Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Especializando em Saúde Mental pela Universidade Aberta do Brasil – Universidade Regional do Cariri, Brasil.
Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Especializando em Saúde Mental pela Universidade Aberta do Brasil – Universidade Regional do Cariri, Brasil.
Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Ceará. Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, Brasil.
Esta revisão integrativa de literatura visa mapear artigos brasileiros a partir do
referencial da sensibilidade materna, por meio de busca nas bases de dados do Portal
CAPES, de modo mais específico, na BVS Brasil e SciELO, realizada em 2019, e atualizada no
primeiro semestre de 2020, utilizando os descritores “sensibilidade materna”, “maternal
sensitivity
This integrative literature review aims to map Brazilian articles from the maternal sensitivity perspective, based on a search in the CAPES Portal databases, more specifically in BVS Brasil and SciELO, carried out in 2019, and updated in the first half of 2020, using the descriptors “maternal sensitivity”, “maternal sensitivity and brazil" and "maternal sensitivity and vulnerability". The inclusion criteria were empirical articles carried out in Brazil, published in the last 10 years (2010-2020) in Portuguese, with unrestricted access in full text. 685 references were found and only 14 studies were analyzed in full because they met the criteria established in this research. It is noticed that some factors have a negative impact on maternal sensitivity, such as living in a situation of socioeconomic vulnerability; the mother's mental health and the fragility of her support network. There is a shortage of Brazilian productions on this theme and of interventional research with the mother-baby dyad, demonstrating the relevance of this article.
A Teoria do Apego desenvolvida por John Bowlby (Bowlby, 1982/2006; 1989) exprime que é no cotidiano do cuidado, o qual se estabelece através da relação mãe-bebê, que a vinculação da criança à sua mãe acontece, formando o comportamento de apego. Além de prover condições mínimas de sobrevivência, essa relação diádica funciona como base segura ao infanto, ao estimulá-lo a explorar o mundo à sua volta, a estabelecer vínculos e a ensiná-lo que, diante necessidades, ele receberá cuidados, afetos e proteção materna (Abreu, 2005; Bowlby, 1984/2002; Dalbem e Dell’aglio, 2005; Silva, 2003; Silva, Pendu, Pontes & Dubois, 2002).
É nessa relação segura que o filho aprende a sinalizar suas demandas orgânicas e afetivas, por meio do olhar, do choro ou do sorrir (Bowlby, 1982/2006). As crianças passam, então, a reconhecer a mãe como figura de apego, indo em sua direção ao se sentirem ameaçadas, pois aprenderam, na interação, que suas demandas serão rapidamente satisfeitas (Abreu, 2005; Dalbem e Dell’aglio, 2005). Acredita-se que todas as crianças desenvolvem relação de apego com a sua figura de cuidado e a vêem como potencial fonte de conforto em situações estressantes. Entretanto, o grau de confiança que essas desenvolvem com seu cuidador variará em função da disponibilidade emocional dele e da sua capacidade para protegê-las, confortá-las e acalmá-las em situações angustiantes (Bowlby, 1984/2002; 1989; Cyr et al., 2012; Silva, 2003).
Ainsworth (1969) afirma que a qualidade da interação mãe-bebê se associa a quatro características materna, a saber: a) habilidade da mãe em balizar os ambivalentes sentimentos de aceitação e rejeição ao filho nos processos interativos; b) engajamento materno nas atividades desenvolvidas pelo menor, cooperando ou interferindo na sua autonomia; c) presença física e psicológica da mãe, demonstrando-se emocionalmente disponível e engajada na interação; e d) sensibilidade materna ao atentar-se aos sinais comunicativos do filho, interpretando e respondendo adequadamente suas demandas.
À vista disso, a sensibilidade materna caracteriza-se como processo dinâmico ao qual a mãe é continente as necessidades do filho, demonstrando afeição positiva por ele, estando, essas habilidades, relacionadas à história pessoal de vinculação materna com seus cuidadores (Ainsworth, 1969; Alvarenga, Cerezo, Wiese & Piccinini, 2019; Carbonell, 2013; Silva et al., 2002). A partir de outros estudos (Alvarenga, Dazzani, Alfaya, Lordelo & Piccinini, 2012; Cyr et al., 2012; Ribeiro, Perosa & Padovani, 2014; Santelices et al., 2015), percebe-se que, além do estilo de vinculação materna, outras variáveis podem influenciar o comportamento e a sensibilidade da mãe, como planejamento ou aceitação do bebê no período gestacional; gênero e idade da criança; classe social da mãe; nível de escolaridade materno; disponibilidade de rede de apoio, incluindo a maternidade compartilhada com demais membros da família, bem como acesso a serviços sociais e de saúde disponíveis na comunidade.
Isso está de acordo com a perspectiva ecológico-transacional, a qual afirma que os diferentes níveis sistêmicos – proximais, como a família; e distais, como o contexto sociocultural - influem sobre os processos vinculatórios mãe-bebê e, consequentemente, no Desenvolvimento Infantil (DI), sendo a extrema pobreza o principal fator de risco para esse processo nos países em desenvolvimento, devido incidir em condições nutricionais inadequadas, precarização do acesso aos serviços de saneamento e higiene, que afetam aspectos corpóreos, sociais e cognitivos da criança (Black et al., 2017; Cyr et al., 2012; Engle et al., 2007; Grantham-McGrego et al., 2007; Walker et al., 2007). Nesta perspectiva, acredita-se que o cuidado e a sensibilidade materna podem mitigar os prejuízos desenvolvimentais causados às crianças nos níveis distais - como a vivência em contextos de vulnerabilidade socioeconômica - pois os fatores proximais relacionados à vinculação materna, favorecem o desenvolvimento de competências cognitivas e sócio-emocionais no infanto (Cyr et al., 2012; Engle et al., 2007).
Não obstante, em situações nas quais a capacidade materna de corresponder às demandas do filho excede seus recursos internos e diante do apoio familiar deficiente, a mãe pode apresentar dificuldades de ser sensível às necessidades do menor, expondo a criança a situações de vulnerabilidade emocional, o que pode impactar no seu desenvolvimento (Bowlby, 1981/2020; 1984/2002; Grantham-McGrego et al., 2007; Ribeiro et al., 2014; Walker et al., 2007). Com efeito, num país continental como o Brasil, marcado por contrastes sócio-culturais que ressoam diretamente nas questões de gênero, sobretudo, na condição de ser mulher e nos papéis sociais destinados a esta, convém questionar o modo que ocorre o exercício da maternagem sob essas condições.
Destarte, urge refletir sobre a influência desse contexto permeado de estressores psicossociais na sensibilidade materna, dada as condições já aludidas nesteartigo, além de tensionar discussões acerca dessas configurações sociais atravessadas pelo modelo patriarcal. Por conseguinte, o presente estudo consiste numa revisão de literatura e enseja mapear e analisar criticamente os estudos realizados no Brasil a partir do referencial da sensibilidade materna, levando em conta o contexto de vulnerabilidade socioeconômica tão presente no País. Assim, parte-se da seguinte questão: como a sensibilidade materna tem sido tematizada no Brasil?
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, método que possibilita mapear e sintetizar as evidências de determinados assuntos, permitindo encontrar lacunas de questões específicas e auxiliar na orientação de estudos futuros (Souza, Silva & Carvalho, 2010). Esse tipo de revisão parte da formulação de uma pergunta, explicita o método de busca e seleção dos artigos, bem como os descritores e os critérios usados para a coleta e análise dos estudos (Souza et al., 2010; Rother, 2007).
A busca foi realizada de abril a maio de 2019, utilizando como escopo pesquisas publicadas
num intervalo dos últimos 5 anos (2014-2018). Em razão do ínfimo número de resultados,
efetuou-se nova busca em maio de 2020, ampliando para os últimos 10 anos (2010-2020). Em
ambas, foram acessados artigos publicados apenas em periódicos científicos, na plataforma do
Portal CAPES e nas bases de dados BVS Brasil e SciELO. As palavras-chave utilizadas nessa
pesquisa foram: “sensibilidade materna”, “maternal sensitivity
Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos empíricos realizados no Brasil,
publicados em português, disponíveis em texto completo e com acesso irrestrito. Excluiu-se
artigos repetidos, pesquisas que não condizem com o tema ou que foram realizadas fora do
Brasil, bem como estudos que abordam as relações de cuidado materno atrelados a processos de
adoecimentos orgânicos do filho, sem apontar aspectos socioemocionais da interação, e
artigos com texto publicado em outro idioma que não o português. O gerenciamento dos estudos
encontrados se deu com o uso do software
A esquematização com os resultados das pesquisas realizadas nas bases de dados do Portal CAPES, do BVS Brasil e da SciELO, pode ser visualizada na Tabela 1, sendo apresentados os resultados obtidos em cada uma das etapas de busca.
A partir do descritor “Sensibilidade materna”, foram encontrados 283 trabalhos. Os artigos encontrados abordavam as percepções médicas sobre o cuidado materno a crianças, com ênfase em processos de adoecimento orgânico; as comorbidades biológicas transmitidas da mãe ao bebê durante o período gestacional, ocasionando anomalias congênitas; os aspectos clínicos de doenças que acometem puérperas e comprometem o parto; síndromes orgânicas que afetam o desenvolvimento sensório-motor do bebê, discussões sobre cuidados de saúde com o pré-natal e aspectos socioemocionais da rotina interacional mãe-criança.
A busca com as palavras-chaves “Maternal sensitivity
Com as palavras “Sensibilidade materna
Dos 17 artigos elegíveis à análise, somente 14 atenderam aos critérios de inclusão e ao tema proposto nesta pesquisa, como pode ser visualizado na tabela 2. A maioria dos artigos analisados não discutem diretamente a sensibilidade materna, mas abordam, em seus resultados, condições associadas à temática.
No que concerne à qualidade dos 14 artigos, os trabalhos analisados foram publicados em periódicos com avaliação nos estratos A1 e B1, na área de Psicologia, classificação de periódicos da Capes (2013-2016). Dentre os estudos, evidencia-se variação no tamanho das amostras (com n= 4 até n= 3.215) e na composição amostral, com sete artigos incluindo apenas díades mãe-criança na amostra e sete trabalhos tendo, apenas, as mães como participantes. Quanto ao delineamento, oito estudos são pesquisas qualitativas, três quantitativas e três artigos são de natureza mista, fazendo avaliações quantitativas e qualitativas. Na tentativa de melhor explicitar os resultados, dividiu-se os achados nas seguintes categorias: C1 - Cuidados maternos ao adoecimento dos filhos (n= 4), C2 - Aspectos socioemocionais da interação diádica e sensibilidade materna (n=6) e C3 - Saúde mental materna e cuidados com a criança (n=4).
É no contexto de atividades diárias que a interação diádica acontece mais intensamente,
cabendo usá-las em estudos que visem avaliar a sensibilidade materna. À vista disso, a
pesquisa de Saldan et al
Já o estudo Cruzet al. (2017) acerca do cuidado materno a filhos diabéticos, constatou que, nessa relação, as mães podem experimentar sentimentos controversos, como amor e carinho, mas também tristeza e angústia. O que corrobora com os achados de Scott et al. (2018) sobre a experiência do cuidado de mães a filhos adoecidos por Zika, demonstrando relatos de que desempenhar a função materna, em determinadas circunstâncias desse processo, causa tanto sofrimento quanto prazer às mães, sobretudo, diante das falhas do sistema de saúde que lhes evocam sensação de desamparo.
O trabalho de Nunes e Aquino (2014), mostrou que a capacidade da mãe em compreender e corresponder aos sinais comunicativos do bebê permite a ela adequar seus comportamentos à idade e ao estágio desenvolvimental do infante. Similarmente, o estudo longitudinal de Pessôa e Moura (2011), revelou o papel mediador da sensibilidade materna na aquisição da linguagem infantil, haja vista as mães ajustarem suas emissões linguísticas à maturidade cognitiva do filho, inicialmente, a fim de engajá-lo ao atrair a atenção dele para os sinais comunicativos dela e para o contexto em que ambos estão inseridos. Na medida em que as habilidades comunicativas da criança foram sendo refinadas, as mães reduziram as emissões maternas, de modo a favorecer os espaços comunicativos/expressivos dos filhos.
Com efeito, a pesquisa de Alvarenga et al. (2014) evidenciou que mães responsivas às vocalizações dos filhos, aos 8 meses, tendem a adotar práticas de socialização facilitadoras aos 18 meses, utilizando principalmente recursos verbais não coercitivos. Nesse estudo, a escolaridade materna e a responsividade à criança estavam correlacionadas. De outro modo, o trabalho de Frota et al. (2011) mostrou elementos indicativos da sensibilidade materna em atividades como banho e alimentação. A partir desse artigo, nota-se que a percepção e a responsividade da mãe e do bebê aos estímulos, um do outro, suscitam o desenvolvimento motor e a linguagem infantil, ressoando em maior vinculação diádica.
Por sua vez, a pesquisa de Cassiano e Linhares (2015) sobre possíveis relações entre as características das crianças - idade gestacional ao nascer, temperamento e comportamento infantil – e das mães - responsividade, intrusividade, sincronia e disponibilidade – não encontrou diferenças estatísticas no temperamento infantil e nem na qualidade da relação diádica comparada à idade gestacional ao nascer. Similarmente, Esteves et al. (2011) identificaram que a preocupação materna primária também se apresenta em mães com risco de parto prematuro, de modo que, em ambas as pesquisas, a prematuridade gestacional não promoveu alterações significativas nos constructos ao qual os autores se propuseram a investigar, quando comparada à gestação a termo. No entanto, Esteves et al. (2011) alertam que o contexto de parto prematuro traz dificuldades ao desenvolvimento da preocupação materna primária, pelos ambivalentes sentimentos que podem ser aflorados na figura materna.
Cuidar já é uma tarefa que exige entrega e disponibilidade, estando totalmente atravessado por experiências emocionais, o que se torna especialmente desafiador quando há a necessidade de ofertar esse cuidado a um filho. Nesse sentido, a pesquisa de Fonseca et al. (2010) evidenciou que a disponibilidade emocional materna é condição básica para a responsividade da mãe à criança, a qual esteve relacionada à menor intrusividade materna perante os comportamentos exploratórios do filho. Em relação a isso, o estudo de Rodrigues e Nogueira (2016) mostrou que mães em sofrimento psíquico, como depressão, ansiedade e estresse, tendem a adotar práticas parentais negativas, indicando que, sob tais circunstâncias, até o choro do bebê pode se tornar um estressor, ao evocar, nas mães, respostas ansiosas quando elas se percebem impotentes para corresponder às demandas do filho.
O trabalho de Hassan et al. (2016) encontrou associação significativa entre a saúde mental materna e o estado nutricional infantil, haja vista a depressão e os transtornos mentais mais graves estarem relacionados a menores escores médios de peso para comprimento. Ademais, das três variáveis de saúde mental, a depressão materna foi a que mais se associou a menores escores médios de peso para idade. Em consonância a isso, a pesquisa de Cavalcante et al. (2017) também observou correlação entre prejuízos na interação diádica e sintomas de depressão e estresse materno, haja vista esses fatores afetarem o estado emocional da mãe. Esse estudo evidenciou, ainda, associação entre menor escolaridade materna e prejuízos na relação mãe-bebê.
Esta revisão buscou evidenciar estudos sobre a sensibilidade materna no Brasil, tendo em vista muitos autores apontarem a importância dos cuidados parentais para a promoção de contextos favoráveis à aprendizagem, à estimulação cognitiva e ao DI (Alvarenga et al., 2019; Bowlby, 1982/2006; Carbonell, 2013; Figueiredo, Mateus, Osório & Martins, 2014; Nunes & Aquino, 2014; Pessôa & Moura, 2011; Santelices et al., 2015). Todavia, encontrou-se um número ínfimo de pesquisas realizadas em contexto brasileiro que avaliassem as condições psicossociais maternas para disponibilização ao cuidado. Por isso, recomenda-se a condução de estudos que avaliem questões como padrão de apego da mãe; estado civil; rede de apoio familiar e social.
Em parte dos trabalhos analisados neste artigo, percebe-se falta de clareza sobre os conceitos de responsividade e sensibilidade materna, ao tratá-los, equivocadamente, como semelhantes. Embora a Teoria do Apego reconheça haver alguns elementos da responsividade na sensibilidade materna, uma vez que a mãe sensível é também responsiva ao comportamento expressivo do filho, salienta-se que a sensibilidade materna não se restringe aos comportamentos contingenciais e não intrusivos da mãe sobre as ações da criança, como na resposividade materna. Mas concerne, sobretudo, a interpretação e intervenção adequada da mãe sobre os estados emocionais do filho, reassegurando o seu apoio na lida com a ameaça física ou psíquica enfretada por sua cria, processo esse que se dará mediante ao padrão de apego da mãe ou nível de sensibilidade (Ainsworth, 1969; Alvarenga & Cerezo 2013; Carbonell, 2013).
A partir de estudos analisados (Cruz et al., 2017; Scott et al., 2018), nota-se que cuidar de uma criança com doença crônica é uma tarefa ainda mais complexa, pois além de ofertar carinho e afeto, a condição biológica do filho demanda cuidados específicos, os quais precisam ser fornecidos por outrem. Sabe-se que em contextos de adoecimentos, a mãe é a principal figura de cuidado, exigindo-se dela habilidades para mediar as relações familiares, de modo a incluir o infante para que ele se sinta pertencente e amado pelos demais membros do clã, a fim de ajudá-lo a reconhecer o sistema familiar como lugar de refúgio (Silva, 2003), o que pode sobrecarregá-la.
Neste sentido, evidenciamos a escassez de pesquisas que analisem aspectos socioemocionais da relação de cuidado em díades compostas por mães e crianças com doenças crônicas, percebendo-se que, em grande parte dos 14 trabalhos coletados, bebês com malformação congênita, síndromes ou doenças crônicas foram apontados como critério de exclusão das amostras. Assim como Silva et al. (2002), estamos certos de que a sensibilidade materna é um processo dinâmico, o qual sofre influências dos condicionantes que permeiam os atores envolvidos nessa relação. Por conseguinte, consideramos pertinente estudos que analisem os aspectos psicológicos mediadores desse cuidado, uma vez que essa relação é permeada por fatores que mobilizam afetos e sentimentos que precisam ser compreendidos e validados socialmente.
Os estudos de Cavalcante et al. (2017), Hassan et al. (2016) e Rodrigues e Nogueira (2016) corroboram com os achados de Engle et al. (2007) e Ribeiro et al. (2014), ao apontar que a saúde mental materna pode afetar a sensibilidade da mãe às necessidades do filho, visto que o sofrimento emocional materno parece incidir na redução perceptiva da mãe aos sinais expressivos da criança, podendo resultar em negligência aos cuidados físicos e emocionais e, em casos extremos, não nutrir adequadamente o bebê.
Ademais, observa-se a incipiência de pesquisas brasileiras sobre sensibilidade materna que busquem compreender a influência dos contextos sociais na sensibilidade da mãe ao filho, prova disso são as parcas evidências encontradas com discussões substanciais sobre a temática, de modo que a maioria menciona o fator social apenas como meio de caracterizar a amostra do estudo ao invés de investigar associações entre o tema central desta revisão e a vulnerabilidade social.
Neste sentido, pensamos serrelevante a investigação das ingerências das problemáticas sociais sobre a experiência de maternagem, especialmente em se tratando da sensibilidade materna, levando em consideração as condições de paupérie acentuada às quais muitas das mães do País estão submetidas. Atentando, inclusive, para a maior média de filhos em mães que vivem em situação de pobreza, em que a falta de informações e o menor acesso a medidas contraceptivas influi em maior taxa de natalidade e de gravidez na adolescência (Fundo de Populações das Nações Unidas, 2018), realidade que pode interferir na habilidade da mãe em ser sensível às necessidades de seu filho. Por sua vez, esse contexto denota a extrema relevância de haver ações estruturadas no sentido de fortalecer ou construir a rede de apoio dessas mulheres, algo que pode ocorrer a partir da reunião de informações obtidas com a realização de pesquisas que possam investigar esta realidade.
Assim como Cavalcante et al. (2017) e Alvarenga et al. (2019), compreendemos que a associação entre escolaridade materna e prejuízo na interação diádica se justifica, pois a educação possibilita aos pais não só ascender socialmente e adquirir recursos materiais provenientes da renda familiar, mas lhes faculta, sobretudo, maior acesso a informações sobre o cuidado às crianças e aos aspectos do DI. O que pode refletir em cuidados parentais mais consistentes e sensíveis às necessidades do filho.
A partir dos estudos analisados nesta revisão, percebe-se que as amostras representam, na grande maioria, população composta por mães casadas. Sugere-se, então, pesquisas futuras que tenham como amostras mãe solo ou primíparas, com o intuito de analisar os efeitos do apoio conjugal e/ou da inexperiência de cuidado sobre a sensibilidade materna, haja vista os múltiplos papéis desempenhados pelas mães poderem se tornar estressores na rotina de cuidados. Evidencia-se, ainda, que a maior parte das pesquisas encontradas tratam-se de estudos transversais, sem haver acompanhamento das variáveis ao longo do tempo. Diante disso, é relevante estudos posteriores de desenho longitudinal, a fim de compreender como essas variáveis atuam sobre a vinculação mãe-criança e se modificam, tendo em vista a sensibilidade materna ser um processo dinâmico e não uma característica estática e imutável.
Observa-se uma lacuna ainda maior de pesquisas interventivas sobre a vinculação diádica no Brasil. A despeito disso, Cyr et al. (2012) aponta algumas estratégias com essa finalidade, classificando os protocolos em curto prazo, a exemplo da Intervenção baseada em Apego de Curto Prazo (ABC) e o Attachment Videofeedback Intervention (AVI), os quais duram de 6 a 10 semanas e visam à transformação dos comportamentos parentais. Já os de longo prazo tem a psicoterapia infantil pais-criança como principal estratégia, objetivando modificar os modelos representacionais dos pais, com duração de 20 semanas a 2 anos (Alvarenga et al., 2019; Cyr et al., 2012). Frente às diferenças sociais que imperam no contexto brasileiro e que incidem sobre as dinâmicas vinculares, é válido estudos interventivos com esse propósito em cenário nacional.
Destarte, estamos convictos que os condicionantes sociais e de saúde que permeiam as mães têm potencial adoecedor, já que a maternidade e fatores relacionados a ela podem ser desencadeadores de estresse. À vista disso, alguns autores (Bowlby, 1981/2020; Silva et al., 2002; Ribeiro et al., 2014) destacam que a rede de suporte pode afetar a qualidade do cuidado pela figura materna, ao agir como base segura - fornecendo às mães amparo e auxílio diante de necessidades - ou ao negligenciar apoio às mães nos desafios ao trato com o menor – podendo sobrecarregá-la ao ter que gerir o lar, cuidar da família e prover os recursos financeiros.
Dito isto, acreditamos que os serviços sociais e de saúde podem funcionar como rede de apoio às mães nos cuidados com o filho, fazendo com que elas se sintam amparadas, ao acolher suas dúvidas e legitimar suas angústias, inquietações e receios na árdua função de maternagem, como também indicam outros autores (Black et al., 2017; Bowlby, 1981/2020; Engle et al., 2007; Figueiredo et al., 2014; Walker et al., 2007).
A partir desta revisão, fica nítido que a maternidade impõe à mulher mudanças pessoais significativas, que vão desde a gestação a transformações na sua rotina após o nascimento. Sob essas circunstâncias, as mães precisam dispor de recursos de enfrentamento adequados para lidar com os múltiplos desafios que possam advir dessas transformações. Observa-se, com isso, o atravessamento da maternagem pelas questões biopsicossociais que permeiam a figura materna, cabendo considerá-las quando se deseja promover ações com enfoque no melhor desenvolvimento infantil.
No que se refere a esta revisão, acreditamos que a restrição do idioma ao português e a delimitação a artigos como tipo de material podem configurar uma limitação deste trabalho. Tendo em vista ser possível existir outros estudos realizados no Brasil - mas publicados em outros idiomas, bem como presentes em teses, dissertações ou livros - que não tenham sido incluídos nessa revisão.
Os pressupostos que fundamentam a Teoria do Apego e as evidências encontradas na presente revisão, confirmam a construção do vínculo por meio da relação, o qual pode ser transmitido de modo intergeracional na interação mãe-bebê, sendo atualizado ou modificado nas relações subsequentes com outras figuras de apego. Nesse sentido, acreditamos que a sensibilidade materna relaciona-se a experiências de cuidados vivenciadas pelas mães com seus respectivos cuidadores, podendo ser modificada ou perpetuada na relação com a própria prole. Destarte, percebe-se a importância do suporte às mães, o qual permita ajudá-las a romper com padrões inflexíveis de vinculação e a lidar com suas próprias questões ao se dispor a cuidar. Afinal, ocupar a posição materna, no contexto brasileiro, é desempenhar um papel complexo, pois a sociedade tende a colocar a mãe como a principal responsável pelo cuidar, tecendo julgamentos perante eventuais desvios do que é esperado dela no exercício da maternagem.