Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 1, mar./jun., 2022
DOI: 10.36517/rcs.2022.1.a01
ISSN: 2318-4620

 

 

O controle de recursos públicos como dimensão da “guerra cultural”:
o caso do Edital PRODAV

 

Henrique Rodrigues Moreira OrcID
Universidade Federal Fluminense, Brasil
henriquerm@id.uff.br

 

Introdução

Dia primeiro de janeiro de 2019. O senhor de 63 anos e de poucas habilidades com as palavras sobe ao púlpito do Congresso Nacional para se dirigir à Nação e às demais autoridades republicanas presentes na cerimônia de posse. Em seu discurso de aproximados dez minutos, fala em “unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores”; diz, em sequência, que “o Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas” (BOLSONARO, 2019). Neste trecho, Jair Messias Bolsonaro, o recém-eleito trigésimo oitavo Presidente da República, oitavo desde a redemocratização, resumia o seu “programa” da corrida eleitoral, um pouco da sua atuação política em décadas de vida pública, e os desafios que imporia às instituições republicanas a partir daquele primeiro dia de mandato.

A eleição de Bolsonaro é mais um episódio demonstrativo de que o Brasil tem passado por transformações aceleradas e profundas nos últimos anos. Fruto de embates políticos dramáticos e processos sociais complexos, o Brasil recente oferece tantas alternativas de análises possíveis quantos problemas a investigar, compreender e intervir. Por vezes, não só nossas formas de aproximação e mensuração divergem, mas, também, nossas conclusões e assertivas. É com base numa dessas divergências que busco estabelecer algumas discussões a seguir.

As últimas eleições presidenciais, ocorridas em 2018, trouxeram fortes embates de opiniões sobre problemas nacionais de longa data, tais como a pobreza, a injustiça social e econômica, o desemprego, o trabalho informal e indigno que afeta parcelas significativas da população; a derrocada da economia, o desvio indevido e criminoso de recursos públicos por políticos e agentes públicos em conluio com instituições privadas corruptas, as deficiências do serviço público e o papel do Estado ante todos esses problemas.

Por outro lado, a agenda pública também foi tomada por assuntos que se antes pareciam periféricos, agora se apresentam no centro das discussões políticas. Deste modo, principalmente após os desdobramentos dos levantes sociais em 2013, pautas como a legalização do aborto, da maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e políticas públicas destinadas à população LGBTQI+, o uso do nome social por pessoas transgênero, os conflitos étnico-raciais, conflitos religiosos e outras pautas entendidas como sendo da ordem dos “costumes”, da “moral” e do “comportamento” passaram a ter demasiada relevância na disputa política, nas corridas eleitorais e nas relações sociais estabelecidas tanto no âmbito privado quanto no âmbito público, bem como a traçar espaços de conflito nas políticas de Estado. Não é que essas discussões sejam completamente novas; é que nesta conjuntura elas foram assuntos incontornáveis.

Foi assim que em 2018 termos como “ideologia de gênero”, “mamadeira de piroca”, “kit gay”, “conservadorismo”, “esquerdismo”, “marxismo cultural” e tantos outros fizeram a farra no vocabulário nacional, disputando espaço com assuntos considerados usuais, tais como: orçamento público, economia, emprego, saúde, segurança pública, educação etc.

Nítido que a corrida eleitoral de 2018 e de todos os processos e desdobramentos políticos dos últimos anos que montaram o cenário, personagens, ritos e códigos dos anos recentes foram fortemente ditados por estas “pautas dos costumes”. A surpresa é que após o pleito de 2018 alguns/algumas comentaristas ainda encarem estas pautas e declarações públicas em sua órbita com certa descrença e com um papel secundário. De variáveis possíveis que ajudaram a definir o resultado eleitoral estas pautas ganharam — da parte de alguns/algumas analistas — o status de mera estratégia de distração das pautas tradicionais. É do incômodo com este rótulo e com uma possível miopia sociológica que o trabalho a seguir toma corpo e forma.

O presidente que em seu discurso de posse disse que iria livrar o país das “amarras ideológicas”, da “submissão ideológica” e que comporia um governo “técnico” (BRASIL, 2019) demonstrou incansável disposição em recorrer a atos administrativos, ele próprio e o time de Ministros e Ministra nomeados/as por ele, para impor suas próprias ideologias na agenda governamental e utilizar de instrumentos e instituições do governo para constranger ou perseguir aqueles/as cujas “ideologias” são divergentes.

Ante os impasses do programa de governo e com a pauta dos “valores” explícita e escancarada, surgiu-se a interpretação de que o governo seria resumido em uma “guerra cultural” e ao uso frequente de “cortinas de fumaça” que, ora mascaravam a incompetência do chefe do executivo em propor ações governamentais, ora roubava a atenção da opinião pública desviando o foco de ações governamentais que poderiam ensejar grandes resistências.

O caso do BRDE/FSA PRODAV de 2018 é bastante ilustrativo da discussão. No centro do debate há acaloradas disputas ideológicas e morais, mas, também, uma disputa pela distribuição dos recursos públicos. Uma face cultural, moral, simbólica, ideológica; uma face econômica.

Recuperando o caso do edital, pretende-se demonstrar que a atuação da gestão Bolsonaro e do bolsonarismo como um todo é composta por essa bivalência, cuja disputa em torno de temas controversos, “morais”, ou o que se tem chamado de “guerra cultural”, também tem uma agenda econômica muito própria, sendo um desperdício teórico seccionar a discussão em dois polos distintos que não tenham nunca um a ver com o outro.

Em primeiro lugar, iremos localizar um pouco a discussão que tem sido feita e demarcar algumas das conclusões teóricas; em segundo lugar, para demonstrar que os ataques do governo Bolsonaro aos grupos LGBTQI+ não podem ser lidos como mera estratégia de comunicação, “cortina de fumaça” ou “distração”, apontaremos o longo processo histórico de oposição do próprio Bolsonaro com tais grupos, demonstrando que as medidas tomadas pelo governo que os afetem são a consumação, possibilitada pelo acesso ao poder, de um processo de construção relacional de longa data.

Num terceiro momento, iremos apontar os fatos em torno do caso do edital; num quarto momento, iremos traçar algumas discussões sobre o caso a partir da Sociologia econômica relacional, apontando que não só a economia não pode ser lida isenta de discussões sobre elementos não-econômicos que afetem a vida econômica, como também é possível dizer que a “guerra cultural” tem sua própria agenda econômica — sendo um tema, dentre outros, a disputa por recursos públicos.

Por fim, observa-se que o trabalho foi organizado de modo que as reportagens e artigos de opinião retirados de jornais online estão referenciados em notas de rodapé; as referências teóricas e acadêmicas na seção de referências bibliográficas; os documentos oficiais, em notas de rodapé. Acreditamos que isso além de facilitar a leitura, também facilitará as consultas.

Debates e tentativas de definição

Inúmeros são os desafios que a eleição e a atuação de Bolsonaro impuseram ao debate público. Para lidar com o plano do enfrentamento de narrativas e da especificidade do bolsonarismo, as declarações controversas, as ofensas abertas contra adversários/as políticos/as e assertivas em torno da pauta dos costumes e dos comportamentos passaram a ser vistas sob o conceito de “guerra cultural”.

Não caberá aqui realizar uma revisão sistemática do conceito e nem de sua trajetória no meio acadêmico-científico — sendo um marco a publicação do sociólogo norte-americano James D. Hunter (1991), responsável por disseminar este termo. Faremos apenas um resgate sobre como ele vem sendo utilizado, contemporaneamente, para enquadrar determinadas características de disputas políticas.

Há quem recorra à “guerra cultural” para demarcar as discussões sobre temas como a legalização do aborto; o casamento gay [homoafetivo]; a definição jurídica que seria mais ou menos adequada de “família”; o ensino religioso; a educação sexual; e uma possível doutrinação ideológica nas escolas e universidades. O conceito abarcaria os choques sociais que indicam conflitos culturais profundamente enraizados com reverberação nas políticas públicas, na vida cotidiana, e cujas expressões radicais sobre temas polêmicos teriam por finalidade ganhar espaço na imprensa e mobilizar seguidores (FREITAS, 2017)1 — tendo, assim, enquadramentos populistas (ORTELLADO; MORETTO, 2019).2

Do ponto de vista da linguagem, por exemplo, a “guerra cultural” seria uma tentativa de alguns grupos de anular as visões de mundo que sejam adversárias, apagando da sociedade os valores que elas carregam, silenciando as vozes que as carregam e impondo elementos relacionados à sua própria pauta ideológica (SANTOS, 2020).

Justamente este ponto que, segundo o sociólogo Roberto Dutra (2020), seria crucial para entender a movimentação política de Bolsonaro. Em sua interpretação, o bolsonarismo se destaca pela incessante tentativa de definir “o outro”, destacando a oposição como um “mal a ser eliminado moral ou fisicamente”. Este processo, então, caracterizar-se-ia como o eixo principal de governo, sendo a “construção incessante de inimigos, de bodes expiatórios, a serem combatidos e eliminados como método de manutenção do poder, ainda que isso impossibilite a construção de políticas públicas [...]” (DUTRA, 2020, s.p.).

Desta narrativa de guerra não escapam nem os/as adversários/as políticos/as, nem as instituições e arranjos político-institucionais, incluindo determinações constitucionais. O que faz o conceito emergir como característica definidora do bolsonarismo é o fato de ter feito com que as “controvérsias morais” — que nunca foram ausentes na disputa política — tenham passado a ser o eixo principal das disputas (DUTRA, 2020).

Em direção semelhante, o professor João Cezar de Castro Rocha (2020) também conclui que essa “incitação permanente ao ódio como forma de ação” levaria não só ao colapso da gestão pública, mas também ao esgarçamento do tecido social (ESTADO DA ARTE, 2019; ROCHA, 2020). Na interpretação de Rocha, a “guerra cultural”, que recorre ao “massacre de reputações” e à “desqualificação que nulifica a pessoa” (no caso, adversários/as políticos/as), também instrumentaliza ou destrói instituições a fim de concretizar seus objetivos ideológicos (SIMÕES, 2020).

Na esteira dessas análises mais gerais, de um lado houve quem dissesse que todo o debate político teria sido dominado por discursos de ódio, centrados em temas morais como a homossexualidade e o endurecimento penal, subordinando as questões econômicas às pautas morais (ORTELLADO, 2014),3 e que a estratégia simbólica do governo Bolsonaro é usar a “cortina de fumaça” para forçar uma polarização com setores ditos “identitaristas”, numa estratégia para “obliterar” outras ações que estariam sendo realizadas “a toque de caixa” em “setores estratégicos”, e que declarações de cunho moral serviriam para roubar a atenção de outras pautas (ALESSI, 2019).4

Nessas análises, manter o confronto do “nós x eles” — isto é, “a permanente produção de antagonismos” que Idelber Avelar (2020), num ensaio importantíssimo, chamou de “a rebelião do eles” — seria péssimo à sociedade por desviar o foco de “temas relevantes”, tais como a reforma da previdência (ORTELLADO, 2019),5 as várias reformas na seara econômica e a segurança pública (RODRIGUES, 2019).6

Portanto, nessas versões, posicionamentos sobre a expressão da sexualidade, religiosidade, raça e comportamento a partir de valores morais não seriam divergências profundas quanto a “leis” ou “políticas públicas”, e que essa moralização do debate público, consequentemente a moralização do debate político, acabam sendo desviadas de “questões programáticas” e “importantes” à “vida pública”, como, por exemplo, a “agenda econômica” (SAYURI, 2019).7

Deste modo, o governo usaria desta estratégia de mobilização de sua ala “ideológica” para manter o eleitorado ativo enquanto distrai a atenção pública das ações do Ministro da Economia Paulo Guedes, o qual tocaria a “agenda real” do governo; a política econômica seria “blindada” por meio das confusões e da guerra cultural, que substituiria a incapacidade do governo de legitimar uma política econômica específica (IHU, 2020).8 Também houve quem reforçasse a ideia de agendas separadas que não se misturam e nem deveriam se misturar, só que entendendo que ao invés de servir como distração para o ministro Guedes, na verdade, o inviabilizaria (CAMPOS, 2019).9

Em oposição, também houve quem afirmasse que separar a “pauta dos costumes” da economia seria uma “falsa dicotomia” que simplifica a discussão a respeito da “cidadania contemporânea” (MAIA, 2018)10 — e que tanto a discussão sobre temas “tradicionais” como salário, economia, emprego, fome, aposentadoria quanto as discussões da dita “guerra cultural” constituem uma “guerra única” (LOPES, 2019)11; que a corrente política governista é uma convergência de várias e diferentes visões político-ideológicas (conservadorismo, liberalismo...), o que faria de Bolsonaro uma “hidra de muitas cabeças” (GOMES, 2019)12; bem como que uma ordem econômica não se resume em sua dimensão propriamente econômica, abrangendo, também, valores e ideologias.13 Sendo assim, seria um equívoco (GONÇALVES, 2019)14 tratarmos o assunto como mera “cortina de fumaça” (ROVAI, 2019).15

Os argumentos das análises que colocam declarações polêmicas como sendo “cortina de fumaça” e estratégia de comunicação têm suas razões e suas parcelas de verdade. Contudo, a análise das declarações polêmicas e das estratégias comunicativas não se pode encerrar sob a perspectiva de desvio de foco, muito menos como apenas instrumentos de contextos eleitorais; tem-se que entendê-las a partir das consequências e objetivos que elas têm na construção ou manutenção da relação com os grupos hostilizados, ofendidos etc.

Que reste claro que o ponto central aqui não é rejeitar as características que são enquadradas como uma “guerra cultural”; pelo contrário, são leituras fundamentais para compreendermos o tempo presente e a função deste trabalho é buscar complementá-las a partir de um ponto que nos parece frágil. Isto é, não cabe separar as duas agendas como se uma fosse mais importante do que a outra, ou como se uma fosse meramente um desvio de foco, colocada somente como estratégia para encobrir a outra. Como apontado por Fabiano Santos e Talita Tanscheit (2919), era sabido ao longo de todo o processo eleitoral que:

Bolsonaro e o PSL optaram por conjugar o autoritarismo e o neoliberalismo de forma inovadora e acrescida de agenda de forte conservadorismo comportamental e de cunho religioso. O seu programa de governo, denominado “O caminho da prosperidade”, e os primeiros anúncios de sua equipe ministerial prometem salvar o Brasil da corrupção e da ineficiência. O autoritarismo, presente também no debate da segurança pública, propõe a redução da maioridade penal, o fim da progressão de penas e saídas temporárias para presidiários e a legalização do porte de armas de fogo, além de tipificar como terrorismo a tomada de propriedades rurais (como as realizadas pelo MST), e a promessa de investimento em escolas militares [...] O neoliberalismo é marcado por uma campanha que recebeu forte apoio do mercado financeiro e de empresários, atraídos pelas promessas econômicas de Paulo Guedes, como a realização da reforma da Previdência e o “enxugamento do Estado”, a redução da dívida pública e das despesas com pagamentos de juros através da realização de privatizações, concessões e vendas de propriedades da União [...] A sua vinculação ao conservadorismo é exemplificada no slogan de sua campanha eleitoral, “Brasil acima de tudo-Deus acima de todos”, e identificada em seu programa pelo não reconhecimento de direitos à população LGBT e pelas iniciativas de supressão de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres (SANTOS; TANSCHEIT, 2019, p. 179-180).

Dito isso, longe de mero instrumento de política eleitoreira, o “bolsonarismo” caracterizou “o ódio político [que] se manifestou na estigmatização de políticos a simples eleitores de esquerda e na criminalização dos movimentos sociais”; uma “lógica do inimigo” onde os afetos sociais são “pouco abertos às diferenças, muito voltados sobre si mesmos como medida para a vida pública e, por vezes, simbólica e fisicamente agressivos com os que [a] renegam” (ALMEIDA, 2019, p. 210). Como escreve Rodrigo Nunes, não se trata de uma característica exclusiva, e sim, própria da extrema-direita global: “crer ou não em tudo o que se diz sobre os inimigos é menos importante do que acreditar que há um inimigo a ser combatido” (NUNES, 2021, p. 9. Tradução minha).

Para o autor, essa lógica de guerra é transposta para o “conflito distributivo” (ponto importante para nossa discussão). Isto é, globalmente se pode perceber o casamento entre conservadorismo nos costumes e liberalismo econômico quando estes grupos se apropriam de um (res)sentimento de “perda de direitos” e/ou de “privilégios” e localizam essas perdas no contraposto progressivo ganho de direitos de minorias e outros grupos, associando esse ressentimento a características como nacionalidade, etnicidade, religiosidade, cultura, gêneros, sexualidades etc. Desta forma, a reação conservadora contra a perda de certos privilégios — Nunes (2021) cita “branco, masculino, heteronormativo” como exemplos — encontra um aliado na rejeição (liberal) a políticas redistributivas (NUNES, 2021, p. 7-13).

Teria sido a partir desta convergência que Bolsonaro, que até então demonstrava convicções menos liberais e mais “estatistas”, foi empurrado para uma agenda “ultraliberal” (NUNES, 2021, p. 7). Como nos lembra Perry Anderson (2019), a tentativa de superar o histórico de “opositor de privatizações e avesso a investimentos estrangeiros” e buscar o apoio da elite empresarial se deu através da escalação de Paulo Guedes como ministro da Economia — anunciado ainda durante a corrida eleitoral e que se demonstra ser um dos mais longevos do alto escalão —, a quem Anderson chama de “neoliberal puro-sangue” (ANDERSON, 2019, p. 242-243).

Além dos representantes do conservadorismo e do liberalismo de mercado, ainda se destacam os atores militares e religiosos que iriam dar apoio ao então candidato e futuro presidente (ANDERSON, 2019; NUNES, 2021). Estes diferentes atores se identificam e convergem a partir de gramáticas morais compartilhadas em “matrizes discursivas”, as quais atravessam, de alguma maneira e algum sentido, todas as classes sociais: militarismo, anti-intelectualismo (que os autores associam ao fenômeno religioso), empreendedorismo, anticomunismo, liberalismo de mercado e conservadorismo (FELTRAN, 2020; NUNES, 2021).

Por fim, ressaltamos o conselho da antropóloga Letícia Cesarino (2019) de que há estes dois pilares fundamentais do “bolsonarismo”, um econômico e um moral/cultural que, na leitura dela, recorrendo ao conceito de “bivalência” da teoria sociológica de Nancy Fraser, são entendidos como o eixo da “redistribuição” (“liberal na economia”) e o eixo do “reconhecimento” (“conservador nos costumes”). Conforme pleiteado no trabalho dela, reduzir a “guerra cultural” a um dos eixos é “uma aparência enganadora” (CESARINO, 2019, p. 539). A partir do trabalho da pesquisadora, podemos inferir que a própria ala econômica, vitoriosa com Bolsonaro na eleição, foi beneficiária do ataque às identidades de gênero, raça e sexualidade, da criação de inimigos e “contraposições estéticas binárias que atuam diretamente no plano dos afetos” as quais geram “efeitos viscerais de atuação por um grupo e repulsa por outro” (CESARINO, 2019, p. 542).

Desrespeito cultural e hostilidade: Bolsonaro e a comunidade LGBTQI+

Jair Bolsonaro sempre esteve em situações de confronto com a comunidade LGBTQI+. O político chegou, inclusive, a ser condenado por declarações consideradas ofensivas às pessoas da comunidade.16 A condenação diz respeito ao caso de uma entrevista, no ano de 2011, dada pelo então deputado a um programa de TV. Bolsonaro foi questionado sobre o que faria caso descobrisse que um dos filhos era “gay”, ao que respondeu que isso não aconteceria porque seus filhos teriam recebido “boa educação” e, portanto, ele não “correria esse risco”; Bolsonaro, em outro momento da mesma participação no programa, disse que não participaria de um desfile gay, porque não promoveria “maus costumes” e por acreditar “em Deus” e “na preservação da família”. Pelas declarações, foi condenado pela 6ª Vara Cível do Fórum de Madureira a pagar a quantia de R$ 150 mil — tendo a decisão de condenação mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.17

Conforme já destacado, é público que Bolsonaro e a comunidade LGBTQI+ possuem uma relação causada pela hostilidade, dado que o político já deu declarações como: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”18; ou: “Eles querem é se impor como uma classe à parte. Não vão encontrar sossego. E eu tenho imunidade parlamentar pra falar que sou homofóbico, sim, com muito orgulho se é pra defender as crianças nas escolas”19; e também: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”20.

O historiador Eduardo Borges (2020) também nos traz à memória que Bolsonaro foi o autor do Projeto de Decreto Legislativo nº 18/2015.21 O objetivo do decreto era sustar duas resoluções feitas pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, subordinado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República: a Resolução nº 11 de 18 de dezembro de 2014, que estabelecia parâmetros e entendimentos sobre o que seria “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social”, a fim de que esses itens pudessem ser incorporados nos Boletins de Ocorrência emitidos por autoridades policiais em todo o território nacional; e a Resolução nº 12 de 16 de Janeiro de 2015, que determinava parâmetros sobre o uso do “nome social” em instituições de ensino, garantindo a permanência e o reconhecimento social de travestis e transexuais nestes espaços. O projeto foi apensado ao PDC nº 17/2015 de autoria do deputado Marco Feliciano e que se encontra parado na Câmara.

O apelo ao “direito” a discriminar pessoas LGBTQI+ também aparece em um comentário ao Projeto de Lei 122/2006 (conhecido como “lei anti-homofobia”), onde Bolsonaro questiona se seria justo uma pessoa ser penalizada por se recusar a alugar um imóvel a um “gay”, ou recusar os serviços de um motorista “gay” contratado para levar o filho à escola.22

Em 2002, discordando do apoio dado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso à união civil entre pessoas do mesmo sexo, Bolsonaro não só realizou um protesto simbólico na porta de seu gabinete, como também disse a jornalistas: “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”.23

Em 2010, durante sua participação no programa “Participação Popular”, da TV Câmara, no qual se discutia o Projeto de Lei 7672/2010 (conhecido como “lei da palmada”), Bolsonaro, em defesa do uso de castigo e violência físicos na educação de menores, afirmou que “tem caso gravíssimo em que o filho começa a ficar assim meio gayzinho... leva um couro, ele muda o comportamento dele, tá certo?!”. Confrontado por outro debatedor sobre a conclusão de que o emprego do castigo físico mudaria ou não uma orientação sexual, rebateu: “ou tu acha que um garoto adotado por um casal homossexual, um careca e um bigodudo, qual vai ser o futuro desse garoto? A princípio vai ser homossexual também”.24

A passagem anterior serve como exemplo para demonstrar que, na leitura de Bolsonaro, a homossexualidade é vista como um desvio moral cujas práticas sexuais e afetivas colocariam em risco a estrutura familiar e, portanto, a conduta seria passível de violência física como medida de correção. As práticas homoafetivas não só seriam uma degradação e uma má influência na vida íntima familiar (como, a exemplo, a possibilidade de um filho de um casal gay vir a ser homossexual por pura influência dos pais), como também na vida pública. Tomado por esse imaginário, a educação de crianças e jovens passou a ser encarada como uma trincheira de onde pudessem partir ataques à comunidade LGBTQI+ e às tentativas de traçar políticas públicas que tivessem como beneficiários os membros da comunidade.

Exemplo disso: em outubro de 2012, Bolsonaro fez diversas declarações no plenário da Câmara contra o ex-Ministro da Educação Fernando Haddad, a quem atribuiu a tentativa de distribuir um “kit gay” em escolas públicas do país. O então deputado fez afirmações apontando que um possível material didático que tivesse como temática a educação sexual seria um “convite ao homossexualismo infantil”25 e que “ninguém quer [...] que ativistas homossexuais trabalhem dentro das escolas”.26 Por fim, ainda em alusão ao “kit gay”, afirmou que o ex-ministro Haddad teria “uma política de estímulo à pedofilia”,27 numa tentativa de associar a imagem de pessoas LGBTQI+ à violência sexual contra menores de idade.

Ainda em 2012, numa sessão da Comissão de Seguridade Social e Família, durante uma Audiência Pública encarregada de debater o Projeto de Decreto Legislativo 234/2011, o qual tinha por objetivo sustar artigos da Resolução nº 1 do Conselho Federal de Psicologia que impediam os profissionais da área de empenharem práticas de reorientação sexual, o deputado disse: “o que está em jogo neste País é a esculhambação da família [...] e são tão covardes que atacam logo as criancinhas”. Em mais uma declaração que mostra que o político reduz a identidade, as práticas e vivências de pessoas LGBTQI+ a meros atos sexuais e obscenos e cujas práticas afetivas seriam nocivas à educação e ao bem-estar de menores de idade, disse, em tom exacerbado: “Vai queimar a sua rosquinha onde você bem entender, porra! Não tenho nada a ver com isso! Não queiram estimular crianças, filhos de vocês aqui, humildes que ganham um salário mínimo. Estão recebendo uma carga de material homoafetivo nas escolas”. O deputado também menosprezou a violência sofrida por pessoas LGBTQI+ afirmando haver “uma pequena discussãozinha de homossexuais, como se fossem pobres coitados”, sendo necessário “[...] desmistificar essa historinha mentirosa de que existe homofobia, de que estão matando homossexuais”.28

Logo em seguida, o deputado aponta para uma questão crucial deste trabalho: não se trata só de um caso de desrespeito cultural e hostilidade relacional, mas uma disputa sobre grupos merecedores ou não de políticas que direcionem verbas do erário público. Afirmou o deputado:

Vocês estão destruindo a família com essa hipocrisia de homofobia, essa palavra fácil. Vivem das tetas do Governo. Sabem por que não há aplausos aqui? Porque o chefe de família — quem é pai, quem é mãe, quem tem responsabilidade — está trabalhando agora e não está vivendo das tetas do Governo.
O Deputado Chico Alencar não gosta que eu fale isso, mas ele patrocinou uma emenda [...] em 2010, pela Comissão de Direitos Humanos, de 11 milhões de reais, para movimentos LGBT. Ah! Pelo amor de Deus, vão catar coquinho!.29

O deputado João Campos, então autor do Projeto de Decreto Legislativo em debate, apoiou Bolsonaro afirmando:

Agora, não vamos aceitar que se imponha um pensamento para a Nação. E não vamos aceitar que esse pensamento seja imposto com financiamento público, como bem disse aqui o Deputado Jair Bolsonaro [...]. Estão buscando utilizar o dinheiro público, estão buscando usar as estruturas públicas para impor um comportamento e um pensamento, inclusive para as nossas crianças. Isso não é razoável.30

A questão sobre uso de dinheiro público para financiar políticas com a temática LGBTQI+ também aparece, em 2013, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidida pelo então deputado Marcos Feliciano. Em elogio à nova gestão, Bolsonaro sinalizou que daquela Comissão não partiriam, em diante, “emendas para financiar kit gay”31 e nem mais

milhões no Orçamento destinados a paradas gays; não veremos mais lançamentos de filmes pornográficos infantis, patrocinados pelo MEC, para passar em escolas do ensino fundamental, estimulando o homossexualismo nas escolas; não teremos mais seminários de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, para o público infanto-juvenil, estimulando a pedofilia; não teremos mais parcerias com o MEC para confecção de kit gay.32

Esse imaginário, como era de se esperar, também desembocou na disputa eleitoral. Em entrevista com eleitores/as de Bolsonaro, meses antes do pleito, a antropóloga Esther Solano (2018) também identificou que no centro da hostilidade com a comunidade LGBTQI+ há não só um desrespeito cultural, mas uma disputa pelo controle da distribuição de recursos públicos. Na visão dos/as entrevistados/as, os grupos LGBTQI+ são identificados por marcadores como exibicionismo, provocação, perversão, exagero quanto ao “vitimismo” e que, embora reconheçam que tais pessoas sofram preconceito e discriminação, recorreriam a essa posição para “obter regalias” e privilégios do Estado (SOLANO, 2018, p. 19). Se tais interpretações tiveram efeitos na corrida eleitoral, também teriam nas ações governamentais. Na próxima seção trago um exemplo ilustrativo disso para complementar as análises.

Os fatos sobre o caso do edital BRDE/FSA PRODAV de 2018

Em março de 2018 a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) lançou uma chamada pública33 para apoio financeiro ao desenvolvimento de produções audiovisuais a serem transmitidas nas programações de TVs públicas. O montante de R$ 70 milhões é proveniente do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), por meio do Fundo Setorial de Audiovisual (FSA). O FSA, por sua vez, é uma categoria integrante do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Dentre as três linhas do FSA, os investimentos seriam feitos por meio da linha PRODAV — Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro.34

Enquanto o Banco assume o financiamento dos projetos, o Comitê Gestor do Fundo Setorial de Audiovisual (CGFSA) se responsabiliza pela suplementação ou a retirada dos recursos previstos em edital, a ANCINE entra no empreendimento enquanto Secretaria Executiva do FSA, e a Empresa Brasileira de Comunicações com as decisões de critérios e parâmetros técnicos da escolha e com a mediação entre os projetos contemplados e a distribuição entre as TVs públicas interessadas na exibição dos mesmos. A chamada foi organizada em torno de 1435 eixos temáticos, cada qual correspondendo a uma fatia que podia variar de R$ 400 mil a R$ 2 milhões por projeto.

No dia 23 de março de 2019, a ANCINE liberou uma listagem preliminar dos finalistas.36 Em 15 de agosto do mesmo ano, já em exercício da presidência e durante uma das tradicionais “lives de quinta-feira” (nas quais o presidente tomou o hábito de falar, em transmissão ao vivo em suas redes sociais, sobre algumas das pautas em andamento no governo), Bolsonaro citou algumas das produções selecionadas no resultado preliminar. Convenientemente, fez questão de citar 4 produções dentro de um universo de 289 projetos — todas as quatro produções correspondendo ao que seriam os eixos “Diversidade de Gênero” e “Sexualidade” (NIKLAS, 2019).37

As obras citadas levam o título de “Afronte”, “Transversais”, “Religare Queer” e “Sexo Reverso”. Sobre elas, Bolsonaro fez as seguintes afirmações38:

[...] fomos garimpar na ANCINE filmes39 que estavam já prontos para serem captados recursos no mercado. [...] Um dos filmes aqui chama “Transversais”. Olha o tema: “sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará” [...]. Então, o filme é este daqui, conseguimos abortar essa missão aqui. Outro filme aqui: “Sexo Reverso. Bárbara é questionada pelos índios sobre sexo grupal, sexo oral, sobre certas posições sexuais”. É o enredo do filme. Com dinheiro público. E outra, geralmente esses filmes não têm audiência, não têm plateia, têm meia dúzia ali. Agora, o dinheiro é gasto. São milhões de reais que são gastos com esse tipo de tema. Agora é um dinheiro jogado fora. Não tem cabimento fazer um filme com esse enredo. Outro filme aqui: “Afronte. Mostrando a realidade vivida por negros, homossexuais no Distrito Federal”. Não entendi nada, confesso. [...] Olha, a vida particular de quem quer que seja não tem nada a ver com isso. Agora, fazer um filme sobre negros, homossexuais no DF, confesso que não dá pra entender. Então mais um filme que foi para o saco aí. Se a ANCINE não tivesse a sua cabeça toda, mandato, já tinha degolado todo mundo. Mais um filme aqui. Este aqui é de cair para trás. Você é evangélica? Eu sou cristão, a minha esposa é evangélica. Vamos lá. O nome é “Religare Queer”. O filme é sobre uma ex-freira lésbica. Tá ok?! Daí, são vários episódios, são dez episódios. Tem a ver com religiões tradicionalmente homofóbicas e transfóbicas. Tudo tem a ver sexualidade LGBT com evangélicos, católicos, espíritas, testemunha de Jeová, umbanda, budismo, candomblé, islamismo e Santo Daime. Confesso que não entendi por que gastar dinheiro público com um filme desses. O quê que vai agregar no tocante à nossa cultura, às nossas tradições no Brasil? Não tô perseguindo ninguém, cada um faça o que bem entender no seu clube, vá ser feliz. Agora, gastar dinheiro público para fazer esse tipo de filme... Esses filmes aí a iniciativa privada não vai investir, porque não têm plateia, não têm audiência. É jogar dinheiro fora, além de divulgar... isso aí não tem cabimento.

Dando sequência e colocando em prática a ameaça, Bolsonaro convocou o Ministro da Cidadania Osmar Terra para interferir no processo de seleção. O mesmo foi feito através da publicação da Portaria Nº 1576, publicada no Diário Oficial da União no dia 21 de Agosto de 2019.40 Através da portaria, o Min. Osmar Terra suspendeu o Edital de chamada por 180 dias, prorrogáveis por igual período, alegando a “necessidade de recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial de Audiovisual — CGFSA”, conforme registra o Artigo 1º da portaria. Osmar Terra, responsável por encabeçar o CGFSA,41 dada a sua posição como Ministro de Estado da Cidadania, encontrou no fato de que a nova gestão do CGFSA ainda não havia sido formalmente estabelecida o pretexto para interromper o edital.

A despeito da justificativa dada pelo ministro, as intenções eram atuar arbitrariamente na escolha das produções, já que nem ele, nem o Presidente da República e ninguém do CGFSA poderia retirar por vontade própria as produções que causaram o desagrado do Chefe do Executivo. A alternativa, então, foi interromper o processo por inteiro, garantindo ao ministro e ao CSFSA reestabelecer critérios de escolha, conforme adianta o Artigo 2º da referida portaria: “Após a recomposição do CGFSA, fica determinada a revisão dos critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do FSA, bem como que sejam avaliados os critérios de apresentação de propostas de projetos [...]” (PORTARIA 1576).

Após esta intervenção, o Ministério Público Federal (MPF-RJ) entrou com uma Ação Civil Pública42 pleiteando a nulidade do ato administrativo e a obrigação da União e da ANCINE em retomar o processo de seleção dentro do curso e dos termos que já estavam previstos. O MPF-RJ também denunciou que a intervenção não possuía a devida justificativa e que tinha como fundamentação o desagrado do presidente com dois dos eixos temáticos do edital, bem como denunciando detalhadamente que houve movimentação interna no Ministério da Cidadania para atender a vontade do Presidente.43

A resposta veio no dia 7 de Outubro, quando a juíza Laura Bastos Carvalho, da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, concedeu liminar em concordância com o pedido do MPF-RJ, determinando a suspensão da Portaria e obrigando a União e a ANCINE a retomarem o certame.44 A Advocacia Geral da União recorreu da decisão e perdeu, conforme decisão do juiz Alfredo Jara Moura do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,45 que manteve a decisão do tribunal de primeira instância.

Enquanto o juiz de segunda instância manteve a liminar por considerar que os intimados (União e ANCINE) não apontaram no recurso novos elementos que justificassem a nulidade da liminar, nem a falta de recursos para cumprir o Edital e nem a denúncia de possíveis irregularidades no processo, a juíza de primeira instância não só considerou que a recomposição do CGFSA não era justificativa plausível (já que o edital estava em fase final e, naquele momento, conforme o próprio Edital determinava, não era de competência do Comitê a reavaliação dos projetos contemplados preliminarmente) e que a suspensão do processo causaria prejuízos ao erário público, como também considerou a denúncia de ato baseado em discriminação, conforme argumenta: “A alegação de uma necessidade que, em uma primeira análise, é irrelevante para o prosseguimento do certame suspenso, traz indícios de que a discriminação alegada pelo Ministério Público Federal pode estar sendo praticada”.46

Em ocasião, o MPF-RJ denunciou que a portaria teria sido um ato administrativo “consistente na edição de ato gerador de dano ao Erário e também discriminatório contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais — LGBTT”.47

Esse trecho em questão, presente na denúncia encaminhada pelo MPF-RJ, é de grande valia porque reconhece que a portaria teria causado danos tanto na ordem econômico-financeira quanto do ponto de vista cultural-moral.

O caso do edital BRDE/FSA PRODAV a partir da Sociologia econômica relacional

Como abordou a jornalista Naiara Galarraga Gortázar (2019) em um comentário sobre este caso e alguns outros, o “governo utiliza o financiamento público para vetar a cultura que não encaixa em sua visão ultraconservadora do mundo”, e que “Bolsonaro lançou essa guerra cultural contra um dos flancos frágeis do setor, o financiamento público [...]”.48 Análise bastante promissora.

Quando Bolsonaro busca interromper uma transferência de ordem econômica entre um programa governamental e os projetos audiovisuais, está estabelecendo “limites” a respeito das atividades, trocas e transações econômicas envolvendo o poder e o erário públicos; neste caso, este limite é demarcado, por Bolsonaro, com a categoria de classificação “desperdício” (embora tenhamos debatido anteriormente que, em outras situações similares, também aparecem categorias como “privilégio” e “regalias”).

Tais demarcações servem tanto para justificar moralmente a ação de estabelecimento ou interrupção da transação, quanto para demarcar, a partir dos significados dos conceitos a que lançam mão, as relações com os demais atores ou grupos envolvidos no processo. É desta forma que os entendimentos de Bolsonaro e os códigos culturais que ele mobiliza para identificar, descrever e se relacionar com as comunidades LGBTQI+ — e como busquei demonstrar, tendo este relacionamento um fundamento hostil — são transpostos aos processos em que recursos econômicos, bens ou serviços são transferidos através de ações governamentais, políticas públicas etc.

Este ponto é crucial na discussão que estamos travando porque sinaliza que a ação é não só econômica ao interromper uma relação de transferência de recursos, bens ou serviços, como também uma ação social que se volta aos significados atribuídos à relação de Bolsonaro com as comunidades LGBTQI+, e vice e versa.

Este processo de “demarcação de limites” e de classificação das relações faz parte do que a socióloga Viviana Zelizer (2012) define como “trabalho relacional”. Segundo ela, o conceito compreende que:

[...] em todas as ações econômicas [...] as pessoas se engajam em processos que diferenciem os significados das relações. Para cada categoria distinta de relações sociais as pessoas erigem limites, marcam este limite por meio de nomes e práticas, estabelecem um conjunto de entendimentos distintos que operam por meio deste limite, designam certos tipos de transação econômica como sendo apropriada para esta relação, barram outras transações que considerem inapropriadas e adotam certas mídias para recalcular e facilitar transações econômicas por meio destas relações. Eu chamo este processo de trabalho relacional (ZELIZER, 2012, p. 146. Tradução minha).

O conceito de trabalho relacional elaborado e utilizado por Zelizer propõe, desta forma, duas discussões importantes que devemos fazer ao pensarmos em qualquer atividade econômica:

[...] como negociações interpessoais na realidade transformam tanto a cultura disponível quanto as relações pessoais em si, e como essas relações interpessoais, negociadas, dão forma à realização de atividades econômicas concretas (ZELIZER, 2012, p. 146. Tradução minha).

No caso do edital, Bolsonaro mobilizou outros atores para que as atividades do edital que lhe desagradaram, isto é, a provisão de recursos econômicos a projetos envolvendo as temáticas de sexualidade e gênero, fossem de alguma forma interrompidas — nas palavras dele, “abortar a missão”; deste modo, as justificativas que envolvem essa ação têm por intuito realizar o processo de “marcação do dinheiro” envolvido na operação (ZELIZER, 2012, p. 157) — neste caso, o dinheiro público.

Na teoria de Zelizer, esse processo de marcação do dinheiro consiste “tanto em distinções simbólicas quanto práticas”, recorrendo-se a um juízo moral com base nas referências culturais disponíveis aos atores para se definir quais destinos são passíveis e não passíveis de serem dados ao dinheiro. Portanto, conforme temos sustentado, também é um processo de gerenciamento das próprias relações sociais em si, na medida em que se debruçam sobre os significados destas relações e o reconhecimento mútuo das partes envolvidas (ZELIZER, 2012, p. 157 e 162).

Estabelecendo um debate a partir de Zelizer, o sociólogo Frederick Wherry (2016) nos informa que tal procedimento diz respeito a “[...] um conjunto de processos culturais e sociais usados pelos indivíduos [...] para organizar, avaliar, justificar e observar atividades financeiras”, deste modo, “preocupações morais e códigos culturais compartilhados informam, energizam e delimitam as tentativas dos atores de marcar o dinheiro”; esses sentidos “atuam como prismas através dos quais os tipos de relacionamentos e obrigações relacionais são refratados” (WHERRY, 2016, p. 2-4. Tradução minha). Num outro trecho ele complementa: “crenças morais sobre o certo e o errado e outras considerações morais operam como uma hierarquia de entendimentos [...]” (WHERRY, 2016, p. 11. Tradução minha). Desta forma, marcar o dinheiro com essas categorias de classificações “[...] é agir como se fronteiras pudessem ser colocadas ao redor de somas numéricas, e que essas contas podem ser combinadas às categorias específicas de gasto” (WHERRY, 2016, p. 14. Tradução minha).

É sabido entre leitores/as da literatura de Sociologia Econômica que a versão “relacional” do trabalho de Viviana Zelizer é resultado de seus estudos sobre a interface entre as relações íntimas e a vida econômica49; contudo, os conceitos elaborados e utilizados por ela foram pensados de forma a serem aplicáveis a todas as atividades econômicas, incluindo aquelas que digam respeito às relações públicas e governamentais, conforme destacado nos dois trechos em que diz que:

[...] não somente as pessoas, mas também o Estado e as organizações criam usos altamente distintos do dinheiro, e eles trabalham duro (embora nem sempre bem-sucedidos) para manter fundos segregados, marcados [...] Através de frequentes processos elaborados e contestados, a marcação, portanto, bloqueia a fungibilidade do dinheiro tanto na vida privada quanto na vida pública. Variando técnicas, governos, organizações e pessoas, estilizam o dinheiro e o combina com tipos distintos de relações e transações. Como resultado, o dinheiro marcado se torna uma ferramenta às relações interpessoais, assim como o trabalho relacional político. O resultado deste esforço, como vimos, pode ser consequente para políticas públicas tanto quanto para transações pessoais (ZELIZER, 2012, p. 162. Tradução minha).

Em todos os tipos de situações, das predominantemente íntimas às predominantemente impessoais, as pessoas diferenciam fortemente vários tipos de relações interpessoais, caracterizando-as com distintos nomes, símbolos, práticas e meios de troca [...]. Tanto em empresas quanto em espaços domésticos, assim como em quaisquer outros, as pessoas constantemente administram múltiplos conjuntos de relações sociais (ZELIZER, 2009, p. 240).

A socióloga Nina Bandelj (2020), que foi aluna e orientanda de Zelizer, também destaca este ponto lembrando que “reguladores” — e aqui podemos ler como “agentes públicos” em geral — “igualmente se engajam em trabalho relacional quando eles instituem políticas e provisões sobre pagamentos (ou a falta deles) apropriados para relações econômicas em particular” (BANDELJ, 2020, p. 13. Tradução minha).

A aplicação do conceito em contextos organizacionais e institucionais também é defendida em textos de Alfredo García (2014, p. 642), Katherine Chen (2019), Nina Bandelj (2015), Kieran Healy (2013) e Healy em coautoria com Marion Fourcade (2016, p. 17). Aliás, vem de Healy uma ressalta contundente de que as dimensões organizacionais e institucionais da teoria de Zelizer são ignoradas pelos próprios acadêmicos que trabalham com os conceitos, permanecendo muito atados à dimensão cultural em si.

A abordagem parte do princípio de que as transações econômicas são fundamentalmente interações sociais, o que implica considerar que o esforço criativo que as pessoas empreendem para estabilizar, manter, negociar, transformar ou até mesmo terminar relações sociais (ZELIZER; TILLY, 2006, p. 7), bem como o conteúdo e as características dessas relações em curso, limitam ou facilitam a atividade econômica. O que implica reconhecer que as ligações dos múltiplos domínios da vida social, incluindo a religião, a política, a vida cívica e outros tipos de laços (ZELIZER, 2012, p. 149) não só possibilitam ou impossibilitam transações econômicas, como também determinam suas características, práticas, meios de troca, quantidades, recorrência etc.

O trabalho relacional, portanto, é feito pelos atores a partir dos “[...] recursos culturais disponíveis e crenças” (BLOCK, 2013, p. 2013. Tradução minha); isto é, quando Zelizer nos informa que “as relações sociais, transações e meios de troca, cada qual vem com histórias e pacotes culturais”, ela está argumentando que “as adaptações criativas das pessoas operam entre limites dados por sentidos historicamente acumulados, limites legais e limites estruturais” (ZELIZER, 2012, p. 164. Tradução minha). Isto abre uma janela para compreender o esforço criativo e as liberdades que possibilitam as negociações e as trocas, porém, entendendo que isto só ocorre a partir de suportes institucionais, modelos culturais instituídos e práticas disponíveis ou recorrentes.

Levantado este ponto, faz-se necessário abrir, aqui, um “parêntese” — necessário para não ser contraproducente em nossas análises sobre os aspectos sociológicos da vida econômica. Influenciada pela obra “Why?”, de Charles Tilly (2006), Zelizer se empenhou em reconhecer o esforço criativo e as justificativas mobilizados para se estabelecer laços diferenciados, bem como sua manutenção, sua reformulação, sua distinção de outras relações e até mesmo sua terminação; o processo de estabelecimento de “fronteiras morais” que facilitem ou limitem o fluxo de recursos, bens e serviços; e o nexo entre os significados compartilhados das relações e as estratégias para realizar objetivos econômicos e satisfazer necessidades materiais — conformando os resultados das transações e negociações com os próprios significados dessas relações (ZELIZER; TILLY, 2006).

Assim, a teoria de Zelizer tem grande potencial para nos auxiliar nas situações em que as pessoas tenham mais ou menos liberdade de ação para recorrer ao “trabalho relacional” como forma de alcançar e realizar os seus próprios interesses e necessidades materiais num dado momento ou num dado relacionamento; contudo, não podemos enxergar a economia de uma sociedade como meros “atos individuais agregados”: Karl Polanyi (1957) já nos avisava no século passado que só faz sentido olharmos para “interrelações pessoais” e para o “comportamento econômico individual” se levarmos em consideração de que são resultantes de um “padrão estrutural” ou “formas de integração” (POLANYI, 1957).

O comportamento individual só ocorre diante de “suportes institucionais definidos”, sendo eles formados tanto pelas instituições econômicas, quanto por aquelas propriamente não-econômicas. Não por mera coincidência é que o célebre trabalho de Zelizer, no qual surge o conceito de “trabalho relacional”, decorre de pesquisas em situações nas quais envolvem instituições: o direito, a justiça, o mercado, agências reguladoras, o Estado, a família...

Outro ponto curioso é que a falta de referências a Polanyi em Zelizer talvez seja uma consequência de sua tentativa explícita (ZELIZER, 2012; HEALY 2013) de se manter distanciada de Mark Granovetter, que entre a década de 1980 e o início dos anos 2000 ainda fazia entender que seu conceito de embeddedness seria uma referência estritamente polanyiana (GRANOVETTER, 1985). O que ela chamou de “vidas conectadas” e “relações constitutivas” para tratar da relação sociedade e economia, Polanyi também já havia adiantado décadas antes quando escreveu, por exemplo:

i) Que [...] “a economia humana existe envolvida pelas relações sociais que os seres humanos mantêm entre si” (POLANYI, 2012a, p. 135).

ii) Que “O homem não age tanto de maneira a salvaguardar o seu interesse pessoal na posse de bens materiais, como com vista a garantir a sua posição social, as suas ambições sociais, o seu valor social”; de forma que, “só valoriza os bens materiais na medida em que estes possam servir esses outros fins” (POLANYI, 2012a, p. 135).

iii) Que os processos econômicos de produção e distribuição não estão “ligados a interesses econômicos específicos relacionados com a posse de bens; mas cada momento desses processos se articula com certo número de interesses sociais” que, independentemente de quais sejam, servem como “garantia de que a atividade necessária será levada a cabo” (POLANYI, 2012a, p. 135).

iv) Quando diz que podemos até destacar uma motivação que seja prevalecente na organização de um sistema econômico, que tal motivação “[...] pode ser religiosa, política ou estética, pode ser movida por orgulho, preconceito, amor ou inveja”, mas que “na verdade, os seres humanos trabalham por muitas razões, desde que vivam em um grupo social definido” (POLANYI, 2012b, p. 54).

v) Que sociedades e civilizações são “[...] limitadas pelas condições materiais da sua existência” e que “esse é um traço comum a toda a vida humana e, na realidade, a qualquer forma de vida — religiosa ou não-religiosa, materialista ou espiritualista” (POLANYI, 2012b, p. 118).

vi) Que “a economia humana, então, é enraizada e enredada nas instituições, econômicas e não-econômicas”, considerando que “a inclusão das não-econômicas é vital”, já que “a religião ou o governo podem ser tão importantes à estrutura e funcionamento da economia quanto as instituições monetárias [...]” (POLANYI, 1957, p. 250. Tradução minha).

Com respeito ao Polanyi por representar sua aprofundada obra em tão simples passagens, são alguns breves trechos que mostram que a complexidade da vida social que Zelizer procurou perseguir já estava presente nos trabalhos dele; cada qual com sua leitura e objetivos de trabalho empírico, ler a abordagem da autora e recorrer às suas ferramentas de trabalho precisa ser feito com a cautela de que há questões mais amplas, estruturais, político-econômicas que precisam ser ajustadas a partir de outra abordagem teórica. Trabalhos futuros precisam se debruçar sobre a possibilidade de se colocar ambos os autores para dialogar, tal como o exercício feito por Phillipe Steiner (2009). Aqui, por ora, voltaremos à discussão anterior.

Observar o material empírico aqui analisado, a partir desta teoria, significa compreender que Bolsonaro recorreu ao preconceito e ao desrespeito cultural, mobilizando o imaginário da imoralidade e da promiscuidade com o qual alguns grupos políticos ainda enxergam as comunidades LGBTQI+, para estabelecer fronteiras (ZELIZER, 2012, 2009; BANDELJ, 2012; ZELIZER; TILLY, 2006, p. 7) que delimitam aqueles/as que podem ser beneficiários/as dos recursos públicos e aqueles/as que não podem. Deste modo, suas declarações falam em “dinheiro jogado fora”, “não ter cabimento fazer um filme” com os enredos apresentados e confessar não entender “porque gastar dinheiro público com um filme desses”. Além de envolver a troca de recursos econômicos, ao dizer que os projetos não são dignos de receberem dinheiro público também desfere uma ofensa moral, onde Bolsonaro se volta à própria relação social que estabelece com as comunidades LGBTQI+ no nível do que se tem chamado de “guerra cultural”.

Quando não há concordância de ambas as partes envolvidas, principalmente no que diz respeito aos sentidos das relações sociais que são colocadas em jogo, a disputa é levada ao ambiente jurídico (FERNANDES, 2013; ZELIZER, 2005). Cabe aos atores jurídicos e os tribunais, neste caso o MPF-RJ e os tribunais de primeira e segunda instância, a partir de suas próprias interpretações sobre os sentidos e as categorias das relações envolvidas, resolverem como os recursos envolvidos ou pleiteados serão distribuídos e por quais meios de troca.

A lei, neste ponto de arbitragem das relações e das transações econômicas (ZELIZER, 2012, p. 154), “[...] oferece terreno no qual fronteiras morais são contestadas”; isso pode ser ilustrado através da denúncia do MPF-RJ e dos códigos morais e culturais mobilizados nela, trazendo, inclusive, à luz o caráter discriminatório implícito na Portaria e na sua motivação, isto é, as declarações do presidente. Através da “consciência legal”, os discursos mobilizados nas peças jurídicas operam como “recursos culturais”, fazendo “um significativo trabalho cognitivo”; desta forma, “[...] atores legais reformulam conflitos econômicos numa linguagem legal” (EDELMAN; STRYKER, 2005, p. 530-535. Tradução minha). O resultado prático disso é que os entendimentos legais “produzem limites reais de ação e escolha econômica” (EDELMAN; STRYKER, 2005, p. 528; STRYKER, 2003, p. 343. Tradução minha).

Em sua denúncia, dentre outras coisas, o MPF-RJ fala em:

[...] ato gerador de dano ao Erário e também discriminatório contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais — LGBTT, em contrariedade aos princípios administrativos da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições [...] verdadeira intenção do governo [...] era impedir que projetos que tratam da temática LGBT sejam financiados com recursos públicos.

Verifica-se [...] evidente confusão entre “interesse público” e a vontade e as ideias pessoais do governante [...] E a discricionariedade que a Lei lhes confere não lhes autoriza, de modo algum, a ofender o princípio isonômico ou a estabelecer tratamento discriminatório entre brasileiros. [...] Verifica-se, também, inequívoco tratamento não-isonômico no acesso a recursos federais, baseado em discriminação intencional por motivo de orientação sexual e identidade de gênero. 50

Evidentemente que a ação movida pelo MPF-RJ não traz somente a conduta discriminatória quanto à distribuição de recursos públicos como único elemento; também se observou a improbidade do ato administrativo e o dano ao erário público causado pela suspensão de um processo de seleção que já se encontrava em fase final e o qual já havia provocado custos para sua realização. Entendendo que a denúncia de ato discriminatório poderia ser procedente e o real fundamento do ato administrativo, a juíza de primeira instância que deferiu a suspensão da portaria considerou que: “os direitos fundamentais à liberdade de expressão, igualdade e não discriminação merecem a tutela do Poder Judiciário”.51

Esses sentidos e interpretações sobre as relações entre as partes conflituosas mobilizados tanto pelo MPF-RJ quanto pela Justiça Federal é que reestabelecem a operação de recursos econômicos entre o edital e os projetos audiovisuais, não só obrigando o Estado a realizar uma transação econômica, mas, também, reestabelecendo outros sentidos sobre qual deve ser, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e das obrigações constitucionais, a relação entre o poder público, o governo federal e a comunidade LGBTQI+, reiterando que o primeiro não pode agir de forma discriminatória com a última.

Conclusão

Como estimulam Bandelj, Spillman e Wherry (2015, p. 5. Tradução minha), uma agenda de pesquisa que explore atividades econômicas na esfera pública deve “incluir atenção às várias dimensões de criação de sentido — práticas econômicas, conhecimento e discurso”, considerando os “campos empíricos nos quais a criação de sentido sobre tópicos econômicos públicos tomam lugar”.

Às análises que afirmam que as ações do governo Bolsonaro no plano da cultura, da moral e em assuntos ditos “controversos” são mera “cortina de fumaça” ou manobra de distração, apresentamos elementos que demonstram que há uma relação de hostilidade e confronto de longa data; processos de construção de relações baseadas em ofensas e desrespeito cultural que precisam ser entendidos com maior complexidade, não sendo reduzidos a mera estratégia de comunicação de governo.

Às análises que afirmam que há um plano “ideológico” e de “guerra cultural” adverso de um plano “econômico” oferecemos subsídios, a partir da sociologia econômica, para pensar que as atividades econômicas são indissociáveis de elementos não-econômicos, como, no caso, ideologias, sistemas de crença, interesses sociais e os sentidos das relações sociais — em suma, da própria “guerra cultural”.

Deste modo, procuramos apontar que se é possível falar em uma “guerra cultural” como conceito analítico, é preciso pensá-la, também, como tendo a sua própria agenda econômica — no caso em questão uma disputa pelo controle e distribuição de recursos públicos —, bem como os efeitos dela nas agendas econômicas como um todo, cooperando com as manobras de austeridade fiscal que drenam recursos de programas e ações sociais e culturais.

Quando trazemos isso à luz, tendo como aporte teórico o conceito de trabalho relacional, entendemos que os processos relacionais, de negociação ou de disputa, bem como os códigos e categorias culturais e morais mobilizados nessas relações, afetam não só os resultados econômicos, como também os próprios significados delas.

Como aborda Zelizer, conflitos e negociações nas atividades econômicas também “envolvem interesses genuínos por justiça, igualdade, satisfação e benefício social” (ZELIZER, 2009, p. 253). Essa avaliação moral e simbólica possui dimensão tanto cultural quanto econômica. O caso em questão é bastante ilustrativo para mostrar o quanto vida econômica e vida social possuem relação complexa e indissociável; serve para nos manter atentos/as de que nossas teorias e ferramentas de análise devem considerar as duas questões.

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  1. FREITAS, Guilherme. “A sociedade como campo de batalha”. Revista Serrote, 2017. Disponível em: www.revistaserrote.com.br. Acesso em: 15 de abril de 2020.↩︎

  2. ORTELLADO, Pablo; MORETTO, Márcio. “O combate cultural que move o bolsonarismo, na estatística”. Época, 2019. Disponível em: epoca.globo.com. Acesso em: 15 de abril de 2020↩︎

  3. ORTELLADO, Pablo. “Guerras culturais no Brasil”. Le Monde, 2014. Disponível em: diplomatique.org.br. Acesso em: 15 de abril de 2020↩︎

  4. ALESSI, Gil. “Batalha ideológica é a ponta de lança da estratégia de Bolsonaro”. El País, 2019. Disponível em: brasil.elpais.com. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  5. ORTELLADO, Pablo. “Não é a economia, estúpido”. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 15 de abril de 2020.↩︎

  6. RODRIGUES, Mário Vitor. “Azul e rosa definidos, falta o laranja (e chega de distração)”. Gazeta do Povo, 2019. Disponível em: www.gazetadopovo.com.br. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  7. SAYURI, Juliana. “O que é guerra cultural. E por que a expressão está em alta”. Nexo Jornal, 2019. Disponível em: www.nexojornal.com.br. Acesso em: 17 de abril de 2020.↩︎

  8. IHU Online. “O primeiro ano do governo Bolsonaro e a força do seu modelo de fazer política. Entrevista especial com Roberto Dutra”. IHU Online, 2020. Disponível em: www.gazetadopovo.com.br. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  9. CAMPOS, João Pedroso de. “Guerra cultural de Bolsonaro inviabiliza Guedes no governo, diz sociólogo”. Veja, 2019. Disponível em: veja.abril.com.br. Acesso em: 17 de abril de 2020.↩︎

  10. MAIA, Tatiana Vargas. “A falsa dicotomia entre pautas identitárias e economia”. El País, 2018. Disponível em: brasil.elpais.com. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  11. LOPES, Mauro. “Guerra cultural é sobre comida e sexualidade; oposição sobre temas é um erro”. Brasil 247, 2019. Disponível em: www.brasil247.com. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  12. GOMES, Wilson. “Distraction, Deception & Damares”. Revista Cult, 2019. Disponível em: revistacult.uol.com.br. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  13. QUINALHA, Renan. “Menino veste azul, menina veste rosa: uma polêmica inútil?”. Revista Cult, 2019. Disponível em: revistacult.uol.com.br. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  14. GONÇALVES, Marcos Augusto. “Posts bizarros de Bolsonaro não são apenas cortina de fumaça”. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em: blogdomag.blogfolha.uol.com.br. Acesso em: 17 de abril de 2020↩︎

  15. ROVAI, Renato. “Cortina de fumaça e lacração, podemos e devemos ser melhores do que isso”. Revista Fórum, 2019. Disponível em: revistaforum.com.br. Acesso em: 16 de abril de 2020↩︎

  16. “Jair Bolsonaro é condenado a pagar R$150 mil por declarações homofóbicas”. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 14 de março de 2020.↩︎

  17. “Justiça mantém condenação de Bolsonaro por declarações homofóbicas”. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 14 de março de 2020.↩︎

  18. EXAME. “Brasil não pode ser país do mundo gay; temos famílias”, diz Bolsonaro. Exame, 2019. Disponível em: exame.abril.com.br. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

  19. GRAMINHA, Pedro. Relatos de 3 LGBTs que adiaram voltar ao Brasil com medo de ataques homofóbicos. Uol, 2018. Disponível em: noticias.uol.com.br. Acesso em: 15 de março de 2020.↩︎

  20. TERRA. Bolsonaro: “prefiro filho morto em acidente a um homossexual”. Terra, 2011. Disponível em: www.terra.com.br. Acesso em: 15 de março de 2020.↩︎

  21. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de decreto legislativo de sustação de atos normativos do poder executivo nº 18 de 2015. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 11 de agosto de 2018.↩︎

  22. O PL 122 NÃO MORREU. [S.l.; s.n.]. Publicado pelo canal Jair Bolsonaro. 1 vídeo (4min 38seg). Disponível em: www.youtube.com. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  23. SUWWAN, Leila. Apoio de FHC à união gay causa protestos. Folha de São Paulo, 2002. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  24. PARTICIPAÇÃO POPULAR 2010-11-18 BOLSONARO COMPLETO. [Brasília: TV Câmara, 2010. 1 vídeo (28min 6seg). Disponível em: www.youtube.com. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  25. BOLSONARO, Jair. [Pronunciamento proferido no plenário da câmara dos deputados, sessão 204.2.54.o] Brasília, Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  26. BOLSONARO, Jair. [Pronunciamento proferido no plenário da câmara dos deputados, sessão 269.2.54.o] Brasília, Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  27. BOLSONARO, Jair. [Pronunciamento proferido no plenário da câmara dos deputados, sessão 271.2.54.o] Brasília, Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  28. BOLSONARO, Jair. [Pronunciamento proferido em audiência pública na comissão de seguridade social e família, 28/06/2012] Brasília, Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  29. Op. Cit.↩︎

  30. CAMPOS, João. [Pronunciamento proferido em audiência pública na comissão de seguridade social e família, 28/06/2012] Brasília, Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  31. BOLSONARO, Jair. [Pronunciamento proferido em reunião ordinária da comissão de direitos humanos e minorias, 07/03/2013] Brasília, Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  32. BOLSONARO, Jair. [Pronunciamento proferido em plenário da câmara dos deputados, sessão 031.3.54.o] Brasília, Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: www.camara.leg.br. Acesso em: 10 de agosto de 2020.↩︎

  33. Íntegra do edital Chamada pública brde/fsa — prodav — tvs públicas — 2018 disponível em: www.brde.com.br. 15 de março de 2020.↩︎

  34. As outras duas linhas são PRODECINE — Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Brasileiro; e PROINFRA — Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Infraestrutura.↩︎

  35. Embora Bolsonaro tenha restringido suas críticas somente aos eixos cunhados como “LGBT”, o edital previa uma lista variada de blocos temáticos, a saber: Livre; Ficção-Profissão; Ficção Histórica; Sociedade e Meio-Ambiente; Raça e Religião; Diversidade de Gênero; Sexualidade; Biográfico; Manifestações Culturais; Qualidade de Vida; Jovem; Documentário Infantil; Animação Infantil; Animação Infanto-Juvenil.↩︎

  36. Resultado preliminar disponível no site da ANCINE: www.ancine.gov.br. Acesso em: 15 de março de 2020.↩︎

  37. NIKLAS, Jan. Projetos de série que Bolsonaro que ‘abortar’ são finalistas na linha ‘Diversidade de Gênero’ de edital público. O Globo, 2019. Disponível em: oglobo.globo.com. Acesso em: 15 de março de 2020.↩︎

  38. O vídeo no qual Bolsonaro faz essas afirmações pode ser consultado no link: www.facebook.com. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

  39. Além do teor das declarações ser questionável, o Presidente também demonstrou desinformação ao afirmar que as produções seriam “filmes”, quando na verdade se tratavam de produções seriadas que variavam de 13 a 26 episódios, cada, conforme informado pelo Anexo I do Edital de Chamada.↩︎

  40. A Portaria nº 1576 de 21 de agosto de 2019 pode ser consultada no Diário Oficial da União. Disponível em: www.in.gov.br. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

  41. A gestão do FSA competia ao Min. da Cultura, passando a ser competência do Min. da Cidadania a partir do início de 2019, mudança anunciada desde 2018: O GLOBO. “Bolsonaro extingue Cultura e Esportes e deixa ministérios de Mulheres e Direitos Humanos para depois”, 2018. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

  42. Íntegra da Ação civil pública nº 5067900-76.2019.4.02.5101/rj disponível em: www.mpf.mp.br. Acesso em: 15 de março de 2020.↩︎

  43. Recentemente, Osmar Terra virou réu por improbidade administrativa nesta ação movida pelo MPF-RJ. O magistrado Vigdor Teitel entendeu que ficou comprovada violação “[d]os deveres de legalidade, impessoalidade e lealdade às instituições”, cujo ato teria sido “sem motivação e contrariando pareceres técnicos, com propósito discriminatório, em prejuízo do Erário e de todos os concorrentes do edital público suspenso”. A decisão pode ser consultada no Boletim 2021500321 de 03 de fevereiro de 2021 do Diário Eletrônico da Justiça Federal da 2ª Região, 04ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: dje.trf2.jus.br. Acesso em: 01 de abril de 2021.↩︎

  44. Íntegra da decisão disponível em: www.mpf.mp.br. Acesso em: 15 de março de 2020.↩︎

  45. Íntegra da decisão Agravo de instrumento nº 5009199-02.2019.4.02.0000/rj disponível em: www.mpf.mp.br. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

  46. Trecho da decisão quanto ao processo Ação civil pública nº 5067900-76.2019.4.02.5101/rj. Op. cit.↩︎

  47. Trecho da denúncia encaminhada pelo MPF-RJ, página 3. Op. cit.↩︎

  48. GORTÁZAR, Naiara Galarraga. “Cidade de São Paulo anuncia um festival com as obras censuradas por Bolsonaro”. El País. Disponível em: brasil.elpais.com. Acesso em: 15 de abril de 2020.↩︎

  49. Para considerações teóricas sobre o uso do conceito na interface entre intimidade e atividade econômica, ver o estudo de caso de Maria de Dios (2020).↩︎

  50. Íntegra da Ação civil pública nº 5067900-76.2019.4.02.5101/rj disponível em: www.mpf.mp.br. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

  51. Trecho da decisão da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: www.mpf.mp.br. Acesso em: 15 de março de 2020↩︎

Resumo:
O caso do Edital BRDE/FSA PRODAV de 2018, que se tratou de um edital de fomento a produções audiovisuais o qual foi temporariamente suspenso por interesses do presidente Jair Bolsonaro, é bastante ilustrativo ao entendimento das dimensões cultural e econômica do que vem sendo chamado de “bolsonarismo”. A tentativa da gestão de Jair Bolsonaro de sabotar o andamento do certame aponta em duas direções: o desrespeito cultural e hostilidade relacional para com a comunidade LGBTQI+, e que em algumas interpretações são vistas como parte de uma “guerra cultural” empreendida pelo bolsonarismo; e como os sentidos dessas relações afetam os processos de transferência de recursos, bens e/ou serviços. Como subsídio à discussão, lançamos mão da sociologia econômica relacional.

Palavras-chave:
Guerra Cultural; Recursos Públicos; Jair Bolsonaro; Sociologia Econômica.

 

Abstract:
The case of the BRDE/FSA PRODAV 2018 Notice, created to promote audiovisual productions and which one was temporarily suspended according to president Jair Bolsonaro’s interests, is very illustrative to understand the cultural and economic dimensions of what has been called “bolsonarism”. The attempt by Jair Bolsonaro’s administration to abort the event’s progress points in two directions: cultural disrespect and relational hostility towards the LGBTQI+ community, seen by some interpretations as a part of a “war culture” undertaken by bolsonarism; and how the meanings of these relationships affect the processes of transferring resources, goods or services. We take use of economic sociology to draw the discussion.

Keywords:
Culture War; Public Budget; Jair Bolsonaro; Economic Sociology.

 

Recebido para publicação em 15/08/2020
Aceito em 12/04/2021