem para
auxiliar na decisão quanto aos atributos
essenciais do conceito. Entre esses casos,
chamamos atenção para dois deles que,
no nosso entendimento, melhor
cumprem a meta ora exposta: o caso
contrário e o caso limítrofe. O caso
contrário provê exemplo do “não
conceito”. o caso limítrofe, constitui
aquele evento ou instância que contém
alguns dos atributos essenciais do
conceito sob análise, mas não todos eles.
Será visto na apresentação e
discussão dos resultados
(7) Identificação de
antecedentes e
consequências do
conceito
levantamento de incidentes ou eventos
que acontecem a priori ao fenômeno
(necessários para a sua ocorrência) e a
posteriori (eventos ou situações que
surgem ou resultam da presença do
fenômeno).
Desenvolvido no referencial
teórico do trabalho
(8) Definição de
referências empíricas
para os atributos
essenciais
referentes empíricos são categorias ou
classes de fenômenos observáveis que,
quando presentes, demonstram a
ocorrência do conceito, possibilitando,
assim, sua definição operacional. Em
muitos casos, os atributos são idênticos
às referências empíricas. Quando os
conceitos são abstratos (autoestima,
tristeza), seus indicadores empíricos não
são diretamente observáveis, dependem
de medidas indiretas.
-
Fonte: baseado em FERNANDES (2011).
Para melhor entender o conceito de hipertrofia da informação em uma sociedade
pós-verdadeira, é necessário que se revisite a filosofia clássica e a moderna, em suas
discussões sobre verdade, mentira e o contemporâneo entendimento de pós-verdade,
advindo do campo político e de comunicação.
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3 PERCEPÇÕES FILOSÓFICAS E POLÍTICAS SOBRE O CONCEITO DE VERDADE,
MENTIRA E PÓS VERDADE
Falar sobre verdade é fazer um exercício filosófico. Tal termo passou, ao longo do
tempo, por diferentes conceituações, teorias e divisões. Um esboço da concepção de
verdade pode ser visto em Platão, no mito da caverna (COSTA, 2010), em que a verdade
se descortina na liberdade, com o romper dos grilhões e afastamento do mundo visto
pelas sombras, para o mundo visto na perspectiva da luz. Essa iluminação é contemplada
no mundo das ideias, mundo este onde os vícios e os subterfúgios não poderiam ofuscar
os sentidos, com a expressão plena dos objetos como se apresentam. Para Platão, é na
ideia que se desvela a verdade. Ela é a própria luz. Estar iluminado, portanto, não é a
mais fácil das tarefas. Por esse motivo, aquele que conseguiu desbravar o que havia além
da caverna, na tentativa de mostrar o que vira a seus companheiros, acaba
desacreditado e ameaçada é a sua vida. Isso ocorre porque a verdade que se revela pelos
olhos de outrem torna-se uma ruptura inaceitável àquilo que antes era a expressão mais
plena do mundo, um mundo visto pelos olhos treinados para enxergar somente
sombras.
A visão platônica abriu horizontes para entender a verdade de forma metafísica,
transcendendo a experiência sensível, por meio da racionalização. dois mundos
separados no pensamento de Platão: o mundo das aparências, ligado a todos os enganos
provenientes da ordem da sensibilidade, e o mundo das Ideias, ligado à ordem da
verdade. Em suma, a ordem da sensibilidade diz respeito às experiências singulares dos
mais diversos indivíduos que se voltam para a realidade sempre em conformidade com
suas paixões ou interesses, como ocorre atualmente, com o que chamaremos de pós-
verdade (SALZTRAGER; LOURENÇO, 2017). Essa forma de pensar a verdade foi base
para o conceito de Heidegger, que associa a verdade com a liberdade.
A tarefa desse homem liberto [o que sai da caverna] não é cil, pois ele se
encontra no risco de perder-se no interior da caverna pelo simples motivo de
ser atraído, puxado pela verdade que aí vige e serve de medida para todos.
Outro risco corre ainda ele, que é aquele relacionado à revolta dos que
acreditam que o que serve de medida no interior da caverna é o que aparece
para eles como o mais desvelado, de modo que o homem liberto ‘está ameaçado
pela possibilidade de ser morto’ (COSTA, 2010, p. 217).
Ou seja, essa liberdade é ameaçada não somente pelo outro, mas pela própria
fragilidade do ser humano frente àquilo que lhe é natural, que lhe é comum, habitual. Há,
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então, uma relação constante entre velar e desvelar, entre trevas e luz, entre o
conhecido e o novo que se desnuda nessa luz. O ser humano, quando confrontado com o
novo, tende a recusá-lo em um primeiro momento, para então acei-lo. A esse
respeito, na perspectiva do universo ideal de Platão, é pertinente a assertiva de Bauman
(2012, p. 8), de que “é da natureza das ideias que elas nasçam como heresias
perturbadoras e morram como ortodoxias aborrecidas”. A ideia de que fala Bauman não
é perfeita, idealizada e eterna, como em Platão, mas descontínua. Ela é própria de uma
sociedade que imerge na liquidez. No entanto, a resistência ao novo é tanto presente
para os que estavam presos na caverna mitológica de Platão porque o novo, ou a
verdade revelada, neste caso, pode ser assustador, quebrando modelos, rompendo com
costumes até então consagrados como em nossa contemporaneidade.
Para filósofos como Foucault e Benjamim, a verdade é contextual. Foucault
entende a verdade como relacionada aos jogos de poder, sobretudo às narrativas das
histórias oficiais, enquanto Benjamim entende que a verdade é composta por camadas
(SALZTRAGER; LOURENÇO, 2017). No campo das ciências, a verdade está relacionada
àquilo que comprovadamente não pode ser refutado. Tal entendimento vem do princípio
da falseabilidade de Popper (1980). Este princípio versa que uma teoria é incorporada à
ciência na medida em que não é refutada a partir de experimentos verificadores de sua
invalidade. Exemplo disso, a lei da gravidade assevera que orbita sobre a terra uma
força, chamada de gravidade, que puxa os corpos para seu centro e, ignorando-se a força
do ar, todo corpo tende a cair, sempre que arremessado ou solto. Este experimento pode
ser verificado em qualquer parte do globo terrestre, conferindo sempre o mesmo
resultado: o encontro do objeto com o chão.
Segundo Descartes (1987), todo o ser humano possui bom senso, que é ter “a
capacidade de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso” (DESCARTES, 1987, p.30).
Ele assevera que o uso da razão faz com que o aluno alcance o conhecimento da verdade,
sem seguir as autoridades escolásticas, por meio da dúvida e do questionamento
(WATANABE; SOARES, 2011). Descartes, a partir de então, passou a distinguir o
verdadeiro do falso considerando como verdadeiro tudo quanto pudesse ser conhecido
de modo claro e distinto, e julgando falso tudo quanto não o pudesse (DESCARTES,
1987). Como é possível determinar esta clareza e esta distinção? O autor apresenta
(DESCARTES apud VILELA; IZIDORO, 2013) algumas ações que podem levar o sujeito à
verdade: (a) dúvida metódica; (b) análise; (c) síntese; (d) revisão.
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Segundo a Teoria da Correspondência, proposta por Tarski (2007), uma
proposição é verdadeira se ela corresponde à realidade, se o que ela afirma de fato é
uma proposição, um juízo ou uma sentença. É verdadeiro se, e somente se, reflete a
realidade. para os adeptos da filosofia da ação, como Nietzsche (ARENDT, 2014), a
verdade tem caráter utilitário, não contemplativo. Deste modo, a verdade, “[...] qualquer
que seja o campo a que pertença, é verdadeira pela sua efetiva utilidade, ou seja, por
ser útil para estender o conhecimento ou para, por meio deste, estender o domínio do
homem sobre a natureza, ou então por ser útil à solidariedade e à ordem do mundo
humano” (ABBAGNANO, 2007, p. 998).
Essas perspectivas desveladas pelos filósofos são um importante caminho para se
pensar não mais em verdade, mas verdades que se descortinam sob diferentes
metodologias, a depender do instituto que as defenda. Por isso, Arendt (2014) denomina
a verdade metafísica de Platão de verdade filosófica, enquanto a verdade científica, para
alcançar tal status, necessita de experimentações, método científico, comprovação e
aceitação por pares para ter validade. No campo da política, esta advém de fatos, e
Arendt (2014) a chama de verdade fatual. A autora entende que, na Modernidade, tal
verdade inexiste, por sua constante ameaça, que a fluidez dos processos e os jogos de
poder inserem sobre ela.
3.1 Verdade, mentira e opinião na Modernidade
O movimento de transição da Tradição para a Modernidade se deu por rupturas
paradigmáticas de inversões de valores e pela crise da autoridade (ARENDT, 2014).
Nietzsche (2007), um dos autores referência para este período e, como afirma Belo
(1994), extemporâneo, entende a verdade, entre outras coisas, como objetivo do
conhecimento e uma forma de ilusão, um valor, produzida pelo intelecto. O intelecto
humano difere mulheres e homens dos demais animais, conferindo-lhes a capacidade de
adaptação às situações, por meio da cognição. “O intelecto é um meio de conservação do
indivíduo, para o manter, para conservar os mais fracos; desenvolve as suas forças
capitais [...]” (BELO,1994, p. 214). Assim, na concepção nietzschiana, é da natureza
humana a dissimulação. Esta serve para conferir aos mais fracos as armas necessárias à
sobrevivência. Vale destacar que a visão de Nietzsche não carrega ideais maniqueístas
que filósofos como Platão e Heidegger defendem, sob uma divisão engessada entre bem
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e mal, certo e errado. Para Nietzsche, o que move um sujeito a falar a verdade não é ela
em si, mas as suas consequências, quando comparadas à mentira. Por existir uma moral
que defende a verdade como sendo melhor aceita que a mentira, opta-se por ela em
favor de suas benesses, não pelo ideal do ‘fazer o bem’ por meio da honestidade e da
verdade.
A perspectiva nietzschiana (BELO, 1994) obedece a três paradigmas, (1) a do
animal que luta pela vida; (2) a do conhecimento e, por fim; (3) a da linguagem. Segundo
Belo (1994), em sua releitura do filósofo alemão, o primeiro paradigma diz respeito ao
uso da dissimulação e da ilusão para garantir a sobrevivência, sendo estas duas ações
precursoras da verdade. Neste sentido, emular, disfarçar-se, criar arapucas para
capturar uma caça, fingir-se de morto, ou fingir-se adequado a determinada situação em
que ser minoria é ameaça são alguns dos subterfúgios utilizados para garantir essa
manutenção da vida. O paradigma do conhecimento pode ser melhor entendido nas
palavras de Camargo (2008, p. 98):
A vontade de verdade é a busca metafísica por um fundamento último para o
conhecimento, é acreditar que através da razão e das construções intelectuais
se atinge uma espécie de verdade primordial. A vontade de engano é a maneira
como Nietzsche enxerga esta vontade de verdade. O filósofo entende a razão e
as demais construções intelectuais como construções históricas e, neste
sentido, suas proposições são chamadas de falsas mas entende que uma
necessidade de se acreditar em tais falsificações como se fossem verdades. Esta
é a ilusão necessária que Nietzsche chama de vontade de engano. A vontade de
verdade, a busca da verdade e a crença nesta verdade decorrem da necessidade
de se acreditar nas construções históricas e culturais, ou seja, decorre da
vontade de engano.
Por fim, o paradigma da linguagem diz respeito à arbitrariedade da palavra. A
linguagem (NIETZSCHE, 2007) possui dois estágios, um individual e anárquico e outro
social, determinado sob estruturas de poder. A palavra, nessa perspectiva, é constituída
de forma normalizante, metafórica em relação ao objeto, hierarquizada e uniforme. “É a
semântica social que traz consigo a lei e a verdade” (BELO, 1994, p. 219). Por esse
motivo, Nietzsche, valendo-se de Kant, acredita que, por meio da palavra, não se pode
chegar à verdade, dado que esta é, substancialmente, a coisa em si. Ora, se a palavra é
temporal, culturalmente construída e espacialmente limitada, a verdade o pode ser
expressa por ela, não como universalizante
i
.
Tais questões evidenciam o caráter dinâmico das sociedades e instituições que a
compõem. Como falar, então, sobre uma ideia de verdade? Para Nietzsche (2007), a
sociedade, em suas formas de poder, obriga os sujeitos a mentir, “[...] o homem mente
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inconscientemente, segundo costumes centenários, costumes de longo tempo [...] [o
sentimento de verdade é o sentimento] de ser obrigado a designar [...] ao que busca a lei”
(BELO, 1994, p. 234) conforme uma convenção consolidada, mentir em rebanho num
estilo a todos obrigatório” (NIETZSCHE, 2007, p. 37).
Diante disso, o autor se pergunta então qual o impulso para a verdade e o que
seria ela. Ele mesmo responde ao afirmar que a verdade é:
Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma
soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente,
transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas,
canônicas, e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o
são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que
perderam sua efígie e agora entram em consideração como metal, não mais
como moedas (NIETZSCHE, 2007, p. 36-37).
A verdade, então, seria uma ilusão massificante, ligada a uma vontade de
potência, a um impulso. A vontade de potência é a necessidade da vida de exercer ações
para emancipar-se, uma dessas ações pode ser a dominação do outro. Ser verdadeiro,
honesto, é, então, uma forma de colocar-se em posição superior em relação àquele que
mente, dado que o honesto não precisa mentir para sobreviver, e a moral (socialmente
construída e aceita) o coloca nessa posição de superioridade.
[...] em trabalhos posteriores, o autor [...] investiga a ligação da verdade com o
medo, ou seja, com a necessidade de manter uma realidade, um ‘mundo
verdadeiro’, por trás da aparência. A vontade de verdade seria, então, a busca
incessante pela calma e segurança de uma estrutura fixa de ‘realidade’ para se
opor ao mundo impossível de se perceber corretamente - seria uma maneira de
viver quando já não se tem vontade de potência, a coragem para encarar o
mundo de frente, com todas as suas dúvidas e desafios (SIQUEIRA, 2014, não
paginado).
Vale destacar, ainda sobre Nietzsche (2007), que o autor categoriza a verdade sob
três tipos: as verdades agradáveis, (conservadoras da vida e desejadas pelo