Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 3, nov. 2021/fev. 2022
DOI: 10.36517/rcs.2021.3.a02
ISSN: 2318-4620

 

 

Migrações e trabalho:
a busca pela sobrevivência de camponeses brasileiros e angolanos

 

Flávia de Almeida Moura OrcID
Universidade Federal do Maranhão, Brasil
flaviaalmeidamoura29@gmail.com

 

Introdução

A proposta do texto é discutir estratégias e fluxos migratórios de grupos de camponeses em busca de trabalho fora de suas lavouras como forma de complementar renda e garantir a reprodução familiar. Tomará como base as estruturas fundiárias e a lógica familiar de trabalhadores rurais do Maranhão (BR), dos municípios de Codó e Timbiras (CARNEIRO; MOURA, 2008; MOURA, 2009; MARINHO, 2010; SOUSA, 2011); e das províncias do Huambo, da Huíla e de Benguela, localizadas no Sul de Angola, municípios da Caála, Cacula e Ganda,1 levando em conta suas diferenças e semelhanças.

O estudo comparativo buscou evidenciar proximidades e distâncias entre formas de vida e de trabalho de camponeses brasileiros (mais propriamente a partir de dados de pesquisas realizadas no estado do Maranhão nos últimos 15 anos, entre 2005 e 2020) e de angolanos (investigados durante trabalho de campo realizado em 2018, durante pesquisa pós-doutoral sobre a economia familiar e estratégias de sobrevivência de camponeses do Sul de Angola).

As migrações temporárias para trabalhar fora dos seus locais de origem são comuns nos dois casos, demonstrando uma coexistência entre o campesinato e o sistema capitalista (GARCIA JR, 1989). Identificamos, no entanto, durante trabalho de campo realizado em Angola,2 em agosto de 2018, diferenças nas dinâmicas desses fluxos migratórios tendo em vista as características específicas da realidade das duas regiões. Os contextos históricos, sociais, políticos e culturais dos dois países foram considerados; no caso de Angola, e nas províncias analisadas, a guerra civil que perdurou por 27 anos tornou-se um fator decisivo para se entender o histórico da migração. No Maranhão, a expulsão dos trabalhadores rurais de suas terras para a implantação de grandes projetos no Brasil, nos anos de 1960 e 1970, também tem importante efeito explicativo.

Mesmo com as especificidades de cada local, percebemos, no estudo cruzado, que os migrantes nos dois casos estão submetidos a trabalhos degradantes. No Brasil, estas condições podem ser consideradas de superexploração, e são encontradas no agronegócio e no contexto dos grandes projetos de desenvolvimento, e chamadas de condição análoga à de escravo (Artigo 149 do Código Penal Brasileiro). Em Angola, são encontradas principalmente em atividades laborais na construção civil e nas fazendas empresariais agrícolas e agropastoris (ADRA, 2004).

Nas províncias do sul de Angola, a maior parte dos fluxos migratórios é destinada ao trabalho informal na região da capital, Luanda, ao norte, principalmente relacionados à venda dos produtos excedentes da agricultura ou de produtos industrializados comprados para a revenda, como roupas, calçados, utensílios domésticos, entre outros.

No caso do Maranhão, o deslocamento mais comum é para trabalhos de diária ou empreitada em grandes fazendas de gado. Vão também para outros estados brasileiros em atividades do agronegócio3 ou atividades na construção civil espalhadas em grandes obras, sobretudo nas regiões central, sudeste e sul do Brasil.

Neste texto queremos ressaltar algumas características desses fluxos migratórios, tentar compreender a multiplicidade dos seus efeitos para a economia familiar agrícola, tomando como fonte os relatos de grupos de camponeses do Maranhão (2008; 2009; 20164), e das províncias do Huambo, da Huíla e de Benguela, em Angola (2018). Não se pretende generalizar essas explicações, mas trazer mais elementos para o debate sobre as dinâmicas da economia familiar e as estratégias da migração camponesa.

Um esclarecimento necessário para entender as escolhas metodológicas diz respeito ao modo que realizamos o trabalho de campo em Angola. O acesso às aldeias se deu por intermédio da ADRA (Ação para o Desenvolvimento Rural de Angola), Organização Não Governamental angolana que atua desde 1990 no país, há cinco anos na região, voltada para projetos de desenvolvimento regional e autonomia dos trabalhadores rurais. As visitas foram agendadas previamente por intermédio de lideranças comunitárias locais intermediadas pela ADRA e cumpriram um roteiro de entrevista semiestruturada, que buscou reunir características relacionadas às atividades econômicas nas localidades, bem como as relações dos trabalhadores com a terra e fora de seus locais de origem, identificando migrações sazonais.

As aldeias que tivemos acesso, por mais que apresentassem dificuldades para a manutenção da reprodução familiar, recebiam alguma assistência técnica com vistas à melhoria da qualidade de vida dessas famílias. Esta situação contrastava com o caso dos trabalhadores rurais que acompanhamos no Maranhão há pelo menos uma década e meia, em geral expulsos de suas terras e que foram resgatados de condições análogas à de trabalho escravo, vivendo de uma economia que chamamos da precisão.5

Este artigo inicia com uma contextualização da questão fundiária e o campesinato nas duas localidades estudadas, depois apresenta formas cotidianas de resistência a partir de exemplos encontrados no estudo para, ao final, traçar comparações entre as realidades brasileira e angolana investigadas.

Questão fundiária e campesinato

No contexto brasileiro, a partir da ditadura militar de 1964, se articula um processo da ocupação econômica da Amazônia, com a justificativa de integrá-la ao mundo moderno (MARTINS, 1994).6

Este projeto de desenvolvimento, segundo Costa (2000), se chocou, na disputa pela terra, com formas de produção preexistentes na região, oriundas de sua formação econômico-social e de um campesinato surgido no percurso da expansão da fronteira agrícola.

(...) o que resultou da estratégia da ditadura foi um processo que afirmava, embutida no ‘pacote tecnológico’ que viabilizou, uma função de produção favorecedora de manutenção e mesmo ampliação da Amazônia do elevado grau de concentração da estrutura fundiária vigentes nas áreas antigas do país, estendendo para a Amazônia métodos e técnicas de produção gerados em outras realidades, não adaptadas às condições peculiares da região, atrelando grandes frações de capital industrial, comercial e bancário ao estabelecimento das relações de propriedade na fronteira e, assim, reafirmando o papel da grande propriedade fundiária como forma de apropriação da riqueza social no conjunto do Brasil. (COSTA, 2000, p. 83).

O Maranhão é apontado historicamente como um dos principais estados brasileiros relacionados a conflitos de terra, devido à concentração fundiária. Em 2012, segundo estudos da CPT (Comissão Pastoral da Terra), o estado contabilizou 252 casos de conflitos de terra, com o envolvimento de aproximadamente 65 mil pessoas (CPT, 2013). Em 2014, foram mais de 140 casos, segundo dados da assessoria jurídica da CPT-MA. Pelo menos 60% desses casos se concentraram na região dos Cocais (MAY, 1990) envolvendo os municípios de Codó e Timbiras. (CARNEIRO; MOURA, 2008).

O Maranhão ocupa uma área de 333.365,6 km², sendo o oitavo estado da federação em extensão territorial e o segundo da região Nordeste. No entanto, apenas um pequeno número de proprietários detém a maioria das terras, causando conflitos e violências no campo. Grande parte das terras do estado, principalmente aquelas localizadas nas regiões de colonização antiga (Baixadas Ocidental e Oriental, Pindaré, Mearim, Vale do Itapecuru e Baixo Parnaíba), está ocupada por comunidades negras, cuja história da posse territorial remonta ao período da escravidão. Juntamente com elas, outros grupos de camponeses consolidaram seus apossamentos no processo de expansão da fronteira agrícola do Estado.

A população negra rural engendrou formas de apropriação de territórios durante a vigência da repressão escravista. Os outros grupos tradicionais — os extrativistas, os descendentes de índios, os ribeirinhos e os posseiros antigos — consolidaram formas de apossamentos semelhantes. Esses grupos tiveram que enfrentar a expansão da frente agrícola, na conjuntura de “modernização” do campo maranhense, com a introdução dos grandes empreendimentos agropecuários e dos grandes projetos de monocultura. A questão agrária no Maranhão, portanto, sempre esteve marcada por essa história de confrontos entre trabalhadores rurais (tidos como primitivos e fadados ao desaparecimento) e os agentes sociais, que diziam representar a modernidade, o desenvolvimento e os novos paradigmas do progresso (PEDROSA, 2013).

Pelo fato de haver alta concentração de terras pelo latifúndio, expulsão constante de trabalhadores de suas terras, o Maranhão, e sobretudo a região dos Cocais, onde estão localizados os municípios de Codó e Timbiras, apresenta saídas frequentes de trabalhadores para fora da região em busca de trabalho, muitas vezes submetidos a condições análogas à de escravos (CARNEIRO; MOURA, 2008; MOURA, 2009; CPT/RAICE, 2016).

Angola possui uma extensão territorial de 1.246.700 km2, sendo quase da extensão do Estado do Pará, no Brasil, e uma população de 25.789.024 habitantes, segundo o Censo Populacional de 2014. As três províncias do centro sul de Angola delimitadas neste estudo possuem, junto com a capital Luanda, mais da metade da população do país, a saber: Benguela, Huambo e Huíla.

A estrutura fundiária angolana ainda está atrelada ao tempo colonial. De acordo com estudo realizado pela ADRA (2004), apesar da Lei de Terras, de 2004, as concessões do tempo colonial ainda são reconhecidas em muitas províncias, principalmente na região sul do país, mais afetada pela guerra civil, que durou desde a Independência de Portugal, em 1975, até 2002 (ADRA, 2004).

A maioria dos trabalhadores entrevistados nas províncias do Sul de Angola vive nas chamadas terras de família, isto é, terras que plantam desde os ancestrais, embora em sua maioria, não tenham a posse com documentação legal. Essa situação ocorre principalmente por conta de uma recente retomada da agricultura empresarial, a partir da tentativa do país de diversificar sua economia e fugir da crise do petróleo. Nesse contexto, fica claro um latente problema, a ser enfrentado nos próximos anos, sobre a questão fundiária em Angola, mais precisamente nas aldeias visitadas, uma vez que as concessões de terras ainda datam do tempo colonial e muitos povoamentos foram reconstruídos em terras de propriedades de fazendeiros e empresários.

Sem o arame, os lavradores angolanos ainda estão plantando suas lavras,7 uma vez que o cercamento de terras ainda não gera tantos conflitos, como os encontrados no contexto do agronegócio brasileiro. Situação mais próxima a do Brasil existe no extremo sul de Angola, na província da Huíla, na divisa com o Cunene e a Namíbia, onde as terras de pastores estão sendo cercadas por fazendas agropastoris desde o período pós-guerra, em 2002, gerando conflitos violentos, conforme diz o relatório da ACC (Associação Construindo Comunidades), de 2008.

Economia familiar e estratégias de sobrevivência

No Brasil, a industrialização, que se tornou dominante na segunda metade do século XX, criou um novo polo dinâmico na vida social e econômica do país. Segundo Garcia Jr (1989), não se pode esquecer que o crescimento do mercado de trabalho industrial não foi procedido pela liquidação das formas de dominação personalizada no campo.

No Maranhão, estudos realizados há dez anos, conforme o projeto Migrações no Maranhão Contemporâneo (CARNEIRO; MOURA, 2008) demonstram que o deslocamento de camponeses em busca de complementação de renda nos grandes centros, como no caso das plantações de cana em São Paulo, transforma o espaço social de origem, mas não retira os trabalhadores das condições de roças de subsistência. Também não altera as relações de dominação personalizadas no campo, como é o caso de aforamento (aluguel de pequenas porções de terra para o plantio) e mesmo relações de submissão aos latifundiários na região.

Mais recentemente, diagnóstico realizado pelo projeto RAICE (Rede de Ação Integrada contra a escravidão), desenvolvido pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) e o CDVDH/CB (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán), de Açailândia, Maranhão, entre os anos de 2015 e 2016, mostra que a migração continua fazendo parte das estratégias de sobrevivência dos camponeses do Maranhão no intuito da reprodução familiar. Em 2015, entrevistamos uma família de lavradores residentes no bairro Codó Novo, no município de Codó (MA). Na ocasião, estavam presentes o casal, um filho e uma nora. Dona Maria, 52 anos e Seu José,8 de 57 anos, contaram que dois filhos estavam no estado do Mato Grosso; um trabalhando na produção de soja e outro na construção civil, mas que ambos haviam recebido convite para trabalhar em garimpo no Suriname. Outros dois filhos, que residem no mesmo domicílio, trabalhavam à ocasião em uma pequena porção de terra em povoado distante aproximadamente 40 quilômetros da sede do município, onde a família possui uma roça de subsistência. Seu José contou que trabalhou por muitos anos fazendo cercas em fazendas de gado na região de Codó e que, na ocasião da entrevista, estava plantando numa horta comunitária desenvolvida pela escola agrotécnica na sede do município. Ele lamentou ter os filhos longe da casa, mas afirmou que no município não tem oportunidades de sustento, então, o negócio é “aventurar”.

A estratégia é sempre alguém da família estar trabalhando fora para mandar algum troco pra casa. Porque o servicinho que fazemos por aqui não dá de receber muito dinheiro. (Trecho de entrevista com Seu José, 57 anos, morador de Codó (MA), 2015).

O perfil dos camponeses entrevistados no município de Timbiras, por ocasião da mesma pesquisa, não é diferente do da família de Seu José: a saída para o trabalho, principalmente para o corte de cana e para a plantação de amendoim no estado de São Paulo ou para colheita de laranja no Mato Grosso, vem para complementar a renda da família, em geral extensa, que planta roças de subsistência. É comum o relato do filho que completa 18 anos migrar e, em alguns casos, constituir família ou levar a família já constituída para o destino. Percebemos ainda um fluxo migratório de mulheres para Goiânia e Caldas Novas (GO) para trabalhar como doméstica, e de homens para trabalhar na construção civil ou em serviços gerais.

No bairro Destino II, no município de Timbiras, a família de Seu Pedro, 60 anos, e Dona Rosa, de 44, possuíam à ocasião da entrevista (2015) dois filhos trabalhando no corte de cana em Ribeirão Preto (SP). O casal contou que os filhos haviam migrado desde 2010 e, a partir de então, participaram de todas as safras, sempre saindo de casa em meados de fevereiro e voltando em novembro. Os filhos mandam recursos durante o ano para os pais para a manutenção da roça e também para alguns gastos com a casa. O filho mais novo do casal, de 14 anos, sonha em fazer 18 para poder acompanhar os irmãos. Percebemos que as condições e a falta de perspectivas de construir algo melhor em Timbiras acabam direcionando o sonho do adolescente, que é completamente contrário ao sonho dos pais: de tê-los todos próximos.

No caso angolano, a guerra civil, que se estendeu por 27 anos (desde a Independência de Portugal, em 1975 até 2002), explica os processos migratórios históricos em Angola. Foi comum ouvir, nos relatos dos migrantes contemporâneos, que a situação de migração era a mesma desde o tempo dos pais ou avós, pelos motivos de guerra. Neste sentido, a capital Luanda constituiu-se na principal região receptora de migrantes, sobretudo das províncias da região sul. Estas províncias, mais populosas, foram afetadas diretamente durante os anos de guerra, principalmente por ser território do partido de oposição ao governo do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola). A província de Huambo era o local de residência do líder da UNITA, Jonas Savimbi; e o sul do país, considerado o principal território da oposição ao governo.

Em Angola, ocorreram mudanças significativas dos espaços sociais do campo e da cidade no contexto da reconstituição nacional a partir da necessidade da diversificação da economia no pós-guerra, principalmente desde 2002. A agricultura, neste contexto, ganha um peso relevante principalmente após a crise do petróleo e a queda das relações comerciais de Angola no mercado externo (ROCHA, 2013).

A agricultura familiar sempre teve maior peso nos mercados de produtos agrícolas desde o tempo colonial. Segundo relatório da ADRA (2004), em meados dos anos de 1970, o país era um notável produtor de bens de origem agrícola e pecuária.

(...) Angola produzia ainda algodão, milho, mandioca e banana para seu consumo e para exportação, e era mais ou menos auto-suficiente em carne, feijão, amendoim, óleo de palma, tabaco e muitos outros produtos. Ao contrário do que muitos imaginam — e do que é divulgado por certas fontes pouco preocupadas com o rigor da informação — a maior parte da produção de alimentos de origem agropecuária que chegava aos mercados provinha do então chamado sector “tradicional”, ou seja, dos pequenos agricultores familiares. Estes eram responsáveis, de acordo com a MIAA, por 88% da comercialização de milho, 100% de mandioca, 94% de feijão, 100% de amendoim, 71% de batata, 30% de café, 52% de arroz, 21% de algodão e tinham ainda peso superior na produção de carne, tabaco e banana. Todavia, tais produtores utilizavam a terra de forma precária, pois não tinham garantidos, através de títulos, os seus direitos de propriedade ou posse, como acontecia com os agricultores empresariais, patronais ou “modernos” (ADRA, 2014, p. 7).

Na atualidade, os lavradores apresentam, em geral, situações de pluriatividade (KATIAVALA, 2016, p. 19), combinando a lavoura de subsistência com a possibilidade da venda dos excedentes da plantação e mais alguma atividade, denominada de biscate, nos centros urbanos. Segundo Katiavala (2016), em seu estudo sobre o processo de diferenciação socioeconômica dos produtores agrícolas na província de Huambo, há uma pluralidade de categorias de camponeses e agricultores familiares com diferentes estratégias e arranjos econômicos. A migração, em geral, é parte deste contexto.

A questão da migração em Angola tem uma trajetória antiga. De colonização portuguesa até 1975, seguida de guerras civis que perduraram décadas até 2002, o ato de migrar para fugir da guerra apareceu em muitos dos relatos e no imaginário dos entrevistados.

Após a independência em 1975, o país vivenciou décadas de guerra civil. Luanda, sua capital, fundada pelos colonizadores portugueses em 1576, se via ocupada por uma larga população de pessoas oriundas de outras províncias mais lesadas. A guerra desterrou milhares de angolanos de suas terras natal, tornando assim, a capital, uma zona de refúgio, entre eles, os povos da província do Bengo, Cuanza Norte, Malanje, Zaire, pelo Norte; e Benguela, Cuanza Sul, Huambo e Huíla, pelo Sul. Todos esses grupos apresentavam hábitos linguísticos, culturais e sociais diferentes. Três fatores são importantes durante esse processo: o deslocamento em massa para o centro-capital, a instabilidade econômica e, por último, a ausência de políticas públicas que dessem conta da realidade pela qual passava o país (SANTOS, 2011).

Segundo o sociólogo angolano Katiavala (2016), as migrações forçadas para as zonas urbanas em busca de segurança causaram alterações profundas no mundo rural principalmente pelo abandono das plantações e mesmo dos povoamentos (residências). Para ele, estima-se que entre 1998 e 2002, mais de 4 milhões de camponeses se deslocaram. Com o fim da guerra, em 2002, não houve o regresso esperado das pessoas para as aldeias de origem. Na verdade, as famílias foram se estabelecendo em outras localidades, principalmente nas imediações da capital Luanda e com isso algumas regiões ficaram, por algum tempo, completamente desabitadas.

Na aldeia de Cavissi II, localizada no município da Cacula, província da Huíla, um grupo de mulheres mais velhas nos contaram um pouco sobre esses fluxos migratórios:

No tempo colonial, a gente já vivia aqui. No tempo dos escravos. A gente chegou a trabalhar quando criança para os colonos. (...) Nossos bisavós já andavam por Luanda para conseguir algum negócio; com a venda de alguns produtos que eles conseguiam plantar. Naquela época, o café era o principal produto plantado na região, mas a gente tinha que sempre sair para trabalhar em outras regiões para fugir da seca e, depois de 1975, da guerra.9 (Trecho de entrevista concedida por Maria, 96 anos, moradora da aldeia Cavissi II, Cacula, Huíla, Angola, agosto de 2018)

Quem migra hoje é prioritariamente homem e jovem, de 18 a 25 anos principalmente, podendo haver casos de mulheres que saem das comunidades rurais para a comercialização dos produtos agrícolas nos principais centros comerciais das províncias de origem ou mesmo da capital do país. Também ouvimos relatos de homens que saem mais cedo, a partir dos 15 anos de idade e que acabam prestando serviços para o comércio informal ou ocupando postos de trabalho tanto na construção civil, quanto nas fazendas empresariais, em geral com sistemas de diárias ou de trabalho por produção.

Seu João, de 56 anos, morador da aldeia Sakaliñga, localizada no município da Caála, na província de Huambo, nos contou que migrou várias vezes para a capital Luanda e que tem familiares (filhos e sobrinhos) na região de Kikuxi, província de Luanda, trabalhando em fazendas agrícolas empresariais. Ele afirmou que se deslocou por necessidade de complementar a renda familiar. Saiu algumas vezes para vender produtos excedentes de sua lavra e também acabou prestando serviços no comércio informal em Luanda e em armazéns localizados no populoso e periférico bairro do Benfica.

Já outro lavrador, André, de 28 anos, morador da aldeia Cavissi II, localizada no município da Cacula, na província da Huíla, nos contou que costuma sair sempre para a capital Luanda e passar “um tempo” para conseguir algum dinheiro. O período em que ele passa fora da aldeia é mais ou menos próximo ao relato dos demais lavradores (entre março/abril até outubro/novembro; uma média de seis meses), período anterior ao plantio. Muitas vezes, a colheita é feita pelas mulheres e/ou filhos, entre maio e julho, dependendo do cultivo. Os produtos mais plantados nas aldeias visitadas eram milho, mandioca, feijão, batata rena (conhecida no Brasil como batata inglesa), cenoura, abóbora, amendoim (chamado de ginguba) e algumas hortaliças. Segundo os relatos, as crianças começam a trabalhar ajudando os pais na lavoura a partir dos 10 anos. Mas antes disso, já ajudam em serviços de casa ou mesmo para pisar o milho, a massambala ou o massango, tipos de cereais comuns na região.

André nos contou que costuma sair para vender seus produtos agrícolas excedentes de suas lavras e, com o tempo, obteve recursos para comprar uma motocicleta. Na cidade, faz serviço de mototáxi, chamado de kupapata. Ele conseguiu comprar a carroceria e hoje sua motorizada de três rodas é o principal transporte das pessoas e mercadorias da aldeia para o município da Cacula. Segundo o diretor geral da ADRA, Belarmino Jelembi, a principal dificuldade dos lavradores de Angola na atualidade está relacionada à falta de transporte e de estradas para o escoamento de produtos agrícolas, além da assistência técnica para as famílias.

O lavrador, que conseguiu com trabalhos informais na cidade juntar algum recurso para comprar uma moto, hoje consegue suprir tanto o deslocamento de seus produtos para a comercialização nas praças10 em centros urbanos quanto levantar algum recurso para a compra de animais, como porcos, cabras e até gados. Mas, ele afirma que se não saísse para complementar a renda de sua família, não conseguiria sobreviver somente de sua plantação. Conforme estudado por Garcia Jr. (1989), em “O sul: caminho do roçado”, se há cálculo da distribuição do tempo dos membros da unidade doméstica a ser despendido com agricultura e outras atividades complementares para a renda da família, também há cálculo para saber quando os recursos em dinheiro devem passar da agricultura para o negócio ou do negócio para a agricultura.

Formas cotidianas de resistência

Tanto nos casos dos camponeses do Maranhão, no Brasil, quanto nos das províncias de Angola, identificamos estratégias de sobrevivência para a reprodução familiar e para a própria manutenção da ‘condição camponesa’ que mais se assemelham com o que James Scott (2002; 2011) chama de formas cotidianas de resistência.

O conceito de resistência cotidiana é a expressão da luta prosaica e constante entre os integrantes das classes dominadas e aqueles que deles buscam extrair trabalho, comida, impostos, renda e juros.

(...) Ela se expressa na forma de corpo mole, dissimulação, falsa aquiescência, furto, ignorância fingida, calúnia, incêndio ou sabotagem. Assim, a ausência de formas mais visíveis de oposição política, como rebeliões ou greves, não reflete uma “hegemonia” ideológica e a aceitação passiva da ordem estabelecida pelos dominados, e sim circunstâncias — que são mais as regras do que a exceção — em que uma ação aberta e organizada seria demasiado perigosa (SCOTT, 2002, p. 1).

Durante estudos realizados nas últimas décadas no Maranhão, encontramos situações às quais este conceito de Scott nos ajuda a entender melhor a dinâmica de algumas famílias de trabalhadores que se submeteram a condições de trabalho análogas à de escravos, caracterizadas como crime no Artigo 149 do Código Penal Brasileiro. No município de Codó, em 2015, entrevistamos um trabalhador resgatado por três vezes, destas condições, por equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho. A explicação dele tinha a ver com a dificuldade de acumular recursos para a compra de materiais de construção para reformar parte de sua casa e construir outra. Para ele, o jeito foi de ‘entrar e sair da condição de escravizado’ ao praticar a atividade de roço da juquira, limpeza do pasto para o plantio de capim, em fazendas de gado localizadas no mesmo município maranhense. Com o controle da lógica da fiscalização daquelas condições de trabalho e ciente do desfecho das mesmas — cálculo de verbas rescisórias e garantia de acesso ao seguro-desemprego —, o trabalhador informou que além da primeira vez, que foi resgatado, retornou por mais duas vezes para trabalhar na mesma atividade, permanecendo um pouco mais de uma semana, fugindo e denunciando aos órgãos competentes a prática do trabalho na fazenda. Dessa forma, ele teve acesso ao seguro-desemprego por três vezes em menos de dois anos, o que lhe garantiu a reforma desejada de sua casa, que era de barro, e na ocasião da entrevista já era de alvenaria, localizada num bairro periférico de Codó, Maranhão.

Também identificamos práticas semelhantes às verificadas por Scott em seu estudo com produtores de arroz na Malásia,11 durante trabalho de campo realizado numa aldeia localizada na província da Huíla, sul de Angola, em agosto de 2018. Na ocasião, ao conversar com um camponês sobre suas estratégias de sobrevivência para a reprodução familiar, ele narrou alguns deslocamentos temporários e sazonais que costumava fazer para a região norte do país, próximo à capital Luanda. Ao descrever as lógicas de migração, que unia tanto o comércio do excedente de sua produção agrícola quanto a ocupação em atividades temporárias em fazendas empresariais e construção civil, ele informou que fazia sempre essas viagens temporárias com a anuência de sua esposa, mas sem pedir permissão ao soba, autoridade tradicional da aldeia e a quem ele deveria pedir autorização para a saída em busca de trabalho fora da lavoura.

Essas duas situações demonstram que apesar da condição de “dominados”, esses trabalhadores encontram formas cotidianas de resistência com o intuito de garantir a sobrevivência de suas famílias ou ainda a manutenção de suas atividades agrícolas, complementando a renda com outras atividades fora da lavoura. Estes atos nem sempre obedecem a normas locais ou a valores morais presentes nas comunidades. São conhecidos das outras pessoas da comunidade, que em alguns casos também os praticam, mas não possuem uma organização coletiva nem tampouco fazem parte de uma prática estimulada por organizações de trabalhadores.

Em muitos casos, a necessidade de migrar também pode ser entendida como uma prática de resistência cotidiana; seja para a sobrevivência no campo, seja para a busca de novas oportunidades na cidade.

Por que migrar: principais motivos e formas com que se dão os deslocamentos

A decisão de migrar é complexa. Envolve fatores objetivos e subjetivos que devem ser analisados cuidadosamente. O fato é que as condições dos sujeitos bem como as suas relações com suas redes sociais e também com as oportunidades ofertadas para os deslocamentos, podem ajudar nesta tomada de decisão (FAZITO, 2002).

No caso dos camponeses do Maranhão, na última década e meia, a decisão de migrar está muito relacionada à questão da complementação da renda para a reprodução familiar, uma vez que a maioria das famílias de camponeses foi expulsa de suas terras no contexto do incentivo ao latifúndio. No caso dos mais jovens, a essa decisão se juntam os sonhos e desejos de migrar, relacionada ao consumo de bens simbólicos que as cidades oferecem (RAICE, 2016).

Segundo Menezes (2002), as migrações internas no Brasil constituem estratégias importantes para a reprodução social das famílias camponesas, e têm assegurado a permanência desses trabalhadores em suas cidades natais, e não o desenraizamento como outrora se pensou (MARTINS, 1988).

Durante o nosso estudo cruzado de grupos de camponeses no Maranhão e nas províncias do Sul de Angola, ficou claro que os locais de moradia bem como a relação com a terra onde cultivam os produtos agrícolas, definem os principais motivos das migrações (na maior parte dos casos analisados, sazonais) para trabalhar fora da lavoura.

No Maranhão, a maioria dos lavradores reside nas chamadas pontas de rua (HEREDIA, 1988), periferias de municípios (principalmente de Codó e Timbiras) próximos às suas roças, em sua maioria de subsistência. Neste contexto, a precisão (MOURA, 2009), isto é, a necessidade extrema na busca da sobrevivência, é um dos principais motivos apontados pelos sujeitos. Essa é a razão que os faz migrar para trabalhos temporários e sazonais, muitas vezes em períodos relacionados ao calendário agrícola. Migram depois de terem plantado, no caso estudado, o arroz e demais produtos da roça de subsistência, deixando familiares ou ainda pagando diárias para terceiros ajudarem na colheita. Neste caso, passam fora de casa uma média de 6 a 8 meses do ano. O destino é principalmente fazendas de gado ou agropecuárias localizadas no Maranhão ou fora do estado e construção civil principalmente nas regiões central, sudeste e sul do Brasil. No contexto do diagnóstico realizado junto ao projeto RAICE (2016), citado anteriormente, identificamos essa lógica de migração também em outras regiões do estado, como a baixada maranhense, no município de Monção, e na região sudoeste do estado, que reuniu os municípios de Açailândia, Santa Luzia e Pindaré Mirim.

No caso das províncias do sul de Angola, a relação dos camponeses com a terra é diferente, uma vez que a maioria planta não somente para a subsistência, mas para produzir um excedente na agricultura familiar que é vendido em praças localizadas em geral nas sedes dos municípios ou ainda nas capitais das províncias. Os principais produtos plantados e comercializados são milho, mandioca, feijão, batata doce, batata rena (inglesa), cenoura, abóbora, amendoim (chamado de ginguba), tomate e algumas hortaliças. Nesses casos, os camponeses residem nas aldeias, em moradias próprias, localizadas próximas à lavoura.

A maior parcela dos migrantes do sul de Angola disputa espaço na economia informal em Luanda e adjacências da capital do país ou ainda em capitais das províncias em que são originários. Além da venda dos produtos agrícolas, esses migrantes realizam serviços gerais como carregadores de mercadorias em armazéns, chamados de bagageiros, ou ainda para o deslocamento das mesmas para pequenas distâncias com carros de mão, construídos em geral de madeira. Esses são chamados de raboteiros. Essas duas atividades são mais ocupadas pelos homens. O ato de vender, seja em mercados informais abertos, denominados em Angola de praças, seja de forma ambulante, nas ruas, é denominado de zunga; e quem exerce essa atividade são zungueiros. Como a maior parte da venda é feita por mulheres, a categoria é mais utilizada no feminino: zungueiras (SANTOS, 2011).

Quando os migrantes conseguem acumular algum recurso, geralmente investem na compra de uma moto e começam a prestar serviços de mototáxi, também conhecidos no país como kupapatas. Diante do caos do trânsito em Luanda e das poucas opções de transporte coletivo público, os kupapatas transportam pessoas e mercadorias, principalmente os que colocam atrás das motocicletas uma espécie de carroceria, tornando o veículo de três rodas e conseguindo transportar mais gente e coisas ao mesmo tempo.

Os camponeses angolanos entrevistados identificam como dificuldades para reprodução familiar a falta de estrada entre as aldeias e as sedes dos municípios e de transporte para o escoamento dos produtos agrícolas. Diante disso, improvisam formas de fazer chegar esses produtos até as praças, principalmente com os kupapatas. Eles também contam com “caronas” em caminhões e carros com carrocerias que circulam na região, mas que nem sempre podem contar.

Além da saída para a venda dos produtos, que duram em média uma semana nas sedes dos municípios e capitais das províncias e até um mês quando chegam até a capital Luanda, nos grandes mercados, os camponeses também relataram fluxos migratórios para outras regiões do país. Isso ocorre, principalmente, com as chamadas fazendas empresariais (ADRA, 2004) e com os serviços auxiliares na construção civil em Luanda ou demais províncias localizadas no norte de Angola.

Nas migrações sazonais para trabalho fora da lavoura, semelhantes aos estudos no Maranhão, os camponeses preparam o plantio antes, deixando a manutenção das lavras e a colheita para a esposa, filhos ou ainda terceiros. Neste caso, os fluxos migratórios sazonais ocorrem mais no período do inverno, conhecido no país como cacimbo.12

Quadro 1: Condições dos migrantes comparadas

Maranhão, Brasil Huambo, Huíla e Benguela, Angola
Questão fundiária Trabalhadores rurais expulsos de suas terras; produtores de pequenas roças de subsistência Lavradores produtores de pequenas lavras para fins de comercialização e subsistência
Campesinato Agricultura familiar e/ou coletiva de subsistência Agricultura familiar e/ou coletiva com venda de produtos excedentes
Local de moradia

Periferia dos municípios/ “pontas de rua” (HEREDIA, 1988) localizadas geralmente na zona urbana próxima das roças de subsistência, geralmente terras alugadas ou de pequenas porções de terra próximas de onde moravam antes de serem expulsos

Em alguns casos, moradores de povoados localizados próximos às plantações

Aldeias (“terras de família”)

(localizadas na zona rural, próxima às plantações)

Histórico de migrações Contexto dos grandes projetos de desenv olvimento/fronteiras agrícolas na Amazônia, garimpos/fuga da seca do Nordeste Contexto de Guerra Civil (1975-2002): migração forçada para fugir dos bombardeios e, em alguns casos, da seca e fome
Principais motivos das migrações atuais Busca de trabalho para a sobrevivência: trabalho por precisão (MOURA, 2009) e/ou complementação da renda das famílias que plantam roças de subsistência; ou ainda tentativa de ‘ganhar a vida’ nos centros urbanos Venda dos produtos em praças localizadas nas sedes dos municípios ou em capitais das províncias (zunga); trabalho em fazendas empresariais e construção civil localizadas principalmente na região Norte, próxima à capital Luanda, em busca de recursos para complementação da economia familiar; trabalho informal e demais atividades para se estabelecerem nos centros urbanos
Principais fluxos migratórios e atividades produtivas

Regional: fazendas de gado (roço da juquira), carvoarias e garimpos no estado do Maranhão ou em estados vizinhos (como Pará e Tocantins)

Nacional: empreendimentos do agronegócio (como corte da cana, por exemplo), construção civil ou demais atividades em outros estados brasileiros, principalmente localizados nas regiões central, sudeste e sul do país

Internacional: garimpo, principalmente nas Guianas Francesa, Inglesa e no Suriname.

Regional: comercialização de produtos excedentes da produção agrícola familiar em praças localizadas nas sedes dos municípios ou capitais das províncias ou ainda pequenos biscates nessas regiões (construção civil, comércio informal)

Nacional: trabalho informal, fazendas empresariais e construção civil na região Norte, principalmente nas imediações da capital Luanda

Tempo que permanecem fora (migrações sazonais) Média de 6 meses.

Média de 6 meses para trabalho fora da lavoura.

No caso da comercialização dos produtos em localidades mais próximas, os deslocamentos variam de 1 semana a 1 mês.

Relação entre o calendário agrícola e as saídas para trabalho fora dos locais de origem/moradia Costumam sair entre maio e agosto e retornam até dezembro para casa. A plantação do arroz acontece entre dezembro e março, dependendo da quantidade de chuva de cada ano. A colheita se dá em julho, principalmente. Quando os migrantes não estão em casa, deixam outras pessoas da família ou do povoado encarregados da colheita. Costumam sair entre março e abril e retornam até setembro para casa, após o cacimbo (inverno, tempo mais seco e frio) e esperam a chuva (verão) para plantar. Alguns relataram que saem em junho para voltar em dezembro, mas nesses casos deixam outras pessoas da família ou da aldeia encarregados do plantio.
Mercado de trabalho dos migrantes fora dos seus locais de origem/moradia Serviços de retirada de tocos, cercamentos, roço da juquira nas fazendas de gado; plantio ou colheita nas fazendas do agronegócio; corte de cana; derrubada da mata e demais atividades em carvoarias; serventes e auxiliares de pedreiros na construção civil; bicos com serviços gerais ou como segurança temporária em pequenas empresas. Comércio informal para a venda dos produtos excedentes da agricultura familiar; plantio e colheita em fazendas empresariais; serventes e auxiliares de pedreiros na construção civil e ainda trabalho informal como zungueiros, bagageiros, raboteiros e kupapatas.
Fonte: A autora, 2018.

Estudos cruzados: formas de sujeição e trabalho degradante

Os casos estudados colocam o desafio de entender os processos sociais que vêm se configurando com a manutenção da família na terra, dependendo do assalariamento ou de recursos externos advindos da venda dos excedentes da produção em mercados locais ou da prestação de serviços na economia informal.

O fato é que na busca de trabalho em Luanda, com a baixa escolaridade e a pouca qualificação profissional, os camponeses acabam se sujeitando a trabalhos degradantes, seja em serviços gerais, chamados de biscates, seja em trabalhos temporários na construção civil ou em fazendas empresariais.13 As fazendas agrícolas ou agropecuárias encontram-se concentradas principalmente nas províncias do Kwanza Sul, na região sul do país, ou nas imediações de Luanda ou província do Bengo, localizadas ao norte. No caso da construção civil, o principal local de atração desses trabalhadores é a própria capital ou ainda algumas capitais das províncias, como o caso de Malanje e Bié, ao norte, ou Lubango, na Huíla; Benguela e Huambo, ao sul.

Seu Pedro, de 39 anos, lavrador e morador da aldeia Ndende sede, localizada no município de Ganda, na província de Benguela, relatou a saída de vários jovens para a construção civil tanto na sede da província de Benguela quanto para a capital do país. As obras que eles trabalham são, em sua maioria, gerenciadas por chineses.14 Segundo relatos de seu Pedro, em Viana, um distrito de Luanda, os trabalhadores se hospedam em alojamentos enquanto buscam trabalho na construção civil. Lá, eles chegam por intermédio de redes de familiares, vizinhos ou compadrios, que indicam as possibilidades de trabalho, e enfrentam uma fila nos canteiros de obras em busca de oportunidades, principalmente de serventes (ajudantes) de pedreiro. Quando conseguem um trabalho, alguns passam a dormir no próprio local da obra, em situações precárias e insalubres (com muita poeira), segundo seu Pedro. Para ele, muitos dormem em luandos, espécie de tapetes de palha, espalhados pelos canteiros de obras. Em geral, o contrato é verbal e os ajudantes de pedreiros recebem 35.000 kwanzas por mês (o que equivale a R$ 531,17 de acordo com o câmbio de dezembro de 2018). Trabalham em média de três a cinco meses numa obra, por aproximadamente 10 horas de trabalho diário com um descanso de 30 minutos para o almoço. A alimentação é por conta do empregador, mas os gastos com deslocamento das aldeias até os centros urbanos, bem como o retorno às aldeias, ficam por conta dos trabalhadores. De acordo com seu Pedro, para trabalhar com chineses “não pode ter moleza”. A fala, no contexto da entrevista, indica uma rigidez com que os chineses levam a rotina de trabalho, com jornadas exaustivas e quase sem descanso.

Seu João, de 56 anos, morador da aldeia Sakaliñga, localizada no município da Caála, na província de Huambo, contou que seus familiares encontravam-se (no momento da entrevista) trabalhando em uma fazenda agrícola no Kikuxi, localizada próximo de Luanda. Dois sobrinhos e um filho tinham saído da aldeia em abril daquele ano e deviam retornar em outubro, por conta do plantio. Segundo o lavrador, eles trabalham em sistema de diária e tiram, em média, 500 kwanzas (R$ 7,59) por dia, mas o pagamento era feito quinzenalmente, no valor de 7.500 kwanzas (equivalente a R$ 113,82). Ele conta que a alimentação e o dormitório são de responsabilidade do gerente da fazenda, mas que lá existe uma cantina para os gastos dos trabalhadores, como uma merenda, cigarro ou bebida. Ao final de cada 15 dias, os gastos são descontados do valor acordado. O contrato é verbal e, caso o trabalhador adoeça, precisa ir embora da fazenda. Na mesma aldeia, houve relatos de outras pessoas que estavam trabalhando em fazendas agropecuárias localizadas na província do Kwanza Sul; outro local de destino desses migrantes para fins de trabalhos temporários. Segundo relatos, a diária nessa região é de 1000 kwanzas (equivalente a R$ 15,18).

As condições de trabalho narradas pelos entrevistados em Angola nas fazendas empresariais e na construção civil são muito parecidas com as relatadas por trabalhadores maranhenses encontrados em condições análogas à de escravos e resgatados em fiscalizações pelo Ministério do Trabalho. Além de jornadas exaustivas, condições degradantes e baixos salários, a dívida aparece nos relatos dos angolanos com as cantinas localizadas dentro das fazendas e próximo dos canteiros de obras. Também encontramos relatos de violência física e/ou psicológica com ameaças, muito próximas de situações narradas em estudos brasileiros que caracterizam, de forma sociológica e não somente jurídica, a escravidão contemporânea (ESTERCI, 1994; FIGUEIRA, 2004; MOURA, 2009).

Considerações finais

Identificamos neste estudo diferentes estratégias de sobrevivência (GARCIA JR, 1989; HEREDIA, 1988) e formas cotidianas de resistência (SCOTT, 2002) de camponeses do Maranhão, Brasil e de três províncias do Sul de Angola (Huambo, Huíla e Benguela), em busca da garantia da reprodução familiar. Devidas às especificidades econômicas, políticas, sociais e culturais dos dois contextos comparados, essas estratégias variam de acordo com as posições que esses sujeitos ocupam, principalmente com relação à terra (ao trabalho agrícola familiar) e ao trabalho fora do local de origem.

Os trabalhos que os migrantes camponeses encontram fora de suas localidades ora servem para auxiliar na complementação da economia familiar e na própria manutenção de roças e lavras, como para vender o excedente da produção agrícola familiar; ou ainda para o trabalho informal nos municípios ou capitais, presentes nos relatos dos camponeses angolanos; ora acabam atrapalhando o ciclo de complementação da renda familiar e sujeitando a trabalhos degradantes, mais próximos das condições análogas à de escravos. Estes casos geralmente ocorrem com trabalhadores mais jovens que nem sempre querem continuar com o trabalho agrícola familiar (relatos presentes nos dois casos estudados) ou saem em busca de trabalho pela insuficiência da agricultura familiar para a sua reprodução social ou sustento de sua família, como os casos relatados pelos camponeses brasileiros.

O estudo demonstra também que os processos de migração para o trabalho fora das áreas de origem e da agricultura familiar são comuns aos dois contextos, mesmo que sejam por motivos diferentes: no Brasil, mais propriamente no Maranhão, no contexto do latifúndio e consequente expulsão dos camponeses das terras coma formação das fronteiras agrícolas e no garimpo na Amazônia; em Angola, principalmente devido ao contexto de guerra civil, que perdurou desde a independência de Portugal, em 1975, até 2002; e mais recentemente por necessidades parecidas com as dos camponeses maranhenses: o de sobrevivência e manutenção da economia familiar.

Percebemos nos dois contextos uma ruralidade que perpassa o território do campo e adentra os grandes centros urbanos e, por outro lado, uma urbanidade que os migrantes carregam para seus locais no retorno de trabalhos sazonais principalmente a partir dos bens de consumo e das próprias relações que passam a estabelecer com o seu local.

O estudo cruzado sobre migração e campesinato entre os casos do Maranhão e das províncias do Sul de Angola nos indica que apesar de estratégias de sobrevivência e de resistências cotidianas encontradas nos duas localidades, as formas com que essas situações são vivenciadas pelos trabalhadores estão relacionadas aos contextos históricos, sociais e culturais de cada país e região que precisam ser entendidos para a compreensão da multiplicidade de características que este fenômeno tão complexo carrega.

Referências

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  1. A pesquisa foi realizada durante estágio pós-doutoral, em 2018, junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sob a supervisão do professor Dr. José Ricardo Ramalho.↩︎

  2. O trabalho de campo, realizado em agosto de 2018 em três aldeias localizadas no Sul de Angola, contou com a colaboração do jornalista e mestrando angolano Osmilde Augusto Miranda, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, Brasil.↩︎

  3. Principalmente plantio e colheita em monoculturas ou atividades de cercamento, desmatamento ou retirada de mato e toco para plantio de capim em fazendas de gados.↩︎

  4. Os respectivos anos indicam a realização de trabalhos de campo realizados em pesquisa anteriores sobre migrações e campesinato no Maranhão.↩︎

  5. A economia da precisão implica, pelo lado da oferta, uma situação em que as alternativas de trabalho oferecidas mostram-se limitadas e, pelo lado da demanda, a situação de um contingente de trabalhadores com baixo nível de qualificação, pertencentes a famílias em condição de vulnerabilidade (CARNEIRO; MOURA, 2016).↩︎

  6. O autor afirma que os objetivos eram econômicos, mas sobretudo geopolíticos. “O lema da ditadura era”integrar" (a Amazônia ao Brasil) “para não entregar” (a supostas e gananciosas potências estrangeiras). Os militares falavam em “ocupação de espaços vazios”, embora a região estivesse ocupada por dezenas de tribos indígenas, muitas delas jamais contactadas pelo homem branco, e ocupada também, ainda que dispersamente, por uma população camponesa já presente na área desde o século 18, pelo menos" (MARTINS, 1994, p. 13).↩︎

  7. Nome dado a pequenas porções de plantação; unidade de medida similar à que se chama no Maranhão de linha de roça plantada.↩︎

  8. Os nomes de todos os entrevistados apresentados neste artigo são fictícios com o objetivo de preservação da identidade dos mesmos.↩︎

  9. As entrevistas realizadas nas três aldeias visitadas no sul de Angola tiveram tradução simultânea de agentes da ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural de Angola), ONG que atua nas localidades visitadas. Os entrevistados, em geral, entendiam o português, mas pouco falavam. A língua nacional falada nesta região é umbundo, originária do povo da linhagem ovimbundo, etnia bantu de Angola.↩︎

  10. Pequenos mercados a céu aberto onde os lavradores se reúnem para vender seus produtos agrícolas e/ou trocar por outras mercadorias, como roupas, utensílios domésticos ou ainda materiais de limpeza e higiene ou demais produtos alimentícios não produzido nas suas lavras. Nas praças, os produtos agrícolas são expostos em sua maioria sobre panos ou pedaços de plástico no chão ou em pequenas barracas de madeira improvisadas.↩︎

  11. O estudo está descrito na obra Weaponsof de Weak: everyday forms of peasant resistance (1985), (Armas dos fracos: formas cotidianas de resistência camponesa).↩︎

  12. O cacimbo é denominado o período considerado de inverno em Angola, mais seco e frio, entre abril e setembro, tendo pequenas variações do período dependendo da região do país. O nome se dá devido à neblina comum nas manhãs deste período, chamadas no país de cacimbo.↩︎

  13. Assim são chamadas as grandes fazendas agrícolas ou agropastoris que foram sendo reconstruídas no pós-guerra em Angola, geralmente ligadas diretamente ao governo (fazendas públicas) ou a generais e empresários ligados ao governo (fazendas particulares com incentivos fiscais facilitados). (ADRA, 2004)↩︎

  14. Em Angola, principalmente no pós-guerra, a partir de 2002, o governo começa a facilitar os incentivos fiscais para empresários montarem seus negócios na busca da reconstrução nacional. Neste contexto, houve uma atração de chineses para investirem no país. O resultado é que atualmente é muito comum os canteiros de obras serem gerenciados principalmente por chineses e brasileiros.↩︎

Resumo:
O texto traz reflexões acerca de estratégias e fluxos migratórios de grupos de camponeses em busca de trabalho fora de suas lavouras como forma de complementar renda e garantir a reprodução familiar. O artigo é resultado de um estudo comparativo entre situações acompanhadas no estado do Maranhão, Brasil, (CARNEIRO & MOURA, MOURA, 2008; MOURA, 2009; MARINHO, 2010; SOUSA, 2011) com casos investigados, durante trabalho de campo realizado em 2018, em três aldeias angolanas, localizadas nas províncias de Huambo, Huíla e Benguela. Identificamos diferentes estratégias de sobrevivência (GARCIA JR., 1989 e HEREDIA, 1988) e formas cotidianas de resistência (SCOTT, 2002) de camponeses brasileiros e angolanos em busca da garantia da reprodução familiar. Devidas às especificidades econômicas, políticas, sociais e culturais dos dois contextos comparados, essas estratégias variam de acordo com as posições que esses sujeitos ocupam, principalmente com relação à terra (ao trabalho agrícola familiar) e ao trabalho fora do local de origem.

Palavras-chave:
Migração; trabalho; reprodução familiar; Brasil; Angola.

 

Abstract:
The text brings reflections about strategies and migratory flows of groups of peasants in search of work outside their fields as a way to supplement income and guarantee family reproduction. The article is the result of a comparative study between situations monitored in the state of Maranhão, Brazil (CARNEIRO & MOURA, MOURA, 2008; MOURA, 2009; MARINHO, 2010; SOUSA, 2011), in three Angolan villages, located in the provinces of Huambo, Huíla and Benguela. We identified different survival strategies (GARCIA JR, 1989; HEREDIA, 1988) and daily forms of resistance (SCOTT, 2002) of Brazilian and Angolan peasants seeking to guarantee family reproduction. Due to the economic, political, social and cultural specificities of the two contexts compared, these strategies vary according to the positions that these subjects occupy, mainly in relation to the land (to the agricultural family work) and to the work outside the place of origin.

Keywords:
Migration; labor; family reproduction; Brazil; Angola.

 

Recebido para publicação em 07/05/2019
Aceito em 08/02/2021