Fortaleza, CE

v.5, n.2

jul./dez. 2020

ISSN 2525-3468

DOI: https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.44072.56-70




ARTIGO




A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA DAS PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES EM PROCESSOS DE APRENDIZAGEM: uma análise entre 2010-2020


SCIENTIFIC COMMUNICATION OF INTERDISCIPLINARY PRACTICES IN LEARNING PROCESSES: an analysis between 2010-2020


Davilene Souza Santos¹

Adriana Serafim de Souza²

Flávia Goulart Mota Garcia Rosa³





¹ Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).



E-mail: davilenes13@gmail.com



² Graduação em Administração pela Faculdade Batista Brasileira. Especialização em Psicopedagogia.



E-mail: adriana.serafim.s@hotmail.com



³ Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA).



E-mail: fflaviagoulartroza@gmail.com





ACESSO ABERTO



Copyright: Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.



Conflito de interesses: As autoras declaram que não há conflito de interesses.



Financiamento: Não há.



Declaração de Disponibilidade dos dados: Todos os dados relevantes estão disponíveis neste artigo.





Recebido em: 12/05/2020.

Aceito em: 14/11/2020.

Revisado em: 30/11/2020.





Como citar este artigo:

SANTOS, Davilene Souza; SOUZA, Adriana Serafim de; ROSA, Flávia Goulart Mota Garcia. A comunicação científica das práticas interdisciplinares em processos de aprendizagem: uma análise entre 2010-2020. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 5, n. 2, p. 56-70, jul./dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.44072.56-70.



RESUMO

Este trabalho visa realizar um mapeamento a partir da literatura científica brasileira acerca da temática interdisciplinaridade e os processos de aprendizagem em artigo de periódico revisados por pares, e indexados no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre os anos de 2010 e 2020. A pesquisa se constitui de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e quantitativa, adotando a análise de conteúdo como técnica. Foram recuperados 312 artigos através dos descritores utilizados, interdisciplinaridade and processo de aprendizagem, após a análise de conteúdo, esse número foi reduzido para 22 artigos, aos quais foram possíveis verificações mais aprofundadas. As categorias utilizadas para as análises foram: título, resumo, ano de publicação, autoria, palavras-chave, nível, ensino; periódicos e abordagem metodológica. O levantamento permitiu identificar que existem algumas lacunas a serem pesquisadas quanto aos estudos dessa temática nos níveis de ensino básico e superior As abordagens mais utilizadas pelos pesquisadores em suas coletas de dados, assim como as revistas científicas que publicam artigos sobre esse tema, sugerem futuras investigações.


Palavras-chave: Comunicação científica. Interdisciplinaridade. Mapeamento da literatura. Aprendizagem.



ABSTRACT

This paper aims to conduct a review in the Brazilian scientific literature on the theme interdisciplinarity and learning processes in a peer-reviewed journal article, indexed in the Journal Portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Capes), between 2010 and 2020. The research is of an applied nature, with a qualitative and quantitative approach, adopting content analysis as the techniques. 312 articles were retrieved through the descriptors used, interdisciplinarity and the learning process, after content analysis, this number was reduced to 22 articles, to which further verifications were possible. The categories used for the analyses were: title; summary; Year of publication; authorship; keywords; level; teaching; Journals and Methodological Approach. The survey allowed us to identify that there are some gaps to be researched regarding the studies of this theme at basic and higher education levels. The approaches most used by researchers in their data collection, as well as scientific journals that publish articles on this topic, suggest future investigations.


Keywords: Scientific communication. Interdisciplinarity. Literature mapping

Learning.




1 INTRODUÇÃO


A comunicação científica, parte essencial da produção do conhecimento, tem enfrentado diversas transformações ao longo do tempo. As mudanças tecnológicas oportunizadas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) permitiram que as pesquisas científicas cumprissem um fluxo de comunicação mais rápido e de modo mais objetivo (MEADOWS, 1999).

Conhecer as pesquisas realizadas em determinada área do conhecimento é imprescindível para a inserção e manutenção no mundo acadêmico e científico. Por este motivo a revisão de literatura, a análise do estado da arte ou estado de conhecimento é considerada uma estratégia importante para a investigação científica.

Nesse sentido, Morisini (2015, p.114) discorre sobre a construção do estado de conhecimento, ao pontuar que este é “[...] entendido como identificação, síntese e reflexão sobre o já produzido sobre uma temática em determinado recorte temporal e espacial”. Dessa forma, compreendemos a importância do levantamento dos estudos já realizados em uma área do conhecimento, para identificarmos inclusive as lacunas existentes.


A autora acrescenta que a identificação do estado de conhecimento, perpassa por práticas de ativa colaboração e aprendizado, através de uma percepção crítica do objeto de estudo e a adequação e inserção em uma comunidade científica (MORISINI, 2015). Diante disso, se faz necessária a investigação dos estudos realizados na área pretendida, de modo que, se conheça previamente o que já foi pesquisado, identificar pontos relevantes a serem aprofundados e apresentar novas proposições.

Nesse sentido, este artigo tem por objetivo mapear a produção científica publicada em periódicos revisados por pares, acerca do tema interdisciplinaridade e os processos de aprendizagem, realizados entre os anos de 2010 e 2020. Para o levantamento dos dados e realização da pesquisa, utilizamos como ferramenta de suporte à informação o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), adotando como estratégia de busca os seguintes descritores: interdisciplinaridade e processo de aprendizagem.

A pesquisa se revela de natureza aplicada, com a adoção de uma abordagem qualitativa e quantitativa, com o intuito de nos beneficiarmos dos pontos fortes de cada um desses métodos de abordagem. A abordagem qualitativa centra-se nos aspectos relacionados aos motivos, significados, necessidades, crenças, valores e atitudes, que implica no aprofundamento das relações, dos processos e dos fenômenos (MINAYO, 1992).

Nessa perspectiva, adotamos a análise de conteúdo (BARDIN, 2016), como técnica utilizada nessa abordagem, que perpassa pela organização da análise e o rigor para determinar os dados que constituirão o conjunto da pesquisa, além da efetiva análise de categorias e inferências que se manifestarão ao longo da observação.

No que permeia a abordagem quantitativa, segundo Fonseca (2002, p. 20), “A utilização conjunta da pesquisa qualitativa e quantitativa permite recolher mais informações do que se poderia conseguir isoladamente”. Reiteramos a necessidade de quantificar numericamente algumas categorias, com o objetivo de percebermos a amplitude das pesquisas realizadas. Dessa forma, a proposta de uma análise que abarca tanto a abordagem qualitativa, quanto à quantitativa, visa contribuir de maneira abrangente para a verificação do estado da arte acerca do tema proposto, seja pelo ponto de vista da categorização da produção científica, quanto da parte mensurável desta.

A interdisciplinaridade é a temática central desse levantamento. Evidenciamos que há uma produção científica significativa acerca desse tema e que tem sido objeto de estudo em algumas áreas do conhecimento, em especial na área da saúde, porém ainda um tanto incipientes são os estudos voltados para as suas práticas efetivas no meio educacional.

Foi através de Hilton Japiassu, na década de 1970, que a interdisciplinaridade chegou ao Brasil, sendo de sua autoria a primeira publicação brasileira, Interdisciplinaridade e a patologia do saber (1976), despertando o interesse de outros pesquisadores sobre o tema no Brasil, a exemplo da pesquisadora Ivani Fazenda, que publica a obra Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro em 1979, já que desde os finais dos anos 1960, as primeiras investigações científicas sobre o tema já efervesciam na França.

Nesse sentido, propomos levantar na literatura científica brasileira os artigos publicados em periódicos que versam sobre a temática da interdisciplinaridade e suas práticas, através da análise dos processos de aprendizagem, seja no âmbito da educação básica ou superior. Essa proposta parte da premissa de que uma investigação não deve iniciar sem o conhecimento do estado da arte e sem os devidos levantamentos do status quo ao qual pertence.

Acerca disso, acrescentamos que a construção de um levantamento de natureza científica, exigirá do pesquisador a adoção de medidas que o permita realizar a investigação de forma metodológica apropriada, em vistas a obtenção de resultados passíveis de reprodução, logo, a revisão de literatura trará ao pesquisador esse arcabouço teórico e metodológico necessário (SANTOS, 2012). Ainda de acordo com Santos (2012, p. 95) “A revisão de literatura ainda pode revelar várias fontes de informação sobre o tema pesquisador que passariam despercebidos pelo pesquisador ou só seriam encontrados com muita dificuldade”.

Desse modo, justificamos a realização desse mapeamento da literatura acerca do tema interdisciplinaridade e processos de aprendizagem, a fim de identificarmos os estudos realizados sobre essa temática e compreender o estado da arte, as abordagens adotadas e os resultados alcançados, assim como, levantar as lacunas existentes para a realização de estudos futuros, de modo a contribuir com o avanço da ciência no que tange as abordagens interdisciplinares e suas práticas.



2 A INTERDISCIPLINARIDADE E OS ASPECTOS CONCEITUAIS


No Brasil, Hilton Japissu buscou estudar o enfoque epistemológico que envolve a temática, já os estudos voltados ao enfoque pedagógico relativo ao tema interdisciplinaridade ficaram sob a tutela da pesquisadora Ivani Fazenda, que se dedica a contribuir na configuração metodológica acerca dessa perspectiva interdisciplinar. (THIESEN, 2008).

Para Thiese (2008, p. 545), “O movimento histórico que vem marcando a presença do enfoque interdisciplinar na educação constitui um dos pressupostos diretamente relacionados a um contexto mais amplo”. Diante do exposto, e devido a amplitude mencionada pelo autor, nos reportamos a Teoria do Pensamento Complexo, defendida por Edgar Morin (2007), em que o aspecto estrutural e complexo do indivíduo dever ser considerado também para a obtenção do conhecimento, e não fragmentado como vem ocorrendo na contemporaneidade.

Thiese (2008, p. 545) acrescenta que essas “mudanças que abrange não só a área de educação, mas também outros setores da vida social como a economia, a política e a tecnologia, trata-se de uma grande mudança paradigmática que está em pleno curso”. Essa reflexão do autor nos permite inferir a necessidade de adesão a essa mudança em construção, pelos atores educacionais, envolvidos na mediação da aquisição do conhecimento, de sobremaneira a permitir que o indivíduo em sua complexidade nata observe os acontecimentos, fenômenos e estruturas políticas, sociais e econômicas de forma ampliada e contextualizada.

É através nessa perspectiva que a interdisciplinaridade está envolta, ou seja, na compreensão ampla da complexidade que envolve o indivíduo, e que foi inserido em uma fragmentação de saberes que dificulta a interação deste com os objetos aos quais se relaciona, de modo a perceber a interligação entres as mais diversas áreas do conhecimento. Sobre essa questão, Fazenda (2011, p. 70) acrescenta que “A interdisciplinaridade pressupõe basicamente uma intersubjetividade, não pretende a construção de uma superciência, mas uma mudança de atitude diante do problema do conhecimento, uma substituição da concepção fragmentária para a unitária do ser”.

Como a prática da interdisciplinaridade efetiva se constrói na sociedade e no indivíduo, essa percepção panorâmica dos acontecimentos, dos fenômenos e das relações é o desafio posto na contemporaneidade. Trazer da teoria à prática a concepção interdisciplinar que visa a contribuir com a emancipação do indivíduo enquanto cidadão e que se traduz na busca pela efetivação, concretização e materialização da interdisciplinaridade é a proposta para a ausência da fragmentação dos saberes.

Por vezes, a definição de interdisciplinaridade é entendida com o simples agrupamento de disciplinas trabalhando em conjunto, sem a menor interação metodológica, epistemológica e conceitual dos aspectos envolvidos na atividade, fato que não legitima essa interdisciplinaridade. Nesse sentido, Thiese (2008, p. 545) argumenta que: “De modo geral, a literatura sobre esse tema mostra que existe pelo menos uma posição consensual quanto ao sentido e à finalidade da interdisciplinaridade”.

Segundo o autor, para além da integração entre duas ou mais disciplinas do conhecimento, a interdisciplinaridade, “busca responder à necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento” (THIESE, 2008, p. 545). Acrescentamos que, essa busca pela interação acontece através da interseção metodológica e epistemológica entre as disciplinas do conhecimento configurada na execução e efetivação da interdisciplinaridade.

De modo contrário, ocorrem com as pesquisas multidisciplinares, pluridisciplinares, e em grau mais elevado do que a própria interdisciplinaridade, a transdiciplinaridade, que tende a transcender os aspectos conceituais disciplinares. As duas primeiras perspectivas de união das disciplinas do conhecimento, não chegam a interagir de uma forma que ocorra um imbricamento adequado para a transformação em nível mais profundo do conhecimento. Essas realizam a união de uma ou mais disciplinas, seja da mesma área do conhecimento ou não, para o caso multidisciplinar, mas sem adotar uma postura de troca e integração metodológica e epistemológica evidenciadas na interdisciplinaridade (FAZENDA, 2011).

3 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM E ALGUNS TEÓRICOS


Intrínseco ao processo da interdisciplinaridade está a aprendizagem e diversas teorias sobre esta, em decorrência dessas teorias, vertentes educacionais foram desenvolvidas ao longo da história. Vale destacar três perspectivas quando se refere à aprendizagem: a visão inatista, a visão empírica, e a visão interacionista. De acordo com Rodrigues (2016) essas perspectivas tomaram forma a partir de teóricos como Carl Rogers, Noam Shomsky, John Locke, Skinner, Immanuel Kant, Piaget, Vygotsky, David Ausubel.

De forma sucinta é apropriado elucidar como basicamente se fundamenta cada perspectiva. Segundo Rodrigues (2016) a compreensão da aprendizagem inatista aponta que o ambiente não emite uma influência sobre o sujeito, que este nasce munido do que precisa e se amolda através da capacidade interna. O autor acrescenta que pesquisadores como Carl Rogers e Noam Shomsky são alguns dos teóricos que embasam essa perspectiva.

A aprendizagem empírica lança o olhar voltado ao processo da aprendizagem que ocorre por meio da influência, estímulos e reforço positivo, com a finalidade de gerar uma automatização (condicionamento) de respostas. Alguns teóricos como John Locke e Skinner representam o conjunto de pensadores dessa perspectiva (RODRIGUES, 2016).

Corroborando com Rodrigues (2016) é notável que a perspectiva inatista dá ênfase ao sujeito e a perspectiva empírica apresenta destaque ao ambiente, ambas no processo da aprendizagem apresentam lados antagônicos. Segundo Rodrigues (2016), em meio a essa polarização, teóricos como Immanuel Kant, Piaget, Vygostky e David Ausubel destacam tanto os fatores orgânicos, quanto os fatores do ambiente, e nessa perspectiva se fundamenta a visão interacionista. Dentro dessa concepção o sujeito se transforma à medida que transforma o ambiente.

Com a intenção de ampliar a compreensão quanto aos teóricos interacionistas citados é pertinente discorrer de maneira breve sobre estes. Com amplo arcabouço e contribuições para muitas áreas o teórico Piaget (1976), apontou uma abordagem especificamente voltada para a compreensão do desenvolvimento humano, e em meio a esse processo de investigação, expressou o desdobramento da aprendizagem, concluindo que a aprendizagem ocorre quando determinadas estruturas cognitivas estão acomodadas.

Araújo (2020) acrescenta que a abordagem retratada por Vygotsky identifica que essa possui uma relação mútua com o desenvolvimento, trazendo a compreensão do desenvolvimento real, momento em que a criança aprende sozinha, e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), respostas em que a criança dará a partir do auxílio de outro indivíduo.

As teorias brevemente supracitadas trazem grande importância para compreensão da aprendizagem, entretanto não visam observar o processo ensino-aprendizagem partindo de um ambiente escolar. Com a proposta de aprimorar a aprendizagem David Ausubel desenvolveu a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) que lança um olhar para a forma (processo) que se dá o ensino e sua relação com a aprendizagem. A teoria leva em consideração os conhecimentos prévios do aprendiz e os tornam elementos ativos na compreensão de novos conceitos (PUHL; MULLER; LIMA, 2020).

Apesar dos pontos divergentes, Rodrigues (2016) corrobora que as perspectivas e teorias supracitadas promovem válida contribuição ao estudo sobre a aprendizagem, essas norteiam a caminhada para que se identifique de que maneira se processa a dinâmica ensino-aprendizagem. Mesmo com diferentes abordagens dos teóricos da perspectiva interacionista, as ideias convergem na compreensão de que a aprendizagem ocorre a partir da relação, seja com o que o indivíduo carrega em si mesmo, ou partindo da interferência de outra pessoa, ou na relação do saber natural como ponte para o novo saber.

Com a proposta de aprimorar a aprendizagem, Paulo Freire (1987) evoca que a realidade é fruto de uma cronologia histórica. O autor versa que a ação do indivíduo constrói o mundo e consequentemente o tempo histórico. Em suas produções não se encontra nenhum trabalho específico sobre a interdisciplinaridade, entretanto Andreola (2010, p. 229) afirma que:


A interdisciplinaridade como prática foi uma preocupação de Freire desde os tempos do Recife, até seus trabalhos como Secretário de Educação de São Paulo, pois o posicionamento interdisciplinar do currículo escolar e de todo o processo de conhecimento foi um dos elementos centrais durante a sua gestão.


Nesse sentido, identifica-se que as formas de se compreender a aprendizagem são diversas. Segundo Thiesen (2008, p. 547), a interdisciplinaridade não possui uma definição de conceito, “por tratar-se de proposta que inevitavelmente está sendo construída a partir das culturas disciplinares existentes e porque encontra o limite objetivo de sua abrangência conceitual significa concebê-la numa óptica também disciplinar”, ou seja, enquanto se identifica a aprendizagem por conceitos, nota-se a interdisciplinaridade a partir das suas características.

Diante disso, ao destacar as características da abordagem interdisciplinar na aprendizagem, Thiesen (2008, p. 552) acrescenta que esta atua, “[...] como proposta de revisão do pensamento positivista na educação, está, fortemente presente nas atuais correntes, tendências e concepções teóricas que tratam do fenômeno da aprendizagem”.

Observamos que as discussões de Thiese (2008) e o seu diálogo com outros autores corroboram com os pontos levantados, que abarcam tanto a questão da Teoria da Complexidade, quanto o enfoque dado ao processo de aprendizagem, considerando nesse estudo a integração da prática da interdisciplinaridade como forma de contribuição nesse processo de ensino-aprendizagem.


4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O mapeamento acerca do tema interdisciplinaridade e processos de aprendizagem buscou levantar os estudos que foram desenvolvidos sobre essa temática, tendo como fonte de coleta de dados o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Para estratégia de busca, adotamos os descritores “Interdisciplinaridade” e “Processo de aprendizagem” na pesquisa avançada desse portal. Nessa estratégia os dados foram refinados a partir do período estabelecido para a pesquisa, ou seja, entre 2010 e 2020, além da escolha por artigos em Língua Portuguesa, desse modo foram recuperados 312 documentos.

Para a análise dos documentos e dos dados, adotamos como técnica a análise de conteúdo, defendida por Bardin (2016) como uma técnica qualitativa adequada para o levantamento de categorias, pertinente a esse tipo de abordagem. A autora acrescenta que a análise de conteúdo é uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (BARDIN, 2016, p. 19).

A partir dos documentos recuperados, na ordem de 312 artigos produzidos entre 2010 e 2020 em Língua Portuguesa, definimos a seguinte categoria de análise: artigos que investiguem a interdisciplinaridade e suas práticas em processos de aprendizagem na área educacional, excluindo, portanto, os demais artigos que estivessem fora desse escopo.

Outro ponto importante para a categorização se trata do nível de ensino ao qual foi definido para o levantamento. Como objetivamos analisar o estado da arte, em periódicos publicados em Português e inserido no Portal de Periódicos Capes, optamos por acolher todos os artigos que investigassem a interdisciplinaridade, tendo em vista a Teoria do Pensamento Complexo já mencionada e defendida por Edgar Morin (2007), o qual considera o aspecto estrutural e complexo do indivíduo a fim de obter o conhecimento de forma não fragmentada, a partir daí se objetivou a análise da interdisciplinaridade no nível básico e superior da educação. Dessa forma, foi possível compilar o quantitativo de estudos realizados em cada um dos níveis mencionados.

No processo de categorização, Bardin (2016) preconiza que se adotem critérios de inclusão e exclusão para os documentos recuperados, a fim de que o rigor científico não seja comprometido. Por esse motivo, definimos que os artigos que não versavam sobre a interdisciplinaridade, executada como processos de aprendizagem na educação, não seriam incluídos nesse levantamento. A relevância dos estudos voltados para o processo de aprendizagem contribui de forma norteadora a fim de identificar a dinâmica ensino-aprendizagem, conforme afirma Rodrigues (2016).

A partir dos critérios estabelecidos de inclusão e exclusão dos documentos, obtivemos um quantitativo de 22 artigos recuperados, que investigam a interdisciplinaridade no período cronológico definido, (2010- 2020), seja no âmbito da educação básica ou da educação superior. Nesse contexto, buscou-se classificar os artigos através dos seus dados referenciais.

Primeiramente, categorizamos os artigos pelo ano de publicação acerca dessa temática. Em seguida, listamos quais as palavras-chave mais utilizadas, passando pela análise de autoria, com vistas a verificar o quantitativo de autorias individuais e coletivas, assim como levantar os periódicos que tem publicado desse tema. No Quadro 1 apresentamos as categorias de análise.


Quadro 1 - Categorias de análise dos artigos

Título

Resumo

Autoria

Periódicos

Palavras-chave

Ano de publicação

Nível de ensino

Abordagem metodológica

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).


A análise das abordagens metodológicas utilizadas nos artigos se deu através da leitura destes. Adotando uma leitura dinâmica, sistematizada, buscando intencionalmente obter essas informações no conteúdo do documento, para compreender inclusive os procedimentos e técnicas de investigação adotadas pelos autores. Ao considerar a abordagem metodológica apresentada nos artigos coletados, atrelada as temáticas, interdisciplinaridade e processo de aprendizagem, notou-se a interdisciplinaridade exposta de forma rasa na concepção de suas características e por vezes apresentada especificamente como um método de aprendizagem. Essa perspectiva difere de Fazenda (2011) que explana a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade muito além que a união de conceitos, disciplinas e ciências.

No Quadro 2 apresentamos o quantitativo dos artigos recuperados por ano, de modo que, essa informação nos possibilitasse verificar o quanto essa temática tem se desenvolvido ao longo dos anos.


Quadro 2 - Quantitativo de artigos publicados na temática entre 2010 e 2020

Ano de publicação

2010

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

Quantitativo

de artigo

02

04

02

04

03

01

03

01

02

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).


No levantamento realizado identificamos que nos anos de 2011 e 2020 não foram publicados artigos com a temática analisada, com disponibilização no Portal de Periódico da Capes. Ressaltamos que o levantamento foi realizado em abril de 2020, logo, esse cenário para o ano e 2020 está passível de alteração. Salientamos que algumas revistas científicas publicam em período trimestral, quadrimestral ou fluxo contínuo, logo, no primeiro quadrimestre do ano já identificamos novos números publicados, por esse motivo incluímos o ano de 2020 no levantamento.

Observamos que o quantitativo de artigos produzidos, e disponibilizados em periódicos que compõe o acervo do Portal de Periódicos da Capes, ocorreu de modo uniforme, com diferença razoável entre um ano e outro. Os anos de 2012 e 2014 apresentaram a maior incidência de produção dessa temática, apresentando quatro artigos produzidos e publicados em cada um deles.

Já os anos que apresentaram um menor número de publicação nessa temática, foram os anos de 2016 e 2018, apresentando apenas uma publicação por ano. De todo modo, os anos de 2010, 2013 e 2019 apresentaram dois artigos publicados em cada um deles, ou seja, ao analisarmos os nove anos que observamos publicações com essa temática entre 2010 e 2019, já que em 2020 não recuperamos nenhum artigo, assim como em 2013, percebemos que a média de publicação por ano equivale a aproximadamente dois artigos e meio por ano.


O quantitativo de artigos recuperados de acordo com o nível de ensino, básico ou superior foram equivalentes. Do total de documentos recuperados, 22 artigos relevantes com a temática, 11 artigos versam sobre a educação básica, e dez artigos sobre a educação superior. Um dos artigos trata de forma genérica da questão da interdisciplinaridade na educação.

Diante do quantitativo de artigos recuperados, em paralelo ao período cronológico de nove anos, no qual abrange o levantamento, nota-se uma baixa produção de trabalhos científicos que envolva a interdisciplinaridade e o ensino-aprendizagem, apesar da relevância dessa temática para a educação. Durante o desenvolvimento dessa pesquisa refletiu-se sobre quais seriam os motivos que bloqueiam ou retardam a produção de artigos com essa vertente, de modo que se sugere um aprofundamento do estudo nessa direção.

Foi identificado que alguns documentos versavam sobre ensino técnico, educação de jovens e adultos, educação infantil e ensino médio. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o ensino de nível básico compreende a educação infantil, ensino fundamental e médio. Por outro lado, a LDB acrescenta a educação superior como nível de ensino posterior ao básico. Por essa razão os documentos recuperados no ensino técnico, educação de jovens e adultos, educação infantil e ensino médio foram incluídos na educação básica.

Observamos nesse levantamento a predominância de publicações em coautoria, com mais de dois autores responsáveis pela produção. De acordo com Thiesen (2008) é possível notar a presença da interdisciplinaridade a partir de suas características, e esse fato demonstra a interação inclusive entre os próprios pesquisadores, ao se debruçarem em um estudo interdisciplinar de modo integrativo, com união de esforços, conhecimentos e técnicas, de modo a contribuir com o desenvolvimento dos estudos relativos a essa temática. Dos 22 artigos recuperados apenas quatro deles foram escritos por um único autor. De forma percentual podemos acrescentar que 82% dos artigos desse universo de coleta de dados foram escritos por dois autores ou mais.

Ao analisar a quantidade de trabalhos realizados em coautoria, paralelos ao quantitativo de artigos recuperados se apresentaram de forma satisfatória, visto que a troca de informação, o intercâmbio e o compartilhamento são características presentes na prática da interdisciplinaridade e do próprio desenvolvimento ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a pesquisa se revelou favorável no que concerne ao quantitativo de trabalhos em coautoria, ainda que apresente uma baixa produção diante do recorte temporal de nove anos.

Na análise que se refere às palavras chaves utilizadas pelos autores, para expressar a temática abordada na sua produção científica, evidenciamos que a palavra interdisciplinaridade é o termo com maior ocorrência, porém outros termos também foram mencionados, tais como: aprendizagem, ensino, método, formação docente, conhecimento e educação dentre outros. As palavras-chave localizadas nos artigos foram diversas, porém as que mais se repetiram foram as listadas.

Vale salientar que alguns artigos não apresentaram os termos descritores conforme esperado, ou seja, interdisciplinaridade e processo de aprendizagem. Esse fato no primeiro momento causou certo desconforto, mas adiante solucionado, ao se constatar através da leitura dinâmica do texto, que se tratava de um estudo realizado com vistas à interdisciplinaridade.

A próxima categoria de análise se refere às revistas que publicaram os artigos recuperados. Para esse levantamento, utilizamos a referência, legenda, bibliográfica, que consta no rodapé de cada publicação. Salientamos que houve uma diversificação significativa de periódicos que publicaram os 22 artigos recuperados. Foram identificadas 17 revistas diferentes nesse levantamento, tanto de Língua Portuguesa quanto de Língua Espanhola, ou seja, quase uma revista diferente para cada artigo do escopo do estudo.

As exceções foram as revistas HOLOS, com quatro artigos publicados; Gondola, Enseñaza y Aprendizaje de las Ciencias (Bogotá, Colombia) e Revista Iberoamericana de Educación, ambas com duas publicações sobre essa temática. A análise desses dados permite-nos inferir que duas revistas científicas de Língua Espanhola são mais suscetíveis a publicação de artigos, cuja temática seja a interdisciplinaridade. Salienta-se que essas revistas em Língua Espanhola aceitam artigos escritos em Espanhol, Português e Inglês para publicação. Por essa razão, estas fazem parte do levantamento dessa pesquisa.

Para finalizar as análises, verificamos que as abordagens utilizadas pelos autores dos artigos publicados no período estabelecido na pesquisa, perpassaram tanto pela pesquisa quantitativa, quali-quantitantiva e qualitativa, respectivamente na ordem de dois artigos com abordagem quantitativa, cinco trabalhos com abordagem quali-quantitativa e a predominância ficou observada na abordagem qualitativa, que conta com 15 artigos publicados, tais abordagens colaboram com a interpretação de Thiesen (2008), o qual acrescenta que a interdisciplinaridade atua numa reavaliação do pensamento positivista na educação, presente de forma contemporânea no fenômeno da aprendizagem.


5 CONCLUSÃO


O mapeamento das publicações acerca da interdisciplinaridade e processo de aprendizagem, considerando a metodologia adotada e o canal de comunicação utilizado, Portal de Periódico da Capes, permitiu identificar os artigos publicados no período de 2010-2020. Observamos uma predominância de pesquisas distribuídas uniformemente entre os anos, com uma média de dois artigos e meio por ano.

Outro dado mensurado se refere aos periódicos científicos que publicaram esses artigos, com predominância no Brasil da Revista HOLOS, com quatro artigos publicados no período, em seguida se percebe que dois periódicos de língua Espanhola apresentaram dois artigos publicados em cada periódico. Nesse sentido, verificasse que as revistas brasileiras indexadas no Portal da Capes têm publicado um menor número de artigos sobre esse tema.

As palavras-chave utilizadas pelos autores dos artigos foram verificadas, e, conforme esperávamos, o termo interdisciplinaridade foi o descritor encontrado em quase todos os artigos, com raras exceções. O segundo e terceiro termos mais utilizado foram respectivamente, ensino e aprendizagem.

A pesquisa revela que os estudos voltados para o ensino básico e ensino superior estão distribuídos uniformemente em termos quantitativos. Foram identificamos 11 trabalhos sobre o ensino básico e dez sobre o ensino superior, contudo, há lacunas que merecem estudos aprofundados, no que tange as experiências em instituições de ensino em ambos os níveis que problematizem de forma mais contundente a questão da interdisciplinaridade.

A expectativa era, de fato, encontrar um número maior de artigos com a abordagem temática da pesquisa, uma vez que tem sido um tema “verbalizado”, com frequência, no âmbito educacional, seja no ensino básico, seja no ensino superior.



O estudo atendeu aos objetivos propostos, e foi possível traçar um panorama das publicações científicas realizadas em artigos e comunicadas através do Portal de Periódicos da Capes, sobre o tema interdisciplinaridade e os processos de aprendizagem na prática. Todavia, recomendamos que outros estudos sejam realizados através de variados canais de comunicação científica, visto que ao longo da pesquisa se identificou artigos complementares de leitura, que poderiam perfeitamente compor o escopo dessa pesquisa, mas, devido estarem fora do Portal da Capes, não foram objeto de estudo nesse levantamento.


REFERÊNCIAS


ANDREOLA, B. Interdisciplinaridade. In: STECK, D; REDIN, E; ZITKOSKI, J. (org.). Dicionário Paulo Freire. São Paulo: Autêntica, 2010. p. 229-230.


ARAÚJO, Claudio Romero Pereira de. Um Diálogo entre Piaget, Vygotski e Wallon sobre as categorias de Desenvolvimento e Aprendizagem. Revista Multidisciplinar e de Psicologia, v. 14, n. 49, p. 489-503, 2020.


BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.


BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1996.


FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1979.


FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2011.


FONSECA, João José Saraiva. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.


FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 22. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.


MEADOWS, A. J. A comunicação científica. Brasília, DF: Briquet de Lemos, 1999.


MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec: ABRASCO, 1992.


MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 4. ed. São

Paulo; Cortez, 2007.


MORISINI, Marília Costa. Estado de conhecimento e questões do campo científico. Educação, Santa Maria, v. 40, n. 1, p. 101-116, 2015.


PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.


PUHL, Cassiano Scott; MULLER, Thaísa Jacintho; LIMA, Isolda Gianni de. As contribuições de David Ausubel para os processos de ensino e de aprendizagem. Revista Dynamis, Blumenau, v. 26, n. 1, p. 61-77, 2020.


RODRIGUES, Marcia Maria. As teorias da aprendizagem e suas implicações na educação a distância. Revista Educar FCE – Educação em sua Essência, v. 2, n. 1, p. 103-116, ago. 2016.


SANTOS, Valdeci da Silva. O Que é e como fazer “revisão da literatura” na pesquisa teológica. Fides Reformata, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 89-104, 2012.


THIESE, Juares da Silva. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, p. 545-598, 2008.