Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 2, jul./out., 2022
DOI: 10.36517/rcs.2022.2.d05
ISSN: 2318-4620

 

 

Os usos da Vaza Jato:
entre enquadramentos e lutas políticas

 

Amanda Evelyn Cavalcanti de Lima OrcID
Universidade de São Paulo, Brasil
amandaevelyncl@gmail.com

Lucas e Silva Batista Pilau OrcID
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
lucas.pilau@hotmail.com

 

Introdução

Em junho de 2019, o jornal The Intercept Brasil começou a publicação de uma série de reportagens que tinham como base mensagens trocadas no aplicativo Telegram entre atores vinculados à Operação Lava Jato em Curitiba, no Paraná. Por sua conexão com os atores desse escândalo político, o material jornalístico, divulgado em etapas, foi batizado como Vaza Jato.1 Entre aqueles que apareceram nas conversas divulgadas, estavam o ex-juiz federal e à época ministro da Justiça Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol. Além deles, as matérias evidenciaram mensagens trocadas em grupos de membros da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, bem como inúmeras referências a contatos informais entre esses agentes e delegados da Polícia Federal, ministros do Supremo Tribunal Federal e jornalistas.

À medida em que as mensagens eram divulgadas e se ampliava a cooperação entre diversos veículos da imprensa para analisá-las e publicá-las, uma série de atores, com os interesses mais diversificados possíveis, entraram em jogo: a força-tarefa do MPF produziu várias notas sobre a forma como as mensagens haviam sido obtidas, afirmando se tratar de “ataque criminoso à Lava Jato”; Sergio Moro, então ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, argumentou não se lembrar das mensagens e que era possível que elas tivessem sido modificadas; os atores que antagonizavam com a Lava Jato, especialmente a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, viram nas mensagens uma evidência do enquadramento produzido por eles sobre a operação enquanto um processo judicial com fins políticos.2

A primeira questão suscitada pelas reportagens foi sobre a possibilidade de uso das mensagens em processos judiciais, uma vez que seriam provas obtidas ilegalmente através da ação de um hacker3. Embora a Polícia Federal tenha produzido laudos periciais dos diálogos, não houve uma decisão substantiva sobre essa questão porque as mensagens não chegaram a ser encaminhadas como parte de pedidos judiciais. O que fazemos neste artigo é seguir a postura dos atores envolvidos e afetados pela Lava Jato, sem entrar na discussão sobre a legalidade ou não das mensagens, mas entendendo-as enquanto um elemento da fase final da Lava Jato.4 A partir disso, questionamos de que forma as mensagens da Vaza Jato impactaram o trajeto da Lava Jato e dos atores nela envolvidos.

Nossa hipótese é que a publicação das mensagens em junho de 2019 influenciou a conjuntura e tornou possíveis e eficazes alterações no reposicionamento de atores. Para tanto, nos valeremos da análise de desdobramentos político-jurídicos da Lava Jato em que a Vaza Jato foi repercutida, tendo como fonte as reportagens do The Intercept Brasil e seus parceiros, os acervos dos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo e também peças processuais. Por partirmos do pressuposto de que a Lava Jato é um escândalo político, começamos retomando o significado desse termo nas literaturas nacional e internacional, que acentuam a necessidade de mobilização para que um acontecimento se torne um escândalo. Em seguida, esclarecemos nossas opções metodológicas para a coleta dos dados dessa pesquisa. Por último, apresentamos as alterações nos posicionamentos de atores da Lava Jato que se mobilizam a partir da divulgação das mensagens, apontando as questões abertas para pesquisas futuras.

Por uma sociologia dos escândalos políticos: o caso da Operação Lava Jato

Nesta subseção, nos dedicaremos a uma breve incursão na literatura especializada sobre a categoria escândalo e suas potencialidades para a análise dos acontecimentos políticos brasileiros a partir da Lava Jato. A Operação Lava Jato foi, ao menos inicialmente, uma investigação policial que envolveu outras instituições ditas de controle como o Ministério Público, Receita Federal e o Poder Judiciário e que tinha como objeto crimes contra o sistema financeiro nacional, como lavagem de dinheiro. Com o avançar das fases da operação, crimes que envolviam partidos políticos e seus membros passaram também a ser objeto de investigação. Tenha sido esse processo espontâneo ou não, a operação se transformou em um acontecimento político que será entendido neste trabalho a partir da categoria de escândalo político.

Antes de ser uma categoria analítica, como será aqui apresentada, a palavra “escândalo” faz parte do léxico usado para entender e explicar os acontecimentos da vida política tanto nacional quanto internacional dos últimos anos (GRÜN, 2018). Trata-se de uma palavra carregada de significados morais e que remete a algo ou a algum acontecimento que gera choque ou espanto e que, por isso, tem alta repercussão (RAYNER, 2005). Além disso, essa noção também se refere à reprovação de atividades julgadas ilegítimas e que, após serem denunciadas, interrompem o funcionamento habitual do jogo social (ROUSSEL, 2020). Isso significa que esses acontecimentos de alguma maneira entram em confronto com a moral ou os valores de uma sociedade que os elabora enquanto escandalosos. Por isso, escândalos são acontecimentos que geram engajamento das audiências leigas e especializadas em discussões, ações e posicionamentos sobre o assunto.

Nas análises de Claverie (1994) sobre o caso Calas e nas reflexões suas com Boltanski (2007) sobre a história dos escândalos na França, o escândalo advém da transformação de um caso (affaire), definido como uma injustiça cometida contra um indivíduo, em forma caso (forme affaire), uma elaboração da injustiça cometida contra o indivíduo enquanto evidência de uma injustiça universal. Essa transformação depende da existência de um emissor, uma pessoa que goze de prestígio social e com distância suficiente do acontecimento para ser considerada imparcial e confiável. O emissor atua como o denunciante da causa, divulgando para outras audiências a injustiça e como ela afetaria a vida em sociedade de maneira ampla (BOLTANSKI; CLAVERIE, 2007; CLAVERIE, 1994).

As reflexões de Boltanski e Claverie (2001) estão relacionadas aos processos de degradação da reputação social sofridos por indivíduos que ocupam posições desfavorecidas na situação específica, por isso a existência de um emissor dotado de prestígio social é central para dar credibilidade e preparar a discussão pública sobre a injustiça sofrida. Ainda que eles não se refiram necessariamente a escândalos políticos, eles chamam atenção à necessidade de a injustiça ser elaborada enquanto uma causa universal, afastada do caso analisado, para ter repercussão e tornar possíveis as tentativas de correção da injustiça individual. Quando o interesse da literatura se volta aos escândalos políticos, a necessidade de elaboração do acontecimento enquanto escandaloso continua a ser necessária.

Na revisão bibliográfica de Silva (2013) sobre a literatura dos escândalos nas ciências sociais, a definição de escândalo político é oferecida a partir da junção das três perspectivas produzidas entre 1998 e 2008 que ofereceram, segundo a autora, maiores possibilidades analíticas para os escândalos políticos: Thompson (2001), De Blic e Lemieux (2005) e Adut (2005). A partir dessas perspectivas, a autora acentua que o entendimento da vida política contemporânea passa pela elaboração dos acontecimentos enquanto escândalos, o que nos daria uma noção de que eles se sucedem ao longo do tempo. Nessa perspectiva, um escândalo seria composto: a) por uma transgressão real ou suposta de valores morais ou normas sociais; b) pela publicização dessa transgressão por indivíduos, grupos sociais, pela mídia, etc.; c) pela existência de um grupo interessado ou que se identifique os valores ou normas supostamente ou realmente transgredidos e que reagiriam negativamente à transgressão; e d) pelas consequências do escândalo sobre as vítimas e indivíduos mobilizados, como processos criminais, perdas de mandato, processos de degradação da imagem pública e mesmo a transformação de normas sociais de maneira a proteger os valores que teriam sido violados (SILVA, 2013).

A definição de Silva (2013) remete a etapas que possibilitariam a um acontecimento se tornar um escândalo. Analiticamente, apenas acontecimentos que completassem essas etapas poderiam ser considerados escândalos. Por outro lado, a autora deixa claro que a caracterização da vida política contemporânea enquanto uma sucessão de escândalos tornaria as fronteiras entre essas etapas bastante fluídas. Dessa maneira, é bastante comum na análise dos casos empíricos que a experiência com os escândalos se dê através das suas consequências, com ênfase aos processos judiciais e as movimentações político-partidárias.

Na análise de Rayner (2005) sobre a operação anticorrupção italiana Mãos Limpas, escândalos são fenômenos socialmente construídos, implicando na cooperação e no conflito entre uma infinidade de atores sociais. Normalmente, os escândalos são concomitantes ou fomentam crises políticas e por isso a análise de seus elementos é importante. O autor define o escândalo como controvérsias levantadas por protagonistas de inúmeros setores que as denunciam de maneira mais ou menos contemporânea enquanto transgressões a valores morais ou à lei. Os atores das denúncias estariam tentando impor um enquadramento, no sentido goffmaniano, da situação tanto para conseguir apoio de outros setores como para constranger os denunciados. Assim, uma análise eficaz de um escândalo envolveria discorrer pelo menos parte dos grupos envolvidos nas controvérsias, que motivações os movem e principalmente, como que os acontecimentos que se seguem à denúncia das controvérsias alteram sua maneira de agir.

O autor dá ênfase ao caráter multidimensional e multifatorial dos escândalos, indo além da análise dos casos judiciais ou das consequências políticas ao acrescentar a descrição conjuntural, as formas da cobertura jornalística e os fatores que motivam magistratura, política e jornalismo a se posicionar em um escândalo (RAYNER, 2005). A preocupação é com os significados dados pelos atores e como suas ações mudam a cada novo acontecimento, no que Rayner (2005) chama de mudanças nas “percepções do possível”. São essas mudanças que vão estimular os atores a tomarem decisões por vezes contraditórias no decorrer do escândalo, mudando seu posicionamento sobre as controvérsias ou mesmo que ações similares tenham consequências diversas a depender do momento. Rayner (2005) nos alerta para a importância da conjuntura, sem abandonar a análise das causas sócio-históricas e localizando os esforços mobilizados e as consequências deles derivados.

As análises que se seguem tem como tema o envolvimento do alto funcionalismo público e dos atores políticos de diversos países em escândalos com acusações de se apropriarem de recursos da esfera pública ou mesmo de corrupção, sendo uma perspectiva que ao longo dos anos vem recebendo um enfoque crescente nas ciências sociais (DAGNES; SACHLEBEN, 2014; ENGELMANN, 2017; ROUSSEL, 2002; VAUCHEZ, 2004). Na análise de casos nacionais, Heurtaux (2009) demonstrou como que na Polônia, no início dos anos 2000, a difusão da ideia de “anticorrupção” contra determinados atores políticos permitiu que o partido Direito e Justiça se posicionasse como a agremiação partidária “virtuosa” contra os políticos ultrapassados, levando seu líder Lech Kaczyński à presidência da República. No mesmo sentido, Briquet (2021) argumenta que a Operação Mãos Limpas — ao contrário das operações anticorrupção que vieram antes e depois na década de 1990 — ocorreu num período em que determinados atores estavam interessados numa renovação política, servindo os processos judiciais e as revelações como fontes de denunciação que levaram à derrocada em termos eleitorais do partido Democracia Cristã e à ascensão do empresário Silvio Berlusconi à presidência por seu partido Força Itália.

No contexto brasileiro, a produção bibliográfica sobre escândalos políticos aumenta com a Ação Penal n.º 470, conhecida como o escândalo do Mensalão, que teve início em 2005 e foi julgada somente em 2013 (SILVA, 2013). No entanto, é depois da deflagração da Operação Lava Jato que há uma convergência de diversas agendas de pesquisa das ciências sociais brasileiras, que se voltaram para o fenômeno das grandes operações. Nesse sentido, houve uma ampla difusão de pesquisas sobre aspectos culturais da sociedade brasileira em torno do tema da corrupção e particularidades do desenvolvimento de instituições judiciais (como Poder Judiciário e Ministério Público), assim como investigações que atentaram para os “usos políticos” do combate à corrupção, seja na internacionalização dos atores da Lava Jato ou mesmo de suas pretensões políticas e de legitimidade no espaço do poder nacional (ENGELMANN; PILAU, 2021).

Há também uma literatura que vem abordando a dinâmica da produção dos escândalos desde uma perspectiva relacional, ou seja, a partir de um “campo do escândalo”, no qual determinados indivíduos se alinham e se tornam coesos para combaterem outros grupos ao mesmo tempo que outros indivíduos se defendem das acusações de que são objeto. Um exemplo são as análises de Grün, pesquisador da área da sociologia das finanças, sobre a abordagem dos acontecimentos políticos enquanto escandalosos no Brasil, principalmente a partir dos governos do Partidos dos Trabalhadores (GRÜN, 2018). Próxima da linha analítica dos estudos mencionados anteriormente, essa percepção dos escândalos permite examinar os atores envolvidos desde as estratégias de ataque e defesa e, a partir delas, os recursos sociais, políticos e culturais de cada grupo envolvido num escândalo. Esses recursos são determinantes para o sucesso dessas estratégias. Para além de somente examinar o capital simbólico dos agentes engajados, esse esquema permite também explorar sua mudança ao longo do tempo (GRÜN, 2018).

Com diferenças sobre os contextos para as quais as análises estão direcionadas, todas as abordagens aqui reunidas e acima mencionadas chamam atenção para a necessidade de que uma situação ou acontecimento seja elaborado enquanto escândalo. Dessa maneira, uma situação ou acontecimento serem transgressores em si não é suficiente para torná-los escândalos. Essa elaboração depende, portanto, da capacidade de grupos sociais mobilizados convencerem outros de que determinada situação se trata de um escândalo. Isso significa que os recursos disponíveis para cada grupo ou indivíduo precisam ser levados em consideração, assim como a que valores morais e a que discursos normativos essas transgressões se ligam.

No caso da Lava Jato, as investigações levaram ao centro do debate público ações de empresários, políticos e funcionários públicos que foram eficazmente elaboradas enquanto contrárias tanto a valores morais quanto à lei. Nosso foco aqui será nas discussões sobre as ações de políticos, que foram elaboradas enquanto transgressoras do interesse público e, por isso, corruptas. Essa elaboração, conduzida por atores do corpo jurídico, reafirmada por veículos midiáticos e outros setores sociais, teve forte influência em dois acontecimentos políticos principais, o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e no pleito de 2018 em que foi eleito Jair Bolsonaro enquanto o candidato primário do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, não pôde concorrer por estar preso (RODRIGUES, 2019). Reforça essa afirmação a constatação de que o discurso anticorrupção foi amplamente difundido durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018 (LOPES; ALBUQUERQUE; BEZERRA, 2020).

À medida que a operação e a versão que ela sustentava sobre os políticos investigados obtinha sucesso, seus emissores também melhoraram suas posições sociais e se tornaram mais influentes. Foi esse o caso do principal juiz da operação, Sergio Moro, dos procuradores envolvidos e de outros atores cujas decisões e ações atendiam aos interesses da operação, como ministros do Supremo Tribunal Federal e jornalistas. Da mesma maneira, políticos, atores do corpo jurídico, jornalistas e movimentos sociais que se opunham à operação ou questionavam seus métodos tiveram uma piora na sua situação social, sofrendo um processo de desclassificação e descrédito. Essa tendência se reverteu na conjuntura que tem entre seus elementos as mensagens da chamada Vaza Jato e que caracterizou o final da operação (LIMA, 2021).

Nesse momento, a Vaza Jato e seus artífices passam a ser parte também do escândalo Lava Jato (LAGUNES, 2021; LAGUNES; ODILLA; SVEJNAR, 2021). Esse acontecimento também dá nova importância a análises preocupadas com os efeitos da cobertura jornalística no apoio à operação e seus operadores (BULLA; NEWELL, 2021; CAMPELLO et al., 2021; FERES JÚNIOR; BARBARELA; BACHINI, 2018; SILVA, 2017; VIEIRA, 2021). Reconhecendo a impossibilidade de uma cobertura imparcial, essas análises apontam para o problema de grande parte da cobertura ter como base exclusivamente materiais fornecidos pelos operadores da Lava Jato, o que seria parte da transformação de um jornalismo investigativo que tinha operações policiais como objeto para um jornalismo das investigações cuja fonte principal são os documentos oficiais e os posicionamentos dos operadores (NASCIMENTO, 2010; VIEIRA, 2021).

Assim, na literatura sobre escândalos políticos, os veículos de mídia têm papel importante. Eles podem ser espaços de debate, meios para o emissor espalhar informações e inclusive reverter resultados judiciais ainda que tenham audiência restrita. Neste trabalho, não iremos nos aprofundar nas análises sobre a estrutura da cobertura jornalística, mas queremos tornar evidentes o seu papel nas mudanças das percepções dos atores. No caso, argumentamos que o trabalho jornalístico Vaza Jato altera as percepções do possível dos atores envolvidos na Lava Jato e passa a dela fazer parte, compondo o escândalo Lava Jato. Dessa maneira, passaremos para a próxima sessão na qual explicaremos como foi composto nosso banco de dados.

A construção do banco de dados da pesquisa

Para atingir os objetivos propostos no artigo, realizamos uma pesquisa quantitativa e qualitativa em dois jornais, a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo. Eles foram escolhidos tanto pela circulação em âmbito nacional quanto pela disponibilidade de seus acervos online desde que munidos de uma assinatura. Entendemos também que ter como fonte material jornalístico nos aproxima de uma parte da literatura sobre escândalos políticos que tem como referencial teórico os enquadramentos em uma perspectiva goffmaniana (LIMA, 2021; RAYNER, 2005).

Enquadramentos ou framing são conjuntos de frames definidos por Goffman (1986) como princípios de organização de um evento ou situação social. Essa definição é suficientemente ampla para possibilitar o uso de diferentes tipos de fontes para identificar e descrever de que maneira uma situação é entendida mesmo quando não a observamos enquanto ela acontece (FERREE et al., 2002; GAMSON; MODIGLIANI, 1994). O emprego desse referencial tem o objetivo de descrever de que maneira o acontecimento Vaza Jato foi entendido e mobilizado por diversos atores, especialmente aqueles do campo político e do campo jurídico e se esse acontecimento da forma como foi construído por seus artífices foi mobilizado como uma razão para mudanças ou permanências no posicionamento e ações desses atores sobre a Operação Lava Jato.

Para alcançar esse objetivo, construímos um banco de dados a partir de buscas nos acervos pela expressão exata “Vaza Jato” de materiais publicados tanto nas edições impressas quanto online entre junho de 2019, mês da primeira reportagem da série Vaza Jato, e dezembro de 2021. A escolha por essa expressão levou à sério a escolha dos jornalistas do The Intercept Brasil que deram esse nome à série de reportagens produzidas tendo como base as mensagens identificadas como vazadas, fazendo alusão aos chamados “vazamentos” de informações durante toda a Lava Jato. Essas informações, sigilosas ou não, ajudaram a manter o fluxo de notícias da operação e os operadores negaram em várias ocasiões serem eles as fontes.5 Além da alusão, o uso da expressão Vaza Jato remete ao uso dos vazamentos agora contra a operação, podendo ocasionar seu enfraquecimento. Intencionalmente ou não, o termo “vazamento” também tem efeito de suavização, tirando o foco da forma de obtenção das mensagens e aproximando-as de uma tática já usada na própria operação que tinha boa aceitação pública.

Além disso, considerando que os atores mencionados nas mensagens vazadas estavam à época ocupando posições relevantes no governo federal e em instituições de controle, procuramos entender a cobertura da imprensa em torno das respostas vinculadas ao discurso oficial produzido pelo Estado (BOURDIEU, 2014). Para tanto, investigamos também nos jornais selecionados a expressão “Operação Spoofing”,6 tendo em vista se tratar de uma operação da Polícia Federal que, em menos de dois meses após a publicação das reportagens pelo The Intercept Brasil, articulou a prisão dos hackers envolvidos na obtenção das mensagens. Considera-se que a cobertura da Operação Spoofing também propicia enxergar as novas dinâmicas que emergiram a partir de uma série de debates no espaço público sobre o destino das mensagens apreendidas com os hackers, seus usos legais e políticos e os reposicionamentos que se sucederam entre os atores envolvidos na Lava Jato.

É preciso tornar evidente que a repercussão da Vaza Jato em outros veículos que não o The Intercept Brasil atenderia às indicações da literatura sobre escândalos políticos, em que a injustiça denunciada por um emissor ganharia adesão de outros veículos de comunicação (BOLTANSKI; CLAVERIE, 2007; CLAVERIE, 1994). O The Intercept Brasil é um site de notícias com uma estrutura reduzida quando comparada com as dos dois veículos escolhidos, algo reconhecido por seus responsáveis, por isso a busca por parcerias para analisar o material obtido, o que garantiu a circulação das notícias ao mesmo tempo que o mantinha como detentor das informações. O sucesso da Vaza Jato também poderia implicar o sucesso do próprio site e dos jornalistas responsáveis pelas publicações em um movimento semelhante ao que ocorreu na Itália com os jornalistas que participaram ativamente da cobertura da operação Mãos Limpas e conseguiram alcançar nos anos posteriores à operação maior relevância (RAYNER, 2005).

O Quadro 1 demonstra que o banco de dados construído foi composto por 876 reportagens da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo. As entradas da expressão “Vaza Jato” na Folha de São Paulo estão nas seções Poder (38), Ilustríssima (6), Painel (4), Mundo (2), Ilustrada (2), Mercado (1), Fotografia (1), Opinião (1), Blog Faces da Violência (1), e se concentram nas Colunas (77). No Estado de São Paulo, as entradas se concentram na sessão Política (104), seguida de Brasil (6), Cultura (4), Opinião (4), Economia (1), Educação (1) e Aliás (1). Nessa mesma direção foi a cobertura da Operação Spoofing. Na Folha de São Paulo, as matérias concentram-se nas seções Poder (85) e Colunas (30) e, em menor intensidade, em Painel (10), Opinião (4) e Blog (3). No Estado de São Paulo, por sua vez, as reportagens distribuem-se entre Política (391), Geral (53), Opinião (21), Espaço Aberto (8), Brasil (6), Notas & Informações (5), Podcasts (4), Economia (1) e Operação Spoofing (1). Nos dois jornais, há um número representativo de entradas nas sessões que analisam assuntos relacionados à política, um resultado esperado uma vez que a Lava Jato se tornou um acontecimento político.

Quadro 1: Resultados da pesquisa em dois jornais de circulação nacional (2019-2021)

Veículo da imprensa Palavras-chaves Resultados
Folha de São Paulo Operação Spoofing 132
Vaza Jato 133
Estadão Operação Spoofing 490
Vaza Jato 121
Total 876
Fonte: elaborado pelos autores, com base no banco de dados construído para essa pesquisa.

Quando esses dados são desagregados por ano, é possível levantar algumas hipóteses sobre a cobertura da Vaza Jato e da Operação Spoofing nos dois veículos selecionados como fontes dessa investigação. Primeiro, ao observar o Gráfico 1, percebemos uma diferença de intensidade de publicação entre a série de reportagens do The Intercept Brasil e a cobertura das mensagens vazadas pelos veículos analisados e de sua posterior resposta oficial — a investigação criminal deflagrada para prender e processar os hackers. Entre 2019 e 2020, encontramos uma certa proporcionalidade entre a Vaza Jato e sua cobertura nos meios de comunicação. Já em 2021, encontramos uma diferença expressiva. Um dado representativo dessa afirmação: enquanto o The Intercept Brasil publicou somente cinco matérias sobre a Vaza Jato em 2021, a cobertura de ambos os jornais mencionando ambas as expressões selecionadas acumulou 366 reportagens.

Gráfico 1: Vaza Jato e coberturas jornalísticas por ano de publicação (2019-2021)
Fonte: elaborado pelos autores, com base nas reportagens do The Intercept Brasil, Folha de São Paulo (FSP) e Estado de São Paulo (ESP).

Nesse ponto, como hipótese, apostamos que 2021 demarcou a alteração do emissor das mensagens hackeadas quando, após o material apreendido na Operação Spoofing ser compartilhado pelo STF com a defesa do ex-presidente Lula, essa passou a revelar trechos inéditos das conversas em seus pedidos junto àquele tribunal (como apresenta mais adiante o Quadro 2). Nesse ponto, ao contrário das matérias jornalísticas do The Intercept Brasil, as petições da defesa do ex-presidente Lula se tornaram fontes oficiais por estarem disponíveis em processos judiciais e, por isso, de fácil manejo e acesso por jornalistas, inclusive por aqueles que não estavam incluídos na parceria com o The Intercept Brasil para ter acesso aos diálogos, como foi o caso do jornal Estado de São Paulo. Com o julgamento da incompetência de Sergio Moro no STF,7 as reportagens coletadas sugerem um esvaziamento do conteúdo dos diálogos no debate público, de modo que depois de março de 2021 ambos os jornais relacionaram a Vaza Jato e a Operação Spoofing a assuntos mais colaterais em relação aos atores envolvidos inicialmente.

Um outro dado interessante da cobertura desses eventos são os diferentes meios de divulgação das reportagens em ambos os jornais, especificamente se em Edição Impressa ou se disponíveis apenas em formato online. No Gráfico 2, apresentamos um panorama quantitativo dessa divulgação, destacando dois aspectos. O primeiro deles é a quantidade de publicações no formato Edição Impressa que a Folha de São Paulo dedicou à Vaza Jato, mais que o dobro do formato online. Nossa hipótese é que esse movimento do jornal — para além das implicações financeiras ligadas à distribuição e venda de edições impressas, questão central para os meios de comunicação atualmente — permitiu que as mensagens e sua cobertura cruzassem a fronteira da internet e das redes sociais (para os quais o The Intercept Brasil, sem publicação impressa, estava direcionado) e chegasse aos leitores de jornais impressos. Ao mesmo tempo, a cobertura da Operação Spoofing também foi em sua grande maioria impressa.

Gráfico 2: Meio de divulgação das matérias publicadas pela Folha de São Paulo e pelo Estado de São Paulo (2019-2021)
Fonte: elaborado pelos autores, com base nas reportagens dos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo.

Por outro lado, a cobertura do Estado de São Paulo foi mais no formato online e focada na Spoofing. Sobre essa maior cobertura da operação da PF, os dados coletados sugerem uma opção desse jornal por dados oficiais, como fora durante o período em que a Operação Lava Jato esteve em funcionamento. Como mencionado, o próprio Estado de São Paulo deixou de adentrar na parceria de veículos de comunicação em torno dos diálogos obtidos pelo The Intercept Brasil, o que pode também ser percebido como uma deslegitimação dos diálogos da Vaza Jato. Além disso, a publicação maciça em formato online se deve à existência de muitas reportagens e opiniões vinculadas à coluna do jornalista Fausto Macedo, que cobria os eventos da Lava Jato rotineiramente e por um longo período e foi o primeiro jornalista a entrevistar Sergio Moro, então ministro da Justiça, após a divulgação dos diálogos pelo The Intercept Brasil em junho de 2019 (MACEDO, BRANDT, 2019).

Mas de que forma os diálogos da Vaza Jato impactaram no reposicionamento dos atores vinculados à Lava Jato? Especificamente, quais foram os enquadramentos produzidos por atores judiciais sobre a divulgação dos diálogos e que mudanças de percepções tornaram possíveis reposicionamentos após a Vaza Jato? A essas questões tentarão responder as próximas duas seções, as quais têm por base a análise qualitativa das reportagens que compõem o banco de dados da pesquisa. Na seção seguinte, demonstramos, na linha de nossa hipótese, que a Vaza Jato propiciou um reposicionamento dos atores judiciais vinculados à Lava Jato a partir de diferentes enquadramentos que produziram diferentes sentidos aos diálogos e ao seu conteúdo. Representativo desse fenômeno foram os procuradores da República da força-tarefa do Paraná vinculados à Lava Jato, antes considerados heróis nacionais e após a publicação da série de reportagens da Vaza Jato pelo The Intercept Brasil e das petições da defesa do ex-presidente Lula com trechos inéditos direcionadas ao Supremo Tribunal Federal, acabaram se tornando investigados em um inquérito aberto pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, posteriormente arquivado.

Entre enquadramentos e reposicionamentos: os desdobramentos da Vaza Jato

Após a publicação da Vaza Jato em junho de 2019, o conteúdo das mensagens reverberou no mundo político e, em especial, entre os atores judiciais. Para tornar esses desdobramentos mais evidentes, organizamos eles em três momentos. Considerando a multiplicidade de fatos que ocorreram simultaneamente, nem sempre esses momentos estão organizados cronologicamente. O primeiro deles ocorreu entre junho e julho de 2019, quando as primeiras publicações do The Intercept Brasil foram divulgadas e houve reações de atores conectados com a Operação Lava Jato. O segundo começa com a deflagração, pela Polícia Federal, da Operação Spoofing, investigação que tinha como objetivo esclarecer os autores dos hackeamentos realizados. Esse período se inicia em julho de 2019 e abrange a prisão dos hackers, divergências sobre o destino das mensagens apreendidas, posicionamentos no Supremo Tribunal Federal sobre sua autenticidade, entre outros eventos. Num terceiro momento, estão as repercussões no espaço jurídico, assim como no âmbito disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público. Esses últimos eventos ocorreram principalmente entre o final de 2020 e o decorrer de 2021.

Na época em que as mensagens da Vaza Jato vieram à tona, em junho de 2019, já havia ocorrido um amplo reposicionamento de atores — políticos e judiciais — desde que a Lava Jato havia sido deflagrada, em março de 2014. Após o falecimento do ministro Teori Zavascki em um acidente aéreo em janeiro de 2017, o ministro Edson Fachin encontrava-se na relatoria da operação no STF. O ex-presidente Lula estava preso na Superintendência da PF em Curitiba desde abril de 2018, após ser condenado por Sergio Moro e ter sua sentença analisada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Jair Bolsonaro ocupava a presidência da República após vencer as eleições de 2018. Sergio Moro havia se exonerado do seu posto no Poder Judiciário e ocupava o cargo de Ministro da Justiça, a convite de Jair Bolsonaro. Como única exceção, o procurador da República Deltan Dallagnol continuava à frente da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Nesse cenário, a divulgação dos diálogos foi seguida de uma série de notas públicas dos interessados no conteúdo das reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil. Esses enquadramentos iniciais antecipavam muitos dos argumentos que os atores que eram ou teriam sido vinculados ao escândalo político denominado Lava Jato iriam repetir nos meses seguintes quando questionados sobre a Vaza Jato. As três primeiras mensagens publicadas pela Vaza Jato em 09 de junho — “‘Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!’”, “‘Até agora tenho receio’” e “‘Não é muito tempo sem operação?’” — abordavam principalmente a cooperação entre o juiz e os procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e também suas condutas em relação ao ex-presidente Lula. No mesmo dia da divulgação, Sergio Moro divulgou uma curta nota pública sobre os diálogos. Nesse documento, o então ministro da Justiça (a) criticou a postura do The Intercept Brasil de deixar de indicar a pessoa responsável pela invasão dos celulares, assim como a ausência de contato prévio antes da publicação da reportagem; (b) indicou que as mensagens deixavam de apresentar qualquer anormalidade ou direcionamento de sua atuação; e por último, (c) apontou que as mensagens teriam sido retiradas do contexto e publicadas com sensacionalismo e que ignoravam os resultados obtidos pela Lava Jato (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2019).

No mesmo dia, a força-tarefa do MPF em Curitiba se posicionou de maneira mais incisiva em relação ao modo como os jornalistas do The Intercept Brasil obtiveram as mensagens. Numa nota pública intitulada “Força-tarefa informa a ocorrência de ataque criminoso à Lava Jato”, os procuradores afirmavam “tranquilidade quanto à legitimidade da atuação”, se apresentando mais preocupados com a “segurança pessoal e com falsificação e deturpação do significado das mensagens” (MPF, 2019). Depois de destacarem que o material hackeado refletiria uma atuação técnica e imparcial, os procuradores apresentaram três preocupações. A primeira delas se referia a uma grave afronta ao Estado e à continuidade da Lava Jato, um tema constante nos posicionamentos dos operadores (LIMA, 2021). A segunda se relacionava com o avanço da deturpação de fatos e a disseminação de fake news. Na última, os procuradores lamentavam eventuais desconfortos com o conteúdo das mensagens publicadas. Colocadas essas preocupações, a força-tarefa se posicionou pela continuidade da Lava Jato e renovou publicamente o “compromisso de avançar o trabalho técnico, imparcial e apartidário”, informando que teriam sido “adotadas medidas para esclarecer a sociedade sobre eventuais dúvidas sobre as mensagens trocadas” (MPF, 2019).

A defesa legal do ex-presidente Lula também se pronunciou sobre os diálogos. Segundo Cristiano Zanin, advogado de Lula nos processos da Lava Jato, um comunicado indicando a atuação combinada e com objetivos políticos pré-estabelecidos entre os procuradores e o juiz da Lava Jato já teria sido formalizado na Organização das Nações Unidas (ONU) em 2016. Por isso, a Vaza Jato estaria revelando detalhes de uma trama “afirmada em todas as peças que subscrevemos na condição de advogados de Lula”. Nessa perspectiva, apontava que o próprio escritório de advocacia, por ter seu ramal telefônico interceptado, teria sido também vítima de “grosseira ilegalidade”. E, ao final, reiteraram que ninguém poderia ter “dúvida de que os processos contra o ex-Presidente Lula estão corrompidos pelo que há de mais grave em termos de violações a garantias fundamentais e à negativa de direitos” e que, por isso, era preciso reconhecer a ocorrência de lawfare nesse caso (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2019).

Esses enquadramentos são representativos porque com o passar do tempo foram sendo refinados, embora mantivessem a essência das perspectivas neles apresentados. De um lado, os atores vinculados à Lava Jato de Curitiba reforçaram a criminalização do hackeamento ocorrido e apostaram no descrédito das mensagens, alegando que teriam sido adulteradas ou retiradas de seus respectivos contextos. De outro, apoiadores, atores políticos e a própria defesa legal do ex-presidente Lula tomaram os diálogos como a prova cabal da parcialidade que vinha sendo alegada de Sergio Moro e dos procuradores da República envolvidos na Lava Jato. Essa dinâmica de disputa pelos sentidos das mensagens reveladas pela Vaza Jato se repetiria ao longo do tempo. Isso porque o vazamento realizado pelo The Intercept Brasil foi dividido por etapas, expondo os diferentes conteúdos e as diferentes mídias obtidas pelos jornalistas e, não por acaso, aproximando a Vaza Jato da mesma lógica de comunicação dos escândalos políticos (RAYNER, 2005).

Logo na sequência desses desdobramentos, em 23 de julho de 2019, a PF deflagrou a Operação Spoofing, inaugurando um segundo momento de disputas pelos sentidos dos conteúdos revelados na Vaza Jato. Essa operação tinha como objetivo investigar as invasões a celulares de autoridades públicas, como desembargadores do TRF da 2ª Região, delegados federais e muitas outras,8 assim como do então ministro da Justiça Sérgio Moro. Posteriormente, a investigação detectou também a invasão do celular do procurador da República Deltan Dallagnol. Naquela data, a operação executou mandados de busca, apreensão e de prisão em São Paulo, Araraquara e Ribeirão Preto, vindo a prender temporariamente quatro suspeitos de serem os hackers que invadiram os dispositivos. Em 19 de setembro, uma segunda fase da Operação Spoofing prendeu outros dois suspeitos. No mesmo ano, um dos suspeitos foi solto e se dispôs a firmar um acordo de colaboração premiada (NETTO; PIRES, 2019).

Após a confirmação de que os hackers presos eram os mesmos que haviam cedido o acervo de mensagens ao The Intercept Brasil de forma anônima, uma luta política sobre o destino do material apreendido se estabeleceu. Ela teve início com a notícia de que Sergio Moro teria se comunicado com algumas das autoridades que constavam nas mensagens apreendidas pela investigação da PF para avisar que os diálogos seriam destruídos (MATTOSO; VALENTE, 2019). Moro afirmava ser necessária a destruição das mensagens para manter a privacidade das vítimas de hackeamento e pelo material ser imprestável como prova. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal negava a intenção de destruir o material, afirmando que o “conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material apreendido será preservado, pois faz parte de diálogos privados, obtidos por meio ilegal” (POLÍCIA FEDERAL, 2019). Nesse caso, houve também manifestações de partidos políticos e da Ordem dos Advogados do Brasil no plano legal. Contudo, a demanda que se mostrou mais efetiva foi a do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 605 pediu a abstenção do então ministro da Justiça em destruir as provas colhidas. O ministro Luiz Fux, além de deferir a liminar e impedir a destruição dos diálogos, determinou que cópias do material deveriam ser enviadas ao STF.

A remessa das mensagens ao STF em pouco tempo suscitou diferentes mobilizações sobre os laudos produzidos pela PF para atestar a autenticidade dos diálogos hackeados. A primeira delas ocorreu em dezembro de 2020, quando o ministro Ricardo Lewandowski utilizou em uma decisão trechos de um laudo produzido naquele ano pelo Serviço de Perícias em Informática do Instituto Nacional de Criminalística da PF, a fim de conceder ao ex-presidente Lula acesso às mensagens apreendidas na Operação Spoofing (ORTEGA; MACEDO, 2021). Enquanto a Operação Spoofing decorria, a defesa do ex-presidente Lula já vinha requerendo acesso às mensagens apreendidas, pedidos que encontravam respostas negativas na justiça (BARAN, 2019). Esse movimento foi seguido por outros atores políticos que teriam sido mencionados nos diálogos da Vaza Jato, como Eduardo Cunha, Sergio Cabral e Renan Calheiros. A Controladoria-Geral da União também pediu ao ministro Lewandowski acesso às mensagens, pedido esse concedido (ORTEGA; MACEDO, 2021).

Os desdobramentos desses eventos permitiram que, como demonstra o Quadro 2, o ex-presidente Lula e sua defesa legal se reposicionassem no âmbito do escândalo da Lava Jato, tornando-se os principais emissores dos diálogos hackeados a partir de 2021 (BOLTANSKI; CLAVERIE, 2007; CLAVERIE, 1994; RAYNER, 2005). Nos primeiros meses daquele ano, diversos pedidos ao STF revelaram trechos até então não explorados pela série de reportagens do The Intercept Brasil, o que também contribui para explicar a ampla cobertura dedicada às consequências da Vaza Jato e da Operação Spoofing pelos jornais Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo. Nesse período, entre 2020 e 2021, outros acontecimentos também permearam a Operação Spoofing, como a denúncia formal do MPF contra o jornalista do The Intercept Brasil Glenn Greenwald, que logo foi rejeitada por um juiz federal, assim como os depoimentos junto à justiça de Sergio Moro e da ex-deputada federal Manuela D’Ávila.

Quadro 2: Revelações da defesa do ex-presidente Lula junto ao Supremo Tribunal Federal

Novas mensagens mostram intenção da Lava Jato de investigar ministros do STJ, CNN Brasil (04/02/2021)
‘Precisamos atingir Lula na cabeça’, diz procuradora em novas mensagens da Lava Jato entregues ao STF, Folha de São Paulo (12/02/2021)
‘Toffoli e Gilmar todo mundo quer pegar’, diz procurador em mensagens; Alexandre de Moraes também era alvo, Folha de São Paulo (17/02/2021)
PF registrou depoimento de testemunha que sequer foi ouvida, mostram novos diálogos da Lava Jato, Folha de São Paulo (22/02/2021)
‘Deixe essa burocracia chata que não serve pra nada e vem pra cá você também, venha prender o Lula’, disse Deltan a colega, mostram diálogos hackeados da Lava Jato, Estadão (22/02/2021)
‘A OAS tem que mijar sangue’, diz procurador em diálogos da Lava Jato, Folha de São Paulo (1º/03/2021)
Cármen Lúcia mandou decisão judicial de soltar Lula ser descumprida, diz Deltan em diálogos da Lava Jato, Folha de São Paulo (04/03/2021)
Defesa de Lula entrega ao Supremo mensagens da Lava Jato sobre denúncia dos caças suecos, Estadão (23/03/2021)
Lava Jato ‘ajudou a eleger o Bozo’ e é preciso se desvincular dele, diz procuradora a Dallagnol em diálogos, Folha de São Paulo (29/03/2021)
Fonte: elaborado pelos autores, com base nas reportagens dos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo.

Nesse sentido, um outro reposicionamento dos atores Lava Jato tem sua origem nos próprios diálogos fornecidos ao STF pela defesa do ex-presidente Lula. De heróis nacionais, gozando de grande legitimidade, os procuradores tornam-se investigados por uma corte brasileira. Trata-se de um trecho em que os procuradores da República vinculados à força-tarefa de Curitiba, em um chat do Telegram, trocam mensagens sobre a possibilidade de investigar ministros do Superior Tribunal de Justiça (MOTTA, 2021). No dia 05 de fevereiro de 2021, um dia após a revelação desses diálogos, o presidente do STJ à época, ministro Humberto Martins, enviou um ofício à PGR para que esse órgão apurasse condutas penais, administrativas ou desvios éticos dos procuradores envolvidos. Poucas semanas depois, o mesmo ministro instaurou um inquérito no STJ para investigar os procuradores da Lava Jato (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2021). No entanto, após a abertura do inquérito, o próprio PGR recorre ao STF, buscando uma decisão que trancasse a investigação do STJ (BLOG DO FAUSTO MACEDO, 2021).

Foi nesse contexto que houve a mobilização de um segundo laudo produzido por peritos da PF sobre a autenticidade das mensagens hackeadas. Em abril de 2021, após ser finalizado, este documento foi enviado para a PGR, órgão máximo do MPF, seguido da manifestação de um delegado federal esclarecendo que atestar o hackeamento não significava atestar a autenticidade e integridade dos diálogos (NETTO; MACEDO, 2021). Com isso, no recurso dos procuradores ao STF que buscava o trancamento do inquérito do STJ, a PGR utilizou o laudo para se posicionar por uma decisão favorável aos procuradores (NETTO; MACEDO, 2021). Em fevereiro de 2022, o inquérito foi arquivado. Por outro lado, houve um caso revelado pelos diálogos da Vaza Jato com outro desfecho: em outubro de 2021, Diogo Castor, então procurador da República da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, recebeu a pena de demissão no Conselho Nacional do Ministério Público (FOLHAJUS, 2021).

Além dessas mudanças, nos interessou observar que a publicação das matérias da Vaza Jato catalisou diferentes enquadramentos entre atores do espaço jurídico sobre os possíveis usos como provas das mensagens reveladas, considerando que foram obtidas de maneira ilegal, através de hackeamento. O fundamento dessas disputas estava na possibilidade ou na impossibilidade de usos das mensagens para punir ou investigar seus autores ou mesmo de mobilizá-las para inocentar réus condenados na Lava Jato. O Quadro 3 apresenta alguns enquadramentos representativos publicados por atores do espaço jurídico na imprensa nacional, das primeiras revelações aos posicionamentos sobre a abertura do inquérito pelo STJ contra os procuradores da República.

Quadro 3: Enquadramentos de atores do espaço jurídico sobre os usos dos diálogos publicados pela Vaza Jato

Enquadramento Ator(es) Título/Veículo Posicionamento público
Utilização dos diálogos é possível se for em benefício do réu José Eduardo Cardozo (Advogado, ex-Advogado-Geral da União e e x-Ministro da Justiça) Operação ‘spoofing’: verdades e mentiras, Estadão “Embora o STF tenha ignorado o valor probatório dessas mensagens ao decidir a suspeição de Sergio Moro no processo promovido contra o ex-presidente Lula, entendo que elas podem ser utilizadas como prova, a despeito da sua origem ilícita, desde que seja a favor da absolvição de um réu. O mesmo não poderá ocorrer nos casos de condenação”.
Utilização dos diálogos é legítimo e útil

Ricardo Lewandowski

(Ministro do Supremo Tribunal Federal)

Uso de mensagens obtidas por hackers divide STF e abala Lava Jato, Estadão “A utilização das referidas mensagens, como reforço argumentativo à corroboração das teses já contidas (de suspeição de Moro), revela-se, insisto, não apenas legítima, mas de indiscutível utilidade para evidenciar ainda mais aquilo que já se mostrava óbvio, isto é, que o paciente (Lula) foi submetido não a um julgamento justo, segundo os cânones do devido processo legal, mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos, sem a necessidade de maiores elucubrações jurídicas”.
Utilização dos diálogos é ilegítima e vedada Luís Roberto Barroso (Ministro do Supremo Tribunal Federal) Uso de mensagens obtidas por hackers divide STF e abala Lava Jato, Estadão “Prova ilícita, produto de crime, é prova ilícita e sua utilização, sobretudo para sanção de quem quer seja, é expressamente vedada pela Constituição. Trata-se de material sem autenticidade comprovada. A partir da invasão criminosa de privacidade passou-se a vazar a conta-gotas cada fragmento do produto do crime do hackeamento, para que os corruptos se apresentassem como vítimas”.
Utilização dos diálogos não é possível em prejuízo do investigado Alberto Zacharias Toron (Advogado e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo) O inquérito contra os procuradores da Lava Jato no STJ tem respaldo jurídico? NÃO, Folha de São Paulo “Perseguição e investigações secretas, fora do figurino legal, são a antítese do Estado de Direito e não podem ser toleradas. Correto, portanto, o desejo de que os que, eventualmente, praticaram atos ilegais sejam investigados, mas eles também têm direitos e garantias que precisam ser respeitados”.
Utilização dos diálogos é possível em prejuízo do investigado Roberto Podval e Daniel Romeiro (Advogados Criminalistas) O inquérito contra os procuradores da Lava Jato no STJ tem respaldo jurídico? SIM, Folha de São Paulo “Parece-nos ponto pacífico, porém, que tais provas, ainda que ilegais, podem ser usadas como meio de defesa, seja para comprovação da inocência de acusados, seja para recomposição da honra e das reputações covardemente vilipendiadas. Esse é o caso da investigação levada a cabo pelo STJ: um mecanismo de defesa. ao ‘contempt of court’ para revelar esses ataques, investigar os meios pelos quais realizados e, assim, repor a verdade, restaurando sua autoridade como tribunal, a qual tem como um dos pilares a dignidade de seus magistrados”.
Fonte: elaboração dos autores, com base no banco de dados produzido com matérias dos jornais Estado de São Paulo e Folha de São Paulo.

Assim, verifica-se que entre enquadramentos e reposicionamentos dos atores, houve alterações significativas nas relações de força dos atores judiciais envolvidos no escândalo político da Lava Jato. Na análise qualitativa do material coletado, destacamos principalmente duas. Se antes da publicação da Vaza Jato juiz e procuradores da República se ancoravam na legitimidade de sua atuação no sistema de justiça, a reportagem do The Intercept Brasil inaugurou um período em que esses mesmos personagens tiveram que se defender de acusações de parcialidade por diversos atores (políticos, ministros, jornalistas etc.) e mesmo das possibilidades advindas da abertura de um procedimento investigativo — como ocorreu no caso do STJ. Além disso, o ex-presidente Lula tornou-se o emissor dos diálogos por meio de manifestações em processos judiciais em andamento no STF. Contudo, a principal alteração parece ter ocorrido nesse tribunal, quando a publicação da série Vaza Jato alterou as percepções do possível e permitiu, por meio de uma conjuntura favorável, o julgamento da incompetência do ex-juiz Sergio Moro, como será abordado na próxima seção.

As percepções do possível e mudanças na conjuntura: o julgamento da incompetência de Sérgio Moro no Supremo Tribunal Federal

Como visto na seção anterior, os enquadramentos dos diálogos revelados pela Vaza Jato proporcionaram uma reconfiguração no âmbito do escândalo político da Lava Jato. Os meios de comunicação, antes assíduos emissores dos acontecimentos cotidianos da Lava Jato, abrem espaços em suas coberturas para as mensagens divulgadas pela Vaza Jato, tendo alguns jornais estabelecido parceria com o The Intercept Brasil para a amplificação do material. O ex-presidente Lula, da posição de réu condenado, passou a ser o emissor das mensagens apreendidas na Operação Spoofing junto ao Supremo Tribunal Federal. Os procuradores da República da força-tarefa de Curitiba e o então ministro da Justiça Sergio Moro transitaram da posição de promotores “virtuosos” da anticorrupção a atores judiciais acusados de parcialidade em suas atividades, inclusive alguns sendo investigados em um inquérito aberto pelo Superior Tribunal de Justiça.

No entanto, apesar da relevância dos reposicionamentos descritos anteriormente, uma se sobressai: o julgamento da incompetência do ex-juiz Sergio Moro e, na sequência, o julgamento da parcialidade do ex-magistrado acerca dos processos do ex-presidente Lula em que houve sua atuação. Em março de 2021, em decisão monocrática, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato naquele tribunal, anulou as ações contra o ex-presidente Lula em quatro processos. Fachin aceitou pedido da defesa de Lula que afirmava que a 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba não possuía competência para julgá-lo. Na prática, Lula passava de condenado a inocente e, principalmente, elegível. A decisão poderia encerrar as discussões judiciais sobre as acusações contra Lula, mas também contra o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que era objeto de uma ação a ser julgada na Segunda Turma do colegiado sobre a sua parcialidade nos processos da Lava Jato contra Lula. Porém, o presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, expressou entendimento contrário e, após dois anos com o processo sob sua análise, pautou nos dias seguintes o julgamento sobre Moro afirmando que questões sobre parcialidade do julgador tinham precedência.

Nesse julgamento, o relator da Lava Jato Edson Fachin manteve seu voto contra, reafirmando a incompetência de Sergio Moro, voto que foi seguido pelo ministro Nunes Marques. Os demais membros da turma — Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia — votaram por considerar Moro parcial. A decisão reafirmou os resultados daquela de Fachin, anulando as ações contra Lula, e os intensificou. Lula não só era inocente e elegível, como as ações penais contra ele não deveriam ter existido. As mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e também na Operação Spoofing foram citadas nos votos dos ministros para ressaltar que não poderiam ser usadas como prova no caso mesmo porque não constavam no pedido da defesa. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, as alegações do pedido, feito em 2018, eram suficientes para indicar a parcialidade de Moro.

Nesse quadro, as mensagens compunham o cenário do julgamento, mas não poderiam ser consideradas nas decisões dos ministros por terem sido obtidas de maneira ilegal. Embora o ministro Gilmar Mendes expresse em diversos momentos de sua decisão os diálogos entre os procuradores da República com referências à atuação de Sergio Moro, uma passagem de sua decisão demonstra a tensão existente sobre os usos diálogos. Após referir a intensa veiculação pela mídia dos diálogos revelados pela Vaza Jato, os quais mencionam os procuradores da República e os ex-juiz Sergio Moro, para o ministro teria ficado “[...] evidente a relação próxima entre tais atores, que deveriam, em um processo penal democrático e acusatório, restar afastados, pois a função de acusar não pode se misturar com a de julgar”. Contudo, o ministro aponta que a conclusão pela parcialidade “é aferível a partir dos fatos narrados na impetração original, de modo a se afastar quaisquer eventuais discussões sobre o tema da possibilidade de utilização da prova potencialmente ilícita pela defesa” (CONJUR, 2021).

Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski foi além e expressou em sua decisão, com base na legislação nacional, que fatos notórios independem de prova. Além disso, em um trecho de sua decisão, destacou alguns dos diálogos apreendidos na Operação Spoofing e apresentados pela defesa do ex-presidente Lula ao STF, referindo que as mensagens “dispensam maiores considerações para demonstrar, por todos os títulos, constrangedor conluio entre o Juiz Federal Sergio Moro e o grupo de integrantes do Ministério Público de Curitiba [...]”, os quais teriam combinado “estratégias para a condenação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva” (CONJUR, 2021). Ainda, para o ministro a “revelação pública daquilo que ocorreu nos bastidores do fórum federal de Curitiba afasta qualquer dúvida que ainda pudesse existir acerca da parcialidade do então juiz Sérgio Moro [...]”. Em ambos os votos, tanto de Mendes quanto de Lewandowski, percebe-se que a utilização dos diálogos revelados na Vaza Jato é acompanhada de posições que procuram mencionar as possibilidades ou não de usos das mensagens naquele contexto específico.

Para finalizar, houve também a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia, que apesar de não fazer referência às mensagens divulgadas pela Vaza Jato, alterou seu entendimento em relação à parcialidade do ex-juiz Sergio Moro. Em 2018, quando o julgamento teve início, a ministra acompanhou o ministro Edson Fachin e votou contra a suspeição de Sergio Moro. Após esses dois votos, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e o julgamento da suspeição foi retomado somente em março de 2021. Nesse ponto, segundo noticiado, a ministra Carmen Lúcia, para justificar a mudança de sua posição, citou quatro eventos da atuação do ex-juiz Sergio Moro que teriam sido juntados ao processo ou comprovados somente após 2018: a) a condução coercitiva de Lula; b) a interceptação telefônica dos advogados do ex-presidente; c) a divulgação de conversas gravadas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff; d) e o fim do sigilo de trechos da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas da eleição de 2018 (G1, 2021).

Ainda que as mensagens não tenham sido mobilizadas como provas no julgamento da parcialidade de Sergio Moro, os votos dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski permitem afirmar que os diálogos da Vaza Jato tornaram mais possível a admissão dos argumentos da defesa do ex-presidente pelos ministros do STF. Ainda que a ministra Carmen Lúcia tenha deixado de mobilizar os diálogos em sua decisão, é preciso considerar que a conjuntura entre seu primeiro voto em 2018 e sua mudança de posição em 2021 havia se alterado significativamente no cenário de publicação dos diálogos da Vaza Jato e de outros eventos que levariam ao ocaso da Lava Jato (LIMA, 2021). Entendemos que o que estava em jogo no julgamento não era só a parcialidade de Moro, mas a própria reputação dos ministros do Supremo uma vez que o julgamento do ex-juiz havia começado em 2018, deixando evidente que havia demora na decisão e também a veiculação das mensagens nos meios de comunicação. Uma decisão a favor de Moro poderia ser vista como complacente e corporativista, enquanto uma contra poderia ser interpretada como um freio à Lava Jato. Ainda assim, o tempo esperado foi importante porque a Lava Jato estava enfraquecida por medidas alheias ao Supremo, diminuindo seu apelo na opinião pública e a possibilidade de críticas.

Considerações finais

Nossa análise buscou levar à sério a Vaza Jato enquanto um acontecimento ligado a um escândalo político, a Lava Jato. Foi na repercussão do “vazamento” das mensagens nos jornais e nas respostas oficiais que essa escolha fez sentido, unindo os artífices da Vaza Jato, menos conhecidos pelo público, àqueles da Lava Jato, que contavam com apoio quase plebiscitário dos meios de comunicação de alta circulação como os jornais que aqui trouxemos, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. Acreditamos que o aprofundamento de pesquisas sobre a cobertura jornalística de investigações se faz necessário para explicar esse apoio questionado direta e indiretamente pelas reportagens de The Intercept Brasil.

Buscamos nas mais de 800 entradas como os termos “Vaza Jato” e “Operação Spoofing” responder de que maneira esses fragmentos das ações dos operadores impactaram as percepções do possível de atores do mundo político e jurídico a partir da literatura sobre os escândalos enquanto categoria analíticas e nos apoiando em usos do conceito de enquadramentos para expor quais os princípios de organização ajudaram a dar significado aos achados do The Intercept Brasil e à Lava Jato pós-Vaza Jato. Nossa percepção, sustentada pelos dados, é que à Vaza Jato se seguiram primeiro consequências no campo jurídico, especialmente a Operação Spoofing, que posteriormente afetaram o campo político, caso do reposicionamento como emissor do ex-presidente Lula e do julgamento favorável à declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a qual consideramos ser o ápice até agora do reposicionamento dos atores ligados à Lava Jato. Nesse ponto, Lula foi de condenado e preso a inocente e elegível, enquanto os procuradores e o juiz responsável pelo caso passam a ser considerados parciais e, por um breve período, teriam sido os primeiros alvos de uma investigação.

Entendemos que o uso das mensagens foi estratégico: uma vez que elas haviam sido obtidas por meio ilícito, seu uso com prova judicial dependeria do entendimento de cada juiz como mostram os enquadramentos trazidos na sessão três, mas isso não impediu que, junto a outros fatores que caracterizam o fim da Lava Jato, as mensagens fizessem parte da conjuntura de desgaste da operação e dos operadores. Ainda assim, a Vaza Jato não fomentou uma discussão profunda sobre as relações entre operadores da justiça. As mensagens revelaram intensa comunicação, entendida como colaboração, entre o juiz e os procuradores responsáveis, mas essa problemática foi usada, ao menos até agora, para questionar apenas o caso de Lula. Por isso, o uso é estratégico, mas restrito ao caso mais relevante da operação. Dessa maneira, há uma tensão sobre os significados da Lava Jato entre uma operação bem-sucedida no combate à corrupção empresarial e parcial no combate à corrupção política. O afastamento temporal dos eventos, os resultados eleitorais de 2022 e novas decisões judiciais poderão ainda contribuir para a melhor compreensão dos desdobramentos político-jurídicos desse escândalo brasileiro.

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  1. Segundo o livro que conta os bastidores do The Intercept Brasil até a divulgação das reportagens em 09 de junho de 2019, o nome oficial das reportagens, As mensagens secretas da Lava Jato, foi considerado muito grande para o padrão do Twitter. Assim, após os jornalistas cogitarem mobilizar o slogan Vaza Tudo, decidiram batizar as mensagens como Vaza Jato (DUARTE, 2020).↩︎

  2. No livro “Lawfare: uma introdução”, em que constam como coautores Cristiano Zanin e Valeska Martins, advogados do ex-presidente Lula nos processos da Lava Jato, as mensagens publicadas pela Vaza Jato são mobilizadas em alguns trechos para reforçar as hipóteses que explicam as dimensões estratégicas do lawfare formuladas pelos autores e, especificamente, a incidência de lawfare contra o ex-presidente Lula (MARTINS; MARTINS; VALIM, 2019).↩︎

  3. Walter Delgatti Neto foi o responsável pela invasão das contas do Telegram de membros da Lava Jato e de políticos. Ele contatou a ex-deputada federal do PCdoB Manuela D'Ávila que repassou as informações para o jornalista Glenn Greenwald. Além de outras pessoas que estariam envolvidas no hackeamento dos dispositivos, Delgatti Neto também foi preso no âmbito da Operação Spoofing em julho de 2019.↩︎

  4. Entendemos que a publicação das mensagens coincide com o momento de declínio da Lava Jato ao considerar o esgotamento natural do filão investigativo ligado à Petrobras de responsabilidade da força-tarefa de Curitiba, a entrada e saída do ex-juiz Sérgio Moro do governo Jair Bolsonaro, a saída de Deltan Dallagnol da força-tarefa no MPF, o cargo de Procurador-Geral da República ter sido ocupado por um opositor da operação, o procurador Augusto Aras e o aumento das críticas contra a Lava Jato por parte de ex-aliados como o próprio presidente Bolsonaro. Oficialmente, a força-tarefa chegou ao fim em fevereiro de 2021 quando as investigações foram incorporadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO). Um mês depois, em março, os processos da operação contra o ex-presidente Lula foram anulados por decisão do Supremo Tribunal Federal. Por esses motivos, a organização do trabalho da Lava Jato foi seriamente afetada, seus principais atores perderam relevância e os processos contra o político mais importante investigado foram anulados, fazendo-a perder força no quadro de escândalos (LIMA, 2021).↩︎

  5. Ver Dallagnol (2017) e Dallagnol e Pozzobon (2017).↩︎

  6. Segundo a Comunicação Social da Polícia Federal, a palavra Spoofing, significa um “tipo de falsificação tecnológica que procura enganar uma rede ou uma pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação é confiável quando, na realidade, não é” (POLÍCIA FEDERAL, 2019).↩︎

  7. No dia 8 de março de 2021, no âmbito do Habeas Corpus n.º 193.726/Paraná, o min. Edson Fachin anulou as condenações do ex-presidente Lula ao declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção de Curitiba, determinando o envio dos processos ao Distrito Federal.↩︎

  8. Segundo noticiado posteriormente, mais de mil números telefônicos teriam sido hackeados (Coletta, Valente & Turollo Jr., 2019).↩︎

Resumo:
Este artigo tem como objetivo compreender os diálogos divulgados pelo The Intercept Brasil conhecidos como Vaza Jato no quadro da produção de escândalos no Brasil. Ao definir a Operação Lava Jato como um escândalo político, buscamos entender como a divulgação das mensagens da Vaza Jato impactaram o trajeto da operação e dos atores nela envolvidos. Para tanto, fizemos uma análise quantitativa e qualitativa da repercussão da Vaza Jato em reportagens dos jornais Folha de São Paulo e Estadão entre junho de 2019 e dezembro de 2021, assim como dos desdobramentos político-jurídicos que podem ser associados e em que os achados da Vaza Jato foram mobilizados. Nosso argumento é que a Vaza Jato reconfigurou posições e alterou as percepções do possível dos atores envolvidos na operação.

Palavras-chave:
Escândalos políticos; Lava Jato; Vaza Jato; enquadramentos; The Intercept Brasil.

 

Abstract:
This article aims to understand the dialogues published by The Intercept Brasil known as Vaza Jato in the context of the production of scandals in Brazil. By defining Operação Lava Jato as a political scandal, we seek to understand how Vaza Jato’s messages impacted the trajectory of the operation and the actors involved. To do so, we carried out a quantitative and qualitative analysis of the repercussion of Vaza Jato in reports from the Folha de São Paulo and Estadão newspapers between June 2019 and December 2021, as well as the political-legal developments that can be associated and in which the findings of the Vaza Jato were mobilized. We argue that Vaza Jato reconfigured positions and altered perceptions of the possible of actors involved in the operation.

Keywords:
Political scandals; Car Wash; Vaza Jato; framing; The Intercept Brasil.

 

Recebido para publicação em 21/03/2022
Aceito em 17/05/2022

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