Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 3, nov. 2022/fev. 2023
DOI: 10.36517/rcs.2022.3.a03
ISSN: 2318-4620

 

 

O Novo Mais Educação e sua apropriação por uma escola municipal de Fortaleza

 

Glaucia Maria Pinheiro da Silva Pinheiro OrcID
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
glaucia.s.pinheiro@gmail.com

Isaurora Cláudia Martins de Freitas OrcID
Universidade Estadual Vale do Acaraú, Brasil
isaurora68@gmail.com

 

Introdução1

No Brasil, a qualidade da educação básica sempre foi um desafio, sobretudo considerando as origens históricas do nosso sistema de ensino que se ergueu com base na dicotomia escola e mundo do trabalho, “justificando, assim, a estruturação no país de um sistema dual de ensino, nos moldes europeus, mas guardando as especificidades da realidade brasileira” (AZEVEDO, 2001, p. 20), assentada numa profunda estratificação social e traduzida nas diferenças entre o ensino público e o ensino privado que reforçam as desigualdades e criam um abismo cultural e social entre os filhos das classes trabalhadoras e os filhos das elites.

De acordo com Libâneo (1995), a escola deve ter como um de seus objetivos “garantir a todos o saber e as capacidades necessárias a um domínio de todos os campos da atividade humana, como condição para redução das desigualdades de origem social”. (LIBÂNEO, 1995, p. 96). Desse modo, elaborar políticas públicas de educação que promovam a melhoria da qualidade do ensino público e, consequentemente, a equidade social, tem sido uma das tarefas mais urgentes dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal. Dentre as políticas educacionais atualmente em curso no Brasil, destacamos neste texto o Programa Novo Mais Educação (PNME), instituído pela Portaria n° 1.144/2016, do Ministério da Educação (MEC) e regido pela Resolução FNDE nº 17/2017. O programa visa a melhoria do desempenho dos alunos do ensino fundamental nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, por meio da ampliação da jornada escolar e da otimização do tempo de permanência na escola.

Considerando que o PNME é indutor de uma política de escola de tempo integral, tomamos como objetivo analisar como ele foi apropriado e utilizado em uma escola pública municipal de Fortaleza, capital do Ceará, e seus impactos no cotidiano escolar, na formação e na aprendizagem dos alunos.

O campo de pesquisa foi a Escola Municipal José Sobreira de Amorim, localizada no bairro Cajazeiras. A escolha da escola deveu-se aos baixos níveis do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)2 alcançados em avaliações anteriores a 2017, bem como ao fato de encontrar-se localizada em um dos bairros com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A ampliação do tempo diário na escola responde às demandas por mudanças na educação escolar no Brasil, uma vez que a escola, como instituição que se destina não só a socializar, mas a educar e a selecionar os sujeitos que por ela passam (DUBET, 1994), tem enfrentado constantes crises na contemporaneidade. Tais crises têm a ver com as mudanças verificadas nos processos de socialização dos indivíduos, fazendo com que a escola hoje concorra com outras agências socializadoras (meios de comunicação de massa, redes sociais, grupos de pares etc.). No caso do Brasil, as crises se agravam devido às desigualdades sociais e ao fato de que, apesar do recente processo de massificação da educação escolar, que fez aumentar o número de jovens nas escolas, ainda não conseguimos resolver os problemas básicos relacionados à qualidade do ensino e à permanência dos jovens na instituição, especialmente nas escolas públicas.

A demanda, por parte das prefeituras e estados, bem como das instituições de ensino e da sociedade, pela escola em tempo integral busca garantir o acesso a atividades diferenciadas e significativas que alavanquem um ensino de melhor qualidade. Tal demanda também se configura, no discurso sobre a educação pública de alguns setores da sociedade, como medida preventiva, uma vez que há a crença de que, passando mais tempo na escola, as crianças e jovens expostas a contextos de vulnerabilidade social estariam afastadas dos comportamentos considerados nocivos ao meio social (criminalidade, uso de drogas, prostituição etc.). É o que Cavaliere (2007) chama de “visão autoritária” da educação integral, ou seja, aquela que vê a escola de tempo integral como “uma espécie de instituição de prevenção ao crime.” (CAVALIERE, 2007, p. 1029).

Ante o contexto explicitado, essa pesquisa se mostrou necessária e oportuna diante das recentes mudanças no cenário educacional brasileiro, que tomam como foco a elevação da aprendizagem dos alunos e o funcionamento das escolas em tempo integral.

O arcabouço teórico e conceitual do estudo fundamentou-se em dois eixos de análise: O Programa Novo Mais Educação como política pública indutora da escola de tempo integral e a qualidade da educação por via do Novo Mais Educação.

Pensando o Novo Mais Educação como política pública indutora da escola em tempo integral, buscou-se verificar de que maneira ele se constituiu como política voltada a estimular a ampliação da escola em tempo integral a fim de oferecer uma educação de melhor qualidade. No que se refere à qualidade da educação, buscou-se investigar a concepção de qualidade presente nessa política e como ela impacta no cotidiano escolar e no IDEB.

Neste trabalho, o termo “política pública” é pensado como “conjunto de ações voltadas para a garantia de direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinadas demandas em diversas áreas.” (SOUZA, 2006, p. 20). As políticas públicas educacionais estão ligadas a todas as medidas e decisões que regulam e orientam os sistemas de ensino em todos os níveis. (SOUZA, 2003, p. 25). Tendo o Estado como provedor e regulador, as políticas públicas pressupõem preferências, escolhas e decisões privadas que afetam a vida de todos e, por isso mesmo, devem ser controladas pelos cidadãos. (CUNHA, 2002, p. 12).

A qualidade é um dos princípios estabelecidos na Constituição de 1988 para a educação brasileira. No art. 206, lê-se que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VII — Garantia de padrão de qualidade.” (BRASIL, 2008). Tal princípio é reafirmado no art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996). Sabemos, no entanto, que, no que se refere ao ensino público, esse princípio ainda está longe de ser alcançado e por isso a melhoria da qualidade da educação encontra-se no centro das discussões da política educacional brasileira, discussões que se acentuam a cada dois anos, após a divulgação dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

O discurso de defesa da educação de qualidade para todos, em consonância com a ideia de educação integral, constitui-se com mais força a partir da Conferência Mundial Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990. O evento contou com a participação de cento e cinquenta países e marcou profundamente as reformas educacionais ocorridas nos anos 1990. Naquele momento, entraram em cena organismos internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que passaram a influenciar as políticas públicas educacionais, sobretudo nos países pobres ou em desenvolvimento, introduzindo uma “valorização da educação básica geral para formar trabalhadores com capacidade de abstração, polivalentes, flexíveis e criativos” que acaba por subordinar a educação à lógica do mercado num contexto de crise do sistema capitalista e de acirrada competitividade. (FRIGOTTO, 1995, p. 41).

Para Moacir Gadotti (2009), a educação integral ultrapassa as paredes da escola e está relacionada à forma como aprendemos nela. Faz-se necessário que mais tempo na escola esteja intimamente relacionado com a formação integral do ser humano, pois o indivíduo está sempre aprendendo. Para o autor,

o desafio é, portanto, agregar as diversas e diferentes experiências de educação integral, com dois aspectos em comum, a dimensão quantitativa — mais tempo na escola e seu entorno, quanto uma dimensão qualitativa — a formação integral do ser humano. (GADOTTI, 2009, p. 31).

Nesse sentido, analisando como o Programa Novo Mais Educação foi apropriado e utilizado pela Escola José Sobreira de Amorim e de que modo ele impactou o cotidiano escolar, a formação e a aprendizagem dos alunos, pretendemos dar conta de discutir as duas dimensões da qualidade na referida política pública.

Para alcançar os objetivos da pesquisa, adotamos uma abordagem metodológica de tipo qualitativa que permitiu o estudo do fenômeno a partir do contato direto com a realidade investigada, privilegiando a perspectiva dos sujeitos que dela participam para entender como o fenômeno se manifesta em seus múltiplos aspectos (BOGDAN; BLIKLEN, 1982 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11-13). Dentro dessa perspectiva, foram utilizadas quatro técnicas distintas: pesquisa documental; observação in loco; entrevistas individuais e em grupo.

A pesquisa documental foi feita analisando as leis, decretos, resoluções, portarias, artigos, sítios e dados obtidos em órgãos oficiais, como a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) e o Ministério da Educação (MEC), já que esses documentos fundamentam a política educacional.

A observação in loco foi feita a partir de visitas à escola para conhecer seu espaço físico, sua gestão e seu cotidiano, que inclui as atividades específicas do Programa Novo Mais Educação.

De acordo com Gaskell (2015), o mundo social é ativamente construído pelos indivíduos em suas vivências cotidianas sob condições objetivas que não foram estabelecidas por eles. A compreensão dos mundos de vida dos indivíduos e grupos sociais é o que fundamenta as entrevistas qualitativas. “A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação” (GASKELL, 2015, p. 65). Foi com o intuito de compreender como os indivíduos que vivenciam o cotidiano da escola José Sobreira de Amorim se relacionam e percebem o PNME que foram realizadas as entrevistas.

No primeiro momento, foram feitas entrevistas individuais do tipo semiestruturadas (combinando perguntas abertas e fechadas) com os sujeitos envolvidos com a implantação e execução do PNME na escola: a diretora, a coordenadora pedagógica, a orientadora educacional, a articuladora do Programa, o mediador e os facilitadores e professores.

No segundo momento, foram realizadas entrevistas em grupo com alguns alunos acompanhados pelo PNME. Foram selecionados alunos na faixa etária 10 a 12 anos, organizados em três grupos de dez alunos cada um. Os temas abordados foram: a importância do PNME para a escola e a comunidade; os desafios que a escola enfrenta com a implementação do PNME e o que deve melhorar no funcionamento do programa na escola.

Na sequência deste texto, apresentamos os aspectos gerais do Programa Novo Mais Educação, da concepção à implantação; mostramos como ele foi implantado em Fortaleza e na Escola José Sobreira de Amorim; seus impactos no IDEB da escola e as percepções da comunidade escolar sobre as atividades e os resultados obtidos com a implantação do Programa. A título de considerações finais, resumimos os principais achados da pesquisa e trazemos algumas recomendações para a melhoria dessa política pública.

O Programa Novo Mais Educação: Aspectos Gerais

Analisar uma política pública exige a compreensão do contexto histórico e político em que se deu a sua criação e efetivação. Assim, para entendermos o que é o Programa Novo Mais Educação e como e porque ele surgiu nos reportaremos, inicialmente, ao ano de 2007, quando surgiu o Mais Educação, programa que o antecedeu e que esteve na base da sua constituição.

O Programa Mais Educação foi criado pelo Governo Federal por meio da Portaria Interministerial n°17, de 24 de abril de 2007, e pelo Decreto n° 7.083, de 27 de janeiro de 2010, tendo como principal objetivo:

contribuir para a formação de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007)

Desde sua instituição, o programa foi implantado em escolas prioritárias (de baixo IDEB e situadas em territórios de vulnerabilidade social) das redes municipais e estaduais de ensino em todo o Brasil, com a intenção de ampliar tempos, espaços e oportunidades de aprendizagem no sentido de induzir uma jornada escolar ampliada, contribuindo, assim, com o desenvolvimento de uma política pública de Educação Integral, entendida como uma educação que não se restringe ao espaço escolar e que incorpora saberes diversificados que levem em conta o contexto de vida do estudante, além de incorporar novos atores ao processo educativo de crianças, adolescentes e jovens.

De acordo com o Ministério da Educação, em seu documento Mais Educação Passo a Passo,3 os estudantes teriam acesso a aulas e oficinas voltadas a proporcionar oportunidades de formação humana, cultural e de lazer, bem como inibir a evasão escolar. Nesse sentido, as escolas deveriam, obrigatoriamente, oferecer as seguintes atividades: uma atividade de acompanhamento pedagógico (focada em qualquer disciplina) com duração de seis horas semanais e outras três atividades escolhidas entre os macrocampos Educação Ambiental, Esporte e Lazer, Direitos Humanos, Cultura e Artes, Cultura Digital, Saúde, Comunicação e Investigação no Campo (aulas de campo com visitas a teatros, jardim botânico, zoológico, museus).

As atividades eram desenvolvidas por monitores voluntários,4 preferencialmente estudantes universitários, com formação específica nas áreas contempladas, ou pessoas da comunidade com habilidades apropriadas (como mestre de capoeira, contador de histórias etc.). Estudantes do ensino médio ou da Educação de Jovens e Adultos (EJA), também podiam desempenhar a função de acordo com suas competências e habilidades.

Por não ser um programa universal, o PME sempre esteve atrelado a critérios específicos de funcionamento, adesão e repasse de recursos, direcionados especificamente às escolas mais necessitadas, ou seja, com baixo índice no IDEB. Os autores Silva e Marcus (2002) consideram como programa um conjunto de ações concebidas que devem ser “realizadas dentro de cronograma e orçamentos específicos disponíveis para a implementação de políticas, ou para a criação de condições que permitam o alcance de metas políticas desejáveis” (SILVA; MARCUS, 2002, p. 18). Não se faz política pública sem orçamento, portanto, as políticas sociais do governo sempre dependem das políticas econômicas para o seu desenvolvimento. O Mais Educação, embora articulando concepções progressistas, gestão intersetorial e territórios educativos, sem orçamento suficiente e condições estruturais necessárias nas escolas, não conseguiu dar conta de muitos de seus pressupostos relacionados à Educação Integral. De acordo com Penteado (2014), o programa serviu mais como uma estratégia de reforço escolar do que como estratégia voltada às melhorias pedagógicas necessárias à educação integral e de qualidade.

A partir de junho de 2013, assistimos a uma crescente onda de manifestações pelo País, que revelou um processo de fragilidade das forças democráticas em construção, agravado pelas denúncias de corrupção dos homens públicos. No ano de 2016, mediante um conturbado processo de impeachment, que destituiu a presidente Dilma Roussef, subiu ao poder o vice-presidente Michel Temer, em 12 de maio de 2016, num embate travado entre forças pró e contra o projeto político vencedor nas urnas das eleições de 2014.

Com uma agenda própria intitulada Uma ponte para o Futuro, o governo Temer se propôs a acalmar o mercado financeiro e a elite econômica brasileira com um discurso de corte neoliberal que embasou uma política de controle e retenção de gastos. A redução dos gastos atingiu especialmente as áreas sociais, como saúde e educação, impondo mudanças nas políticas públicas nacionais. Em razão da crise política e econômica que recaiu sobre o Brasil, o Programa Mais Educação sentiu seus efeitos com a redução dos recursos financeiros destinados aos programas educacionais.

Com o atraso e a irregularidade nos repasses dos recursos advindos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)/Educação Integral, em muitas escolas, tornou-se inviável a continuidade do Programa, o que prejudicou também a adesão de novas escolas e as que continuaram o fizeram com incentivos programados do exercício anterior e redefiniram algumas atividades.

Somada a essa questão, foram divulgados os resultados de uma pesquisa realizada pela Fundação Itaú Social e Banco Mundial, no ano de 2015, denominada O Programa Mais Educação: Relatório de Avaliação Econômica e Estudos Qualitativos (FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, 2015), que evidenciou impactos nada significativos nas taxas de abandono escolar e nos resultados dos alunos nas provas de Matemática e Língua Portuguesa, pondo em xeque a operacionalização do Mais Educação, ocasionando mudanças no programa já no governo Dilma Roussef. Considerando as altas taxas de evasão escolar e os índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) nas escolas avaliadas,5 o MEC anunciou um novo formato para o Programa Mais Educação e, em 2016, por meio da Portaria Interministerial n° 1.144 de 10 de outubro, foi instituído o Programa Novo Mais Educação, cujo objetivo foi assim definido:

[...] melhorar a aprendizagem em língua portuguesa e matemática no ensino fundamental por meio da ampliação da jornada escolar de crianças e adolescentes, mediante a complementação da carga horária de cinco ou quinze horas semanais no turno e contraturno escolar. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2016).

Tal objetivo, no nosso entender, representa um retrocesso, se comparado ao objetivo central do Mais Educação, pois prioriza a aprendizagem em apenas duas disciplinas (Português e Matemática) e tira o foco da formação integral de crianças, adolescentes e jovens.

O Novo Mais Educação atende ao que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996, no que se refere à progressiva ampliação do período de permanência dos alunos na escola, o monitoramento dos indicadores educacionais e o envolvimento da comunidade nas decisões do âmbito escolar, compromissos que também fazem parte do Plano de Desenvolvimento da Escola — PDE.

Vale ressaltar também que o programa objetiva atingir as metas 6 e 7 do Plano Nacional de Educação (PNE/2014-2024) que prevê que o país precisa atingir, num período de 10 anos, a ampliação da oferta da educação em tempo integral na Educação Básica, agregando os critérios condicionantes de organismos internacionais: ampliação da jornada escolar; resultados positivos nas avaliações dos índices educacionais; diminuição da evasão escolar; ações integradas entre ensino regular e o contraturno; melhorias no espaço físico das escolas e concepção de Educação condizentes com o contexto escolar.

Assim como no programa anterior, o Novo Mais Educação também deve estar alinhado à proposta curricular da escola, integrado junto ao projeto político-pedagógico, redefinindo tempos, espaços, atividades e a atuação dos profissionais nas ações complementares. Do ponto de vista da operacionalização, a proposta prevê a atuação de quatro tipos de profissionais:

No programa anterior, eram oferecidos nove macrocampos de livre escolha da escola, enquanto na nova configuração, há apenas 15h de carga horária destinada a essas atividades, limitando-se a três áreas (cultura, esporte e lazer), que devem também esforçar-se para contribuir com o aprendizado das duas disciplinas prioritárias.

De maneira geral, o Novo Mais Educação não traz em seu escopo uma “nova proposta”, tanto seus objetivos como suas diretrizes ressaltam a importância apenas da aprendizagem quantitativa, no investimento para aumentar a proficiência dos alunos por meio do acompanhamento pedagógico obrigatório para as disciplinas de português e matemática, e na ampliação do período de permanência dos alunos na escola. O foco no acompanhamento pedagógico nessas disciplinas aparece muito mais como um reforço escolar para alavancar os índices do IDEB, visando o alcance das metas estabelecidas para cada nível de ensino. O que se pratica, portanto, é uma política de resultados que, ao secundarizar a importância das outras áreas do conhecimento na formação dos jovens, muito se distancia de uma proposta de educação integral que, de acordo com Paro (2009), não requer somente a ampliação da jornada escolar.

Da perspectiva de uma educação integral, a pergunta que se faz é se vale a pena ampliarmos o tempo dessa escola que aí está. E a conclusão a que chegamos é que antes (e este é um “antes” lógico não cronológico) é preciso investir num conceito de educação integral, ou seja, em um conceito que supere o senso comum e leve em conta toda sua integralidade do ato de educar. Dessa forma, nem se precisará levantar a bandeira de tempo integral porque para fazer-se a educação integral, este tempo maior necessariamente terá que ser levado em conta, a escola que aí está fracassa, portanto, porque é parcial. Por isso que precisamos pensar sobre a educação integral. (PARO, 2009, p. 18)

Na verdade, na trajetória das políticas públicas educacionais elaboradas para a classe trabalhadora, estas sempre foram formuladas para responder às necessidades da sociedade do capital e não às demandas da referida classe que clama por mais instrução e igualdade de condições de permanência e acesso à escola.

O discurso oficial do Governo Federal, de que a Escola de Tempo Integral (ETI) teria a possibilidade de apresentar um mundo mais interessante aos estudantes, diferenciado daquele que as crianças e adolescentes conhecem, o que passaria a representar a possibilidade de tirá-los das ruas e colocá-los num ambiente considerado protegido, não se concretiza de todo.

Para melhor compreender as questões colocadas nessa parte do texto, vejamos a seguir como o PNME está sendo apropriado nas escolas a partir de um caso concreto e o que os que estão nele envolvidos têm a dizer.

O Novo Mais Educação na Escola Municipal José Sobreira de Amorim

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fortaleza possui atualmente 2,643 milhões6 de habitantes, o que a torna a quinta capital mais populosa do Brasil. Composta por 119 bairros oficiais e cinco distritos, a cidade está dividida em sete regiões administrativas denominadas Secretarias Executivas Regionais,7 que são responsáveis pelos serviços públicos prestados à população.

A cidade possui o quarto maior sistema educacional8 do Brasil. São, aproximadamente, 142.630 alunos matriculados no Ensino Fundamental (1º ao 9º Ano). Esses alunos estão distribuídos em 5.384 turmas de 289 escolas.9 O tempo integral é oferecido em 22 escolas,10 sendo que 18 delas atendem do 6º ao 9º ano; duas entendem do Infantil IV ao 5º ano e outras duas atendem do 1º ao 5º ano. Nesse universo, está inserido o Programa Novo Mais Educação, implantado no final do ano de 2016 nas escolas da rede pública municipal de ensino de Fortaleza.

O município aderiu ao Programa Mais Educação em outubro de 2008, na gestão da ex-prefeita Luizianne Lins de Oliveira (2005–2012). O Novo Mais Educação entrou na política municipal de Educação de Fortaleza no ano de 2016, mesmo ano em que foi lançado pelo Governo Federal.

Atualmente, são duzentas e três escolas contempladas pelos critérios técnicos do Programa, na rede municipal de ensino de Fortaleza, e mais quarenta e quatro escolas definidas pela Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, totalizando 42.749 alunos assistidos pelo Programa. Nesse universo, encontra-se a Escola Municipal José Sobreira de Amorim, que desde 2016 trabalha com o Novo Mais Educação e possui em seu quadro: a articuladora do PNME, que é professora da rede municipal com formação em Pedagogia, o mediador de aprendizagem e os facilitadores com formação acadêmica.

A Escola está sob a jurisdição da Secretaria Executiva Regional VI (SER VI) e está situada no bairro Cajazeiras, que possui uma área de 3,3 km² e uma população de aproximadamente quinze mil habitantes. Analisando aspectos de renda, longevidade e Educação, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,30, considerado baixo, o que situa esse bairro no quadragésimo nono pior índice entre os bairros da capital cearense. Os alunos da Escola, em sua maioria, são oriundos de famílias de baixa renda que vivem no entorno da escola e no bairro Barroso.

São filhos de pais desempregados que sobrevivem de trabalhos intermitentes (pintor, marceneiro, pedreiro etc.), sem direitos trabalhistas ou estabilidade financeira, e recebem também as influências dos fatores de ordem social e econômica que interferem diretamente na aprendizagem, ocasionando muitas vezes a desmotivação para os estudos.

Cajazeiras é um bairro de muitos contrastes, que cresceu próximo à BR-116. De um lado, há a expansão e a especulação imobiliária fomentada desde a Copa do Mundo de 2014, que agregou casas e condomínios à região por localizar-se próximo ao estádio Castelão. Por outro lado, como qualquer área periférica, padece de graves problemas sociais, como carência de serviços básicos e a violência (retratada na maior chacina já registrada no estado, na comunidade do Barreirão, fato ocorrido no dia 27 de janeiro de 2018, e que ganhou repercussão internacional).

A escola funciona nos turnos manhã e tarde das 07h às 17h e possui treze salas de aulas, que atendem do Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental. Em 2018, a escola atendeu 357 alunos, dos quais 155 foram contemplados pelo Plano de Atendimento e passaram a ter carga horária complementar de 15 horas semanais assim divididas: duas atividades de acompanhamento pedagógico, sendo uma de Língua Portuguesa e uma de Matemática, com quatro horas de duração cada e outras três atividades de escolha da escola dentre aquelas disponibilizadas no sistema PDDE Interativo, a serem realizadas nas sete horas restantes. As atividades escolhidas pela E. M. José Sobreira de Amorim para o ano de 2018 foram: Língua Portuguesa, Matemática, Judô, Artesanato e Educação Patrimonial. São seis turmas (A, B, C, D, E e F), de cada modalidade, sob a orientação do mediador de aprendizagem e do facilitador. Cada turma tem 25 (vinte e cinco) alunos, à exceção da Turma C manhã e Turma C tarde, pois ambas têm 28 (vinte e oito) alunos. Todas as atividades são desenvolvidas nos espaços da escola (pátio, salas disponíveis e biblioteca).

Seguindo as orientações gerais do PNME, pela Secretaria Municipal de Educação, as escolas devem: 1) compor as turmas com alunos em dificuldades de aprendizagem, considerando o resultado das avaliações diagnósticas da rede em português (leitura e escrita) e matemática, de acordo com o plano de atendimento preenchido pela escola; 2) as escolas também poderão estabelecer parcerias locais na busca de espaços alternativos para desenvolver as atividades do programa em praças, campo de futebol, salão de igreja etc.; 3) acompanhar a frequência e a participação dos alunos no Programa, assim como o desempenho dos mediadores e facilitadores.

Para a inclusão dos alunos no PNME, a Escola analisou três pressupostos básicos: 1) os problemas de aprendizagem; 2) o nível de exclusão social das crianças; 3) e a intenção de fazer parte do Programa. A exclusão social, aqui mencionada, são crianças que permanecem por várias horas na rua, longe dos cuidados de um responsável, aquelas que sofrem abusos ou maus-tratos, que convivem com pessoas alcoolizadas ou com dependentes químicos. Essa avaliação só foi possível, segundo a articuladora:

[...] porque a escola vem ampliando os laços com as famílias, desenvolvendo um trabalho pautado na confiança e no respeito, só assim, a escola tem o conhecimento da real condição de vida de cada aluno. (Articuladora da Escola).

Com efeito, o programa se configura como elemento de articulação do binômio escola-comunidade e está voltado para o cumprimento da função de fortalecer ações educativas nas áreas de cultura, esporte, direitos humanos e desenvolvimento social.

Nesse âmbito, as atividades de acompanhamento pedagógico e complementares na Escola Municipal José Sobreira de Amorim visam ao incentivo da produção artística e cultural dos alunos, levando-os coletivamente à sua valorização e à ampliação das oportunidades de aprendizado.

A elaboração dos relatórios de atividades pela escola é uma condição necessária para continuar participando do programa em anos seguintes. Além do acompanhamento interno, há o acompanhamento da Secretaria Municipal de Educação por meio das equipes da Coordenadoria de Articulação da Comunidade e Gestão Escolar, Distritos de Educação e da Célula de Superintendência Escolar.

Buscamos saber como a gestão da escola pesquisada se posiciona perante o Novo Mais Educação e como esse programa se efetiva na escola. A diretora, que exerce a função desde 2013, quando perguntada sobre o que mudou na escola após a implementação do PNME, destacou a melhoria no processo de ensino-aprendizagem uma vez que...

[...] é um programa que não deixa de ter uma intervenção pedagógica específica para as disciplinas de português e matemática com foco na melhoria da aprendizagem o que é superimportante para termos conseguido superar nossas metas [...]. (Diretora da Escola).

No entanto, os ganhos, segundo ela, não se dão apenas nos índices do IDEB. Assim, ela ressalta que:

esse programa contribui para que a escola se torne um espaço atrativo para os alunos de todas as faixas etárias e níveis de ensino. (Diretora da Escola).

A articuladora do PNME na Escola é formada em Pedagogia e atua nesse cargo há quatro anos. Em sua fala, ela ressalta a importância de articular as atividades do PNME com as do Projeto Político Pedagógico. Afirma que é necessário que os professores dominem mais que os conteúdos teóricos básicos, pois é importante saber...

lidar com a heterogeneidade de alunos com que temos contato diário, procurando, dessa forma, atrelar as atividades do PNME com o Projeto Político Pedagógico da escola e o currículo [...]. (Articuladora do PNME).

Essa discussão nos remete a Paro quando diz:

que o trabalho de tempo integral não pode ser considerado apenas aulas dadas [...]. É preciso maior dedicação a um tempo de planejamento conjunto na elaboração de objetivos pedagógicos comuns, ainda que isso, isoladamente também não garanta o trabalho interdisciplinar. (PARO, 1998, p. 89).

Quando perguntada sobre sua concepção de Educação integral, a articuladora admite que o PNME está longe de contemplar uma Educação Integral, que não se resume somente à ampliação da jornada escolar dos alunos. Pois, segundo ela:

se esse tempo ocorrer de maneira pouco planejada e sem estratégias efetivas, pode apenas desmotivar as crianças e os jovens, mas se esse tempo for empregado com qualidade, pode trazer benefícios ao aprendizado. (Articuladora do PNME).

Afirmou ainda que o programa precisa ser melhorado, sobretudo nos aspectos pedagógicos, pois há uma grande preocupação com o ensino das disciplinas de Português e Matemática, mas, no seu entender:

[...] o sucesso desse programa depende de uma gestão articulada com os demais segmentos da escola, uma grade curricular que busca a interface com as atividades do programa e materiais didáticos diversificados [...]. (Articuladora do PNME).

Apesar das críticas, a articuladora defende a permanência do programa por entender que, além de proporcionar a melhoria do desempenho dos alunos nas avaliações externas, ele:

gera condições de melhorar o ciclo social da pobreza no qual essas crianças se encontram, pois, na escola, o aluno tanto aprende como encontra-se protegido, da violência, do uso das drogas. (Articuladora do PNME).

Na mesma linha de pensamento, a coordenadora Pedagógica, outra profissional que atua na gestão da escola, aponta os impasses e desafios que precisam ser superados para que o programa tenha maior êxito:

[...] maior investimento na infraestrutura da escola, como espaços adequados para o desenvolvimento das atividades [...] fortalecimento das relações escola e comunidade, aquisição de materiais diversos, parceria da comunidade com a escola, entre outros. (Coordenadora pedagógica).

Indagada sobre as mudanças percebidas nos estudantes que participam do programa na escola, ela registra o sentimento de pertencimento, que os alunos possuem com relação à escola, e nos diz:

A melhoria dos índices de aprovação e, consequentemente, nas avaliações externas, a autoestima dos alunos no desenvolvimento das atividades, a prevenção, pois a criança e o jovem, não corre o risco de se envolverem com drogas, tráfico, assaltos, pois estão os dois turnos na escola. (Coordenadora pedagógica).

Percebemos, tanto na fala da articuladora como na fala da coordenadora, a crença de que o aumento da jornada escolar automaticamente atua como fator de prevenção às vulnerabilidades sociais. Em seus estudos, Paro (1998) percebeu essa mesma tendência nos educadores e aponta que “A visão de muitos educadores é a de que a escola é salvadora de todos os males, é aquela que vai resolver todos os problemas, e vai inclusive salvar seus estudantes das mazelas sociais” (PARO, 1998, p. 99).

A escola de tempo integral seria, portanto, um mecanismo que contribuiria para a proteção integral do aluno, pelo fato de passar mais tempo na escola. Guará (2006) afirma que

a educação integral é um direito de toda criança, uma garantia, uma salvaguarda relevante de promoção de equidade para os que se encontram mais prejudicados em sua cidadania, muitos dos quais apresentam déficits de aprendizagem e vivem em famílias que não conseguem oferecer a seus filhos a atenção e a educação a que têm direito. (GUARÁ, 2006, p. 71).

Acreditamos, no entanto, que, para que essa salvaguarda de fato aconteça, a escola, como espaço de socialização, deve propiciar o desenvolvimento pleno das potencialidades do educando e a ampliação da jornada escolar deve oferecer melhores condições para efetivar uma educação de qualidade. É preciso também que haja um esforço da sociedade como um todo, visando à garantia da proteção integral de que nos fala Guará (2006), pois a escola sozinha não vai conseguir dar conta disso.

O orientador de aprendizagem é o profissional encarregado de reunir esforços para a aprendizagem dos alunos e sua permanência na escola, fazendo essa interação junto à família.

A escola José Sobreira de Amorim conta com duas orientadoras de aprendizagem, cujo trabalho é desenvolvido juntamente com o professor efetivo em sala de aula, no tocante ao aprendizado dos alunos e com as famílias com relação ao acompanhamento direcionado aos seus filhos. Em entrevista, uma das orientadoras, que trabalha na escola há 15 anos, afirmou que

a integração das atividades do PNME, com o currículo é efetivada através do acompanhamento pedagógico nas disciplinas de português e matemática, que procura reforçar as atividades desenvolvidas em sala de aula. (Orientadora educacional).

Ainda, conforme a entrevistada,

a escola adota práticas de ensino-aprendizagem no PNME, que sejam abertas a novas experiências, novos saberes, que priorizem o “conviver com as diferenças”, uma educação centrada verdadeiramente no aluno. (Orientadora educacional).

Perguntada sobre como avalia o PNME como política pública, ela respondeu:

Por educação integral, entendo que seja uma formação comum indispensável ao aluno, que trabalhe a socialização, a autonomia dos educandos, sua formação como cidadão, são princípios e valores que devem ser trabalhados através de ações concretas dentro do programa, que possam ter uma funcionalidade para a vida do aluno. (Orientadora educacional).

A educação integral, portanto, não se reduz à extensão diária da jornada escolar. São necessárias outras estratégias e instrumentos que trabalhem o aluno na sua integralidade, autonomia e emancipação. O PNME, pelo que se observou, apesar da boa vontade dos responsáveis pela sua efetivação na escola pesquisada, não vai além, pois os maiores esforços vêm no sentido de alavancar os índices das avaliações externas nas disciplinas de Português e Matemática. Nesse aspecto, o programa tem tido êxito, como veremos a seguir.

A influência do Novo Mais Educação sobre os índices do IDEB na escola José Sobreira de Amorim

Ao tratar do indicador de qualidade IDEB, da atual política educacional brasileira, é importante esclarecer que os resultados das avaliações externas das escolas e sistemas de ensino da Educação Básica passaram a ser considerados como o principal parâmetro de qualidade da Educação no Brasil. Nesse contexto, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) propôs um indicador para aferição da qualidade da Educação.

O IDEB é um instrumento que visa subsidiar o acompanhamento das metas de qualidade do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), para a educação básica, foi criado em 2007, porém, sua série histórica iniciou-se em 2005, quando foram estabelecidas metas bienais de qualidade a serem atingidas, não apenas pelo país, mas por escolas, municípios e unidades da Federação. (HADDAD, 2008).

Dada a sua relevância, o IDEB se constitui como meio utilizado, teoricamente, para coibir tanto a reprovação como a prática de aprovar alunos que nada aprenderam ou que tiveram um desempenho abaixo da média.

O PDE definiu metas e submetas a serem alcançadas pelas escolas, pelos municípios, pelos estados e pela União, no período de 2007 a 2021. A priori, para atingir essas metas, seria necessária a regularização do fluxo escolar, de modo a diminuir ou estancar as reprovações e o abandono e melhorar o desempenho das escolas, de modo que o Brasil consiga atingir o patamar educacional da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em outras palavras, isso significa caminhar muito progressivamente para um IDEB igual a 6,0 em 2022, ano do Bicentenário da Independência Política do Brasil. Portanto, o IDEB hoje se encontra consolidado como um instrumento de aferição das avaliações externas, indutor da qualidade do ensino público, que possibilita conhecer o produto final dos processos de aprendizagem das redes de ensino.

Durante as visitas realizadas à escola, foram consultados documentos e registros exclusivos da instituição que permitiram conhecer as ações ou intervenções realizadas no sentido de melhorar os resultados relativos ao fluxo escolar e à elevação do desempenho dos estudantes nas avaliações externas. Foram listadas as seguintes ações:

Essas ações, entre outras, caracterizam e demonstram o investimento da escola no trabalho de melhorar os índices do IDEB, que, de fato, pelo que se pode ver no quadro a seguir, logrou êxito se comparados os índices de 2015 e 2017.

Quadro I — Indicadores relacionados à avaliação externa da Escola

Indicadores Séries Iniciais/EF 2015 2017
Proficiência em Língua Portuguesa 207,8 230,2
Proficiência em Matemática 207,1 240,7
Nota Média Padronizada Português 5,8 6,6
Nota Média Padronizada Matemática 5,6 6,9
Indicador de Fluxo (Rendimento) 0,93 0,98
IDEB Medido 5.3 6.6
IDEB Projetado 4.0 4.3
Taxa de Participação 95% 100%
Fonte: INEP (portal.inep.gov.br).

O conjunto de ações, fruto do esforço para desenvolver a aprendizagem dos alunos, torna-se válido desde que realizado continuamente e não somente quando há necessidade de conseguir “atingir as metas” projetadas pelo MEC/INEP nas avaliações externas. Portanto, as iniciativas aqui relacionadas devem ser feitas rotineiramente pela escola, se o que se busca efetivamente é a aprendizagem dos alunos. (SILVA, 2018).

As Diretrizes Curriculares para o Ensino Infantil e Fundamental, formuladas em 2011 e publicadas no mesmo ano, atendendo ao disposto no Artigo 26 da LDB de 1996, traduz a proposta pedagógica para as escolas municipais de Fortaleza, ressaltando a importância da avaliação externa:

[...] a avaliação é um instrumento da aprendizagem, que realimenta todo o planejamento do ensino, pois tem como função diagnosticar, acompanhar e possibilitar o desenvolvimento do educando. É um motor contínuo de caráter diagnóstico, formativo e cumulativo do desempenho acadêmico do estudante, considerando os aspectos quantitativos e qualitativos. Desta forma, ela possibilita tanto a aceleração dos estudos quanto o avanço, haja visto o aproveitamento de estudos concluídos com êxito. (DIAS; TEIXEIRA, 2011, p. 46).

Uma crítica a essa sistemática de avaliação parte do princípio de que é notório que o nosso sistema educacional é muito complexo e seu êxito depende de um conjunto de variáveis (infraestrutura, salários, condições de trabalho dos docentes etc.). O IDEB sozinho não dá conta, se quisermos analisar, de fato, a qualidade da Educação brasileira.

Preocupante, também, é a maneira como a aferição da aprendizagem dos alunos se operacionaliza na escola, por via do Novo Mais Educação, que contribui com a supervalorização das disciplinas de Português e Matemática, em detrimento de outras disciplinas que compõem o currículo escolar, como História, Geografia, Ciências e Artes, muito embora esteja dito nos documentos norteadores do PNME que as escolas possuem autonomia na escolha das atividades dos macrocampos, desde que tenham como foco as diretrizes do FNDE/MEC e as orientações da SME.

Usada como instrumento de indução da qualidade do ensino público, a avaliação externa está consolidada e seus resultados visam a contribuir para a formulação das políticas educacionais. Inserido nesse contexto, o PNME, certamente, é um insumo indispensável a colaborar com os indicadores utilizados para medir a Educação, uma vez que parte do volume dos recursos a serem repassados pelo governo estadual aos municípios está atrelada aos resultados do desempenho das escolas e do município nas avaliações.

Analisados os dados que revelam como o PNME se efetiva e é pensado pela gestão da escola e também sua relação e impactos no IDEB, veremos a seguir o que professores, pais e alunos pensam dessa política pública.

O que dizem professores, pais e alunos sobre o PNME

O PNME traz em seus textos legais (Caderno de Orientações Pedagógicas e o Documento Orientador Versão I) o objetivo de melhorar a aprendizagem de crianças e adolescentes em Língua Portuguesa e Matemática no Ensino Fundamental, mediante a ampliação da jornada escolar, o que, de certo modo não foi nenhuma novidade para a comunidade escolar, pois eles já trabalhavam com o programa na versão anterior. No entanto, na atual versão há uma maior ênfase nas referidas disciplinas, como já foi pontuado.

Buscamos saber como os professores da escola pensam o Programa. Foram entrevistadas duas professoras, ambas formadas em Pedagogia e atuando na escola há mais de 14 anos.

Perguntadas sobre o PNME, elas responderam:

Em meu entendimento, o PNME traz uma proposta produtiva, pois leva uma oportunidade ao aluno de melhorar sua aprendizagem em português e matemática geralmente são essas disciplinas onde eles têm dificuldades, bem como tem avançado na qualidade de atendimento e traz a educação em tempo integral como princípio, o que é muito bom, pois o aluno passa mais tempo na escola. (Professora Ana11).

Crianças com dificuldades de aprendizagem devem ser encorajadas a superar seus problemas a partir de suas reais potencialidades, o que de certa forma o PNME resgata isso, quando dá oportunidade para que essas crianças e jovens venham a aprender mais, através de outros recursos educativos. (Professora Júlia).

Como vantagens do Novo Mais Educação, as professoras apontaram, portanto, a permanência dos alunos por mais tempo na escola e o reforço do aprendizado em português e matemática, visando superar as dificuldades nessas disciplinas. Em outros trechos das entrevistas, destacaram ainda a articulação do programa com o projeto político-pedagógico da Escola, a evolução dos índices do IDEB da escola e as relações integradas da gestão da escola com professores, alunos e comunidade em geral que muito contribuem, segundo elas, para o alcance dos resultados verificados.

As percepções dos alunos sobre o PNME foram captadas a partir da realização de entrevistas em grupo, como já explicitado na introdução deste artigo. Foram formados três grupos que contaram com a participação de 10 alunos, cada um, na faixa etária de 10 a 12 anos. Quando perguntados sobre o que entendem do PNME, as respostas, de certo modo, coincidem com as respostas da gestão e das professoras, uma vez que destacam a ampliação da jornada escolar como fator positivo. Assim, alguns afirmaram que é muito bom passar mais tempo na escola, pois é melhor do que ficar na rua ou em casa sem fazer nada. Um dos alunos comentou que tem dificuldade em aprender matemática e esse “reforço” o auxilia a compreender o conteúdo, ou seja, para ele, o PNME funciona realmente como uma atividade de reforço escolar e não um programa voltado para ampliar as oportunidades de aprendizagem.

Quando indagados acerca da diferença entre as atividades desenvolvidas no PNME, em relação àquelas da sala de aula regular, eles falam que, com as atividades do PNME eles têm oportunidade de aprender mais coisas, ficam motivados para vir no outro turno, enquanto na sala de aula regular, eles têm que fazer as tarefas todo dia, o que muitas vezes se torna cansativo. Indagados se ocorreram mudanças depois da implementação do PNME na escola, um aluno respondeu:

Houve sim, a escola é boa e organizada, os professores das atividades do Novo Mais Educação são atenciosos com a gente, as aulas têm uma coisa diferente, pois aqui na escola todo mundo gosta de participar e sai feliz depois da aula, por isso é que nós queremos que esse programa continue. (Pedro).

Outros reforçaram a fala desse estudante, enfatizando que todos gostam muito de participar das atividades do Programa. Ressaltaram ainda que cada um tem sua atividade preferida. Apesar disso, foram unânimes em dizer que não participaram da escolha das atividades, o que demonstra que a escola, apesar das falas da gestão dando conta de uma maior integração da comunidade escolar no planejamento das atividades, não leva em conta os desejos dos estudantes na escolha das atividades, mesmo porque não há estrutura e recursos suficientes para isso, pelo que se observou. Nesse aspecto, cabe aqui lembrar as recomendações de Gadotti (2003) quando afirma que

Se qualidade de ensino é aluno aprendendo, é preciso que ele saiba disso: é preciso “combinar” com ele, envolvê-lo como protagonista de qualquer mudança educacional. O fracasso de muitos projetos educacionais está no fato de eles desconhecerem a participação dos alunos. (GADOTTI, 2003, p. 43).

Um exemplo da falta de participação dos jovens na escolha das atividades oferecidas é a fala de uma aluna do 5º ano:

Gostaria que tivesse outras atividades no programa, como a dança ou outra atividade esportiva, pois vários colegas meus gostam muito de jogar bola, fora isso, as professoras do programa têm muita paciência com a gente, mas o bom mesmo é se a escola fosse tempo integral pra gente poder almoçar na escola, tomar banho, passar o dia todo, eu ia gostar muito. (Maria).

Em sua fala, portanto, a aluna reivindica uma educação de tempo integral que ofereça mais opções de atividades e que, de fato, represente uma oportunidade para jovens se desenvolverem em seus aspectos afetivo, cognitivo, físico e social, além de propiciar múltiplas oportunidades de aprendizagem, como acesso a esportes, artes e também alimentação.

Apesar das deficiências e limitações do Programa, para os jovens, ele representa alguma oportunidade de avançar em seus conhecimentos, já que muitos disseram sentir dificuldade em português e, principalmente, em matemática. Segundo eles, o ensino na sala de aula regular é muito difícil. Vários alunos citaram que se sentem motivados para vir à escola, e que os resultados do Novo Mais Educação são muito bons e querem que ele permaneça na Escola. Uma aluna do 4° ano da manhã, que participa do programa afirma que:

é importante passar mais tempo na escola, pois gosto muito dela e sei que tenho que estudar bastante, e esse programa é uma oportunidade pra gente estudar e aprender mais coisas, gosto muito da atividade do artesanato, pois ensina coisas diferentes e tenho vontade de aprender. (Amanda).

Outro aluno, do 4º ano tarde, destaca que houve mudança na Escola depois da implementação desse Programa:

os professores falam que melhorou a nossa aprendizagem, o nosso comportamento, a mãe da gente não fica preocupada, pois sabe que a gente tá na escola, eu deixei de brincadeira na sala de aula e passei a me esforçar mais nas tarefas, pois tenho dificuldade de aprender matemática e gosto muito dessa aula. (João).

O grande desafio para a Escola foi mostrar à comunidade do seu entorno a importância do PNME, conscientizando os pais acerca de sua nova versão, para que seus filhos participassem do Programa, demonstrando que, mediado pelo acompanhamento pedagógico nessas disciplinas, ocorreria o avanço na aprendizagem.

Nesse sentindo, a pesquisa se preocupou também em saber a visão dos pais de alunos sobre o Programa. Uma das mães, que possui Ensino Médio completo e é dona de casa, ao ser perguntada se notou alguma melhora ou mudança na aprendizagem do seu filho por via do PNME, respondeu:

O programa é muito bom sim, mas compreendo que pais com baixa escolaridade têm menos chances de darem o suporte necessário aos seus filhos, por exemplo, não é o que ocorre comigo, pois eu me empenho em ajudar meus filhos nesse processo, ler com eles, incentivá-los a buscar o sucesso escolar bem como lhes mostrar a importância dos estudos, o que sozinho o programa não poderá fazer, se não tiver o empenho dos pais também. (Rita).

Outra mãe entrevistada, também dona de casa com Ensino Fundamental incompleto, disse que:

o programa é muito bom, porque a sala de aula não é lotada [...]. No Novo Mais Educação as professoras têm mais condições de controlar a turma e oferecer atendimento mais individualizado de acordo com a necessidade de cada aluno. (Aurora).

É perceptível nas falas dessas mães, o quanto a escola é essencial e estabelece diferença na vida de seus filhos. As falas coletadas no campo de pesquisa mostraram a escola como um veículo de aprendizagem dos alunos, pois é nela que eles depositam a crença em superar suas dificuldades para “melhorar de vida”, para quando crescer “arranjar um bom emprego”, ajudar a família etc. Os pais acreditam, no entanto, que há um imenso caminho a percorrer na busca pela “qualidade da educação”, eles compreendem que, no momento, isso ainda está distante de acontecer.

No que se refere ao Novo Mais Educação, o que se percebeu é que os pontos positivos que aparecem em todas as falas, seja da gestão, dos professores, dos pais e dos alunos, referem-se à ampliação da jornada escolar, que atua, segunda eles, como estratégia de prevenção à criminalidade, e ao reforço do aprendizado em português e matemática, justamente porque a versão atual do programa está toda voltada para as avaliações externas. As demais atividades, como o judô, o artesanato e a educação patrimonial, escolhidas pela escola como parte das horas a mais que o aluno passa na instituição, não são levadas em conta como atividades importantes, tanto que só aparecem na fala de uma aluna que diz gostar das aulas de artesanato.

Diante do exposto, é pertinente ressaltar mais uma vez que o grande desafio da educação integral não é mais tempo na escola, mas o que se faz com esse tempo. Como política pública que se propõe a ser indutora de uma educação em tempo integral, o PNME poderia investir mais em atividades que complementem a formação cultural e social dos jovens, propiciando agregar valores e referências identitárias. A Oficina de Educação Patrimonial, por exemplo, se trabalhada a contento, leva os alunos a conhecerem melhor seu território (bairro e comunidade) e perceberem e valorizarem seus pares e sua cultura na construção de um novo sujeito social, consciente de seus direitos e deveres, sabedor da importância dialógica para fazer emergir novas formas de interação social. (SILVA, 2018). No que se refere à promoção da cultura dos direitos humanos, da equidade étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, geracional e de gênero, que perpassa os currículos e o próprio material didático do Programa, o Novo Mais Educação também não avança, pois não são levados em questão os sujeitos (jovens) e os seus saberes.

O Novo Mais Educação, portanto, não institui nada de “novo” às escolas, uma vez que segue a mesma lógica do Programa Mais Educação, que o antecedeu, como o diferencial da diminuição do leque de saberes propostos na primeira versão e com uma ênfase maior no objetivo de elevar os baixos índices no IDEB. Assim, o PNME está associado a critérios específicos de adesão e repasse, que, por não serem universais, priorizam as escolas cujo resultado pedagógico não tem sido positivo. (SILVA, 2018).

Para os entrevistados, o programa tem sua importância, por assegurar maior permanência dos alunos na escola. Nisso percebe-se a internalização e a reprodução do discurso oficial, talvez porque, de fato, há uma demanda de escola em tempo integral por parte de toda a comunidade escolar e o PNME representa um primeiro passo para isso. O que observamos, no entanto, é que o PNME se limita somente ao nível da aprendizagem instrucional das duas disciplinas que estão no topo da hierarquia curricular, pois a preocupação maior não é com educação integral dos jovens, mas com as avaliações externas. Nesse aspecto, concordamos com a Arroyo (1988) quando afirma que

o que se espera de uma educação de tempo integral é justamente proporcionar ao educando uma experiência educativa total, que não se limite a ilustrar a mente, mas que organize seu tempo, seu espaço, que discipline seu corpo, que transforme sua personalidade por inteiro. (ARROYO, 1988, p. 4).

A ideia de que o PNME seria um indutor de uma educação de tempo integral, na prática, não se concretiza, pois, para que isso aconteça, sua operacionalização deveria envolver diversos fatores que não estão contemplados: a oferta de almoço, banheiros adequados para se tomar banho, salas apropriadas para a efetivação do programa e um leque maior de atividades voltadas a trabalhar as diversas competências dos jovens.

Mesmo a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza registrando resultados expressivos na melhoria dos indicadores de desempenho de suas escolas da rede, e tendo como foco uma proposta pedagógica baseada na educação integral de crianças e jovens e na ampliação das escolas em tempo integral, mediante programas como o Novo Mais Educação, muito ainda se precisa avançar, com ações e estratégias que devem ser repensadas no âmbito dos anseios da clientela a ser atendida para que, de fato, se possa oferecer uma educação de qualidade que não seja medida apenas pelos números que resultam das avaliações externas.

Considerações Finais

Neste texto objetivamos analisar de que modo o Programa Novo Mais Educação (PNME) foi implementado em uma escola da rede pública municipal de ensino de Fortaleza, apontando seus impactos no cotidiano escolar e na aprendizagem dos jovens. Com base em observações e em entrevistas com os diversos segmentos da comunidade escolar, identificamos que, para a gestão, professores, pais e alunos a importância do programa está circunscrita à ampliação da jornada escolar e ao que ele traz de ganhos na aprendizagem das disciplinas de Português e Matemática, visando um melhor desempenho nas avaliações do IDEB.

Em nível de rede municipal, o programa se propõe contribuir com o aumento da permanência dos alunos na Escola, melhorar sua aprendizagem juntamente com os índices do IDEB, notadamente o que se está fazendo no ambiente escolar, adotando estratégias como a descentralização (o resultado das avaliações e a responsabilidade pelos resultados alcançados ficam a cargo dos gestores, professores e alunos) e um rígido controle nos dias que antecedem as avaliações e nos dias das avaliações, para que os alunos consigam um bom desempenho.

De fato, o Novo Mais Educação assegura a crianças e jovens passarem mais tempo na escola, no entanto, temos que refletir sobre o uso e a qualidade desse tempo. Pensando o programa pela ótica da educação integral, o tempo integral efetivado pelo PNME, ao priorizar o aprendizado em português e matemática, deixa escapar a oportunidade de promover uma aprendizagem mais voltada para a formação integral do ser humano, tarefa que, na verdade, todas as escolas deveriam cumprir, independentemente de serem de tempo integral ou não, como destaca Gadotti:

Toda escola deve almejar uma educação integral, todas as escolas devem ser de educação integral, mesmo que não sejam de tempo integral. Trata-se de oferecer mais oportunidades de aprendizagem para todos os alunos, a escola de tempo integral deve ter entre outros objetivos: educar para a cidadania; criar hábitos de estudos e pesquisas; cultivar hábitos alimentares e de higiene; suprir a falta de opções oferecidas pelos pais ou familiares; ampliar a aprendizagem dos alunos, além do tempo em sala de aula. (GADOTTI, 2009, p. 37).

É certo que a gestão da escola e demais membros da comunidade escolar apostam no Programa, não por considerarem que ele seja uma possibilidade para resolver os entraves da qualidade de ensino, mas porque aparece como um meio seguro de prevenção aos problemas sociais que põem crianças e jovens oriundos das camadas mais pobres da população em situação de vulnerabilidade, o que lhe confere um caráter compensatório ao PNME.

Pelas falas, percebe-se, portanto, que a visão de educação em tempo integral da comunidade escolar da instituição pesquisada oscila entre duas das tendências definidas por Cavaliere (2007): a assistencialista, que

vê a escola de tempo integral como uma escola para os desprivilegiados, que deve suprir deficiências gerais da formação dos alunos [...] onde o mais relevante não é o conhecimento e sim a ocupação do tempo e a socialização primária. (CAVALIERE, 2007, p. 1028)

E a autoritária, “na qual a escola de tempo integral é uma espécie de instituição de prevenção ao crime” (CAVALIERE, 2007, p. 1029).

Desde a sua implantação em nível nacional, o programa continua a existir, mesmo com uma nova reconfiguração e seguia, até 2018, sendo apontado pelo governo federal como a mais ousada proposta de Educação em tempo integral já realizada no País. Entendemos que há no Novo Mais Educação - mesmo privilegiando a educação instrucional, atuando na perspectiva de valorização das políticas externas de avaliação dos sistemas públicos de ensino e, de certo modo, relacionando educação integral a resultado de proficiência dos alunos — um campo aberto de possibilidades nos aspectos social, pedagógico e cultural, o que pode viabilizar a oferta de novos saberes para o desenvolvimento integral de crianças e jovens, desde que se avance no sentido de conferir maior qualidade no aproveitamento do tempo em que os jovens passam na escola.

Assim, concordamos com Arroyo (1988) quando afirma que, para que uma educação de qualidade realmente se efetive, é preciso superar

os arremedos de escola, as escolas de três e até quatro turnos, ou as formas variadas de suplência onde se finge oferecer tempos e espaços educativos para uma classe que sempre foi condenada à privação cultural imposta pela degradação do trabalho e da vida social e pela elitização do saber. (ARROYO, 1988, p. 9).

Diante do exposto, a partir das observações feitas na Escola Municipal José Sobreira de Amorim, entendemos que para fortalecer e ressignificar o programa é preciso avançar nos seguintes aspectos: ampliar os espaços de aprendizagem em direção ao regime de tempo integral, visando atender a totalidade de alunos da rede; ampliar o monitoramento e o acompanhamento contínuo pela Secretaria de Educação; enfrentar a questão dos investimentos, pois o atraso no repasse dos recursos prejudica o andamento das atividades; fortalecer a parceria escola-comunidade; melhorar a infraestrutura das escolas, adequando os espaços físicos para a realização de suas múltiplas ações; ampliar o leque de atividades ofertadas; tratar com igual peso, em termos de importância para a formação dos jovens, todas as atividades proporcionadas pelo Programa. (SILVA, 2018).

Estamos diante de um novo cenário político configurado a partir da eleição presidencial no Brasil de outubro de 2018. No atual governo tem havido constantes cortes de recursos para a educação em todos os níveis e há uma falta de clareza sobre que projeto de educação será implantado. Portanto, não se sabe se o Programa Novo Mais Educação continuará existindo como parte da política educacional do País. O que se sabe é que o Brasil continua caminhando a passos muito lentos rumo a uma educação que assegure aos jovens uma formação integral de qualidade e, para isto, é preciso cuidar da escola pública para que não seja mais necessária a criação de programas voltados a reforçar uma aprendizagem que deveria ser efetivada independente do tempo que se passa na escola.

Referências

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  1. Artigo elaborado com base nos dados da pesquisa intitulada O Novo Mais Educação: uma análise a partir de uma escola pública municipal de Fortaleza elaborada para a realização de dissertação do Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (UECE).↩︎

  2. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 pelo Instituto Anísio Teixeira (INEP) para medir a qualidade da aprendizagem nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino.↩︎

  3. Disponível em: portal.mec.gov.br.↩︎

  4. Os monitores recebiam apenas o ressarcimento das despesas com transporte e alimentação, através de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).↩︎

  5. De acordo com a pesquisa, 24% das escolas de ensino fundamental nos anos iniciais e 49% das escolas de ensino fundamental anos finais não alcançaram as metas estabelecidas pelo IDEB em 2015.↩︎

  6. Estimativa do ano de 2018.↩︎

  7. As Secretarias Executivas Regionais foram criadas pela Lei N° 8.000/1997 visando à descentralização como meio de levar as decisões administrativas para perto dos cidadãos considerando os seguintes aspectos: a intersetorialidade, as necessidades dos cidadãos, o consumo dos serviços públicos, o planejamento das políticas sociais de forma integrada e articulada. (FORTALEZA, 1997).↩︎

  8. Informações levantadas com base no Anuário da Educação de Fortaleza 2017-2018. Disponível em: www.todospelaeducacao.org.br. Acesso em 03 de Novembro de 2019.↩︎

  9. Dados extraídos do site do Inep/Censo Escolar (Educacenso 2018). Disponível em: matricula.educacenso.inep.gov.br. Acesso em 03 de Novembro de 2019.↩︎

  10. Dados extraídos do site do Inep/Censo Escolar (Educacenso 2018). Disponível em: matricula.educacenso.inep.gov.br. Acesso em 03 de Novembro de 2019.↩︎

  11. Todos os nomes utilizados nesse texto são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.↩︎

Resumo:
O artigo analisa como o Programa Novo Mais Educação (PNME) foi utilizado por uma escola da rede pública municipal de ensino de Fortaleza e seus impactos no cotidiano escolar e na aprendizagem. Considerando esta política pública como indutora de uma escola em tempo integral, a pesquisa permitiu discutir a educação em tempo integral e a qualidade desta. Adotou-se uma abordagem qualitativa com pesquisa documental, entrevistas individuais e em grupo, percebendo-se o contexto da implementação do PNME e suas diretrizes no Brasil e em Fortaleza. Concluímos que o Programa contribui com o aumento da permanência do aluno na escola, melhora a aprendizagem e os índices do IDEB, mas não promove uma educação integral, pois funciona mais como reforço das disciplinas de português e matemática.

Palavras-chave:
Política Pública; Novo Mais Educação; Escola em tempo integral; Qualidade da educação;

 

Abstract:
The article analyzes how the Novo Mais Educação Program (PNME) was used by a public municipal school in the city of Fortaleza and its impacts on the school’s daily life and learning. Considering this public policy as an inducer of a full-time school, the research made it possible to discuss full-time education and it’s quality. A qualitative approach was adopted with documentary research, individual and group interviews, realizing the context of the implementation of the PNME and its guidelines in Brazil and in Fortaleza. We concluded that the Program contributes to the increase of student permanence in school, improves the learning and the IDEB indexes, but does not promote a comprehensive education, as it works rather as review lessons of Portuguese and Mathematics.

Keywords:
Public Policy; Novo Mais Educação; Full-time school; Quality of education;

 

Recebido para publicação em 07/08/2020
Aceito em 31/01/2022

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