Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 2, jul./out., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.2.d07
ISSN: 2318-4620

 

 

A divisão global do trabalho intelectual em revistas internacionais de teoria social (2000–2016)

 

Matheus Ribeiro OrcID
Universidade de Brasília, Brasil
matheus.sociologia.unb@gmail.com

 

Introdução

O debate acerca da globalização/internacionalização das ciências sociais tem servido de espaço profícuo para intervenções intelectuais interessadas em mensurar a maneira como a expansão global do campo é conformada a partir de relações entre centros e periferias. Apesar das ciências sociais se encontrarem presentes em todas as regiões e países do mundo, acompanhando um aumento global da produção de livros e artigos, nota-se que a mundialização da disciplina se faz a partir de um quadro marcadamente desigual (HEILBRON; SORÁ; BONCOURT, 2018). O campo, ainda emergente, de discussão global das ciências sociais é marcado por claras assimetrias nas formas de colaboração internacional que ocorrerem majoritariamente entre autores de nações europeias e dos Estados Unidos (HEILBRON, 2014). Em concomitância, está o fato de que 50% das publicações de que se tem registo no Social Science Citation Index estão concentradas na América do Norte, seguida de países Europeus, que detêm 40% do montante. Este fato é ainda mais agudo por conta de dois terços de toda esta produção estar circunscrita a apenas quatro nações: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Holanda (GINGRAS; MSBAHNATANSON, 2010).

As assimetrias na circulação global de conhecimento também se fazem presentes no fluxo de traduções de livros, que ocorrem majoritariamente em direção única: do Norte Global para o Sul.1 Além disso, é destacada a dificuldade daqueles que escrevem a partir de nações periféricas publicarem por editoras internacionais voltadas ao público estrangeiro (SAPIRO, 2018). A desigualdade global do fluxo de conhecimento das ciências sociais é ainda mais aguda em se tratando dos debates na área de teoria social. Esta seara, que em geral conjuga o maior prestígio no campo sociológico, encontra-se deveras concentrada no eixo euro-atlântico (KEIM, 2008), matriz da maior parte das escolas de pensamento que são lidas internacionalmente e direcionam o trabalho sociológico no mundo contemporâneo.

Conectado a essa concentração do debate sobre teoria na Euro-América está o fenômeno da divisão global do trabalho intelectual, processo que tem sido alvo de reflexão de diversos autores como Connel (2007), Alatas (2003) e Hountondji (1997). Esses apontam como a produção de teoria social encontra-se majoritariamente situada em universidades da Europa e Estados Unidos, relegando às nações da periferia o status de fontes de produção de dados. Esse quadro vem sendo alvo da denúncia constante por intervenções críticas diversas no interior das ciências sociais, as quais têm apontado para a necessidade de romper com o eurocentrismo que marca o campo (PATEL, 2009; HANAFI, 2014; BEIGEL, 2014; SANTOS, 2007).

A observação de que a divisão global do trabalho intelectual se impõe enquanto elemento crucial para a compreensão da geopolítica do conhecimento sociológico contemporâneo serviu de fundamento para a escolha do objeto de deste artigo. Em meio ao número diverso de formas de expressão deste tipo de divisão do trabalho decidiu-se focar em um estudo sobre circulação por meio de artigos em revistas2 de teoria social. Tal escolha se justificou justamente pelo entendimento de que a teoria social opera um papel central na definição das relações de poder no campo sociológico e da divisão global do trabalho intelectual (MARTÍN, 2013). Conforme afirma Rosa (2016), a teoria social influencia diretamente a definição de agendas, objetos, conceitos e metodologias que são utilizados por pesquisadores ao redor do mundo (ROSA, 2016).

A incorporação, cada vez maior, por agências de fomento científico, de métricas de quantificação do fluxo e impacto da produção científica, como o uso de rankings de periódicos, tem sido fenômeno com profundas consequências, principalmente no meio científico brasileiro. Essas métricas acabam por reproduzir, através do “chancelamento” de periódicos produtores de “boa ciência”, uma estrutura de centro e periferia onde o Norte Global passa a ser lócus da produção com qualidade e o Sul como espaço de administração da irrelevância intelectual (NEVES, 2017). Isto posto, decidiu-se realizar um estudo com revistas posicionadas no topo destes rankings, visando compreender a extensão e morfologia da inserção de publicações de autores do Sul Global nestes espaços em período recente. Acredita-se que tal investida permite compreender, a partir de um objeto concreto, algumas das expressões da divisão global do trabalho intelectual. O foco aqui é mais especificamente as publicações em revistas de teoria social legitimadas por métricas de impacto que vem sendo criticadas por ignorar a produção intelectual de autores da periferia global. Destarte, o objetivo do artigo é dimensionar a extensão e caracterizar, em um caso concreto, um fenômeno que vem sendo alvo de crítica na literatura da área.

Isto posto, para a realização desta investigação, foram escolhidas quatro revistas que possuiriam os maiores índices de impacto segundo métricas de rankings internacionais e que possuem marcadamente, em seus títulos, o interesse pelo tema da teoria social: Theory Culture and Society (TC&S), European Journal of Social Theory (EJST), Theory and Society (TS) e Sociological Theory (ST).

Foram realizados três tipos de levantamento de dados: 1) Levantamento do perfil nacional dos autores que publicaram nas revistas entre os anos de 2000 e 2016; 2) Levantamento do perfil nacional3 de comitês editoriais e; 3) Levantamento comparativo das diferenças entre o tipo de objeto pesquisado por autores do Sul Global em comparação a pesquisadores britânicos que publicaram nos periódicos. Esses dados foram interpretados em diálogo com a literatura que tem se debruçado sobre a geopolítica da produção e circulação do conhecimento. No primeiro tópico deste artigo recuperam-se algumas das reflexões que têm tratado o tema da geopolítica do conhecimento, seguido da apresentação do objeto e metodologia utilizada na pesquisa para então apresentar os resultados.

A geopolítica do conhecimento: colonialidade, eurocentrismo e teoria social

Contribuições no campo da geopolítica do conhecimento apontam o colonialismo enquanto evento fundamental para a compreensão das assimetrias globais hoje experienciadas no âmbito das ciências sociais. Uma das principais abordagens no interior deste campo são as contribuições das correntes decoloniais, também conhecidas enquanto “Grupo Modernidade/Colonialidade”, que influenciadas diretamente pelo grupo dos Estudos Subalternos formado na Índia (BALLESTRIN, 2013). As abordagens decoloniais, descrevem o papel da experiência colonial para a formação das hierarquias estruturantes das sociedades latino americanas. Entre essas destaca-se o impacto na forma como a experiência do colonialismo, sob o discurso retórico da modernidade, moldou relações de poder no âmbito do saber. Autores como Quijano (2000), Maldonado Torres (2008), Grosfoguel (2008), Mignolo (2003) e Walsh (2007), destacam como o epistemicídio das populações nativas americanas foi importante à sustentação de uma clivagem entre conhecimento relevante e irrelevante. O epistemicídio do pensamento dos povos indígenas, aliado à imposição das formas de saber europeias, calcadas no pensamento científico, deu forma a uma estrutura de poder no campo do conhecimento onde a relevância apenas quando atrelada à linguagem europeia de ciência.

Entre autores decoloniais, assim como pensadores pós-coloniais, o eurocentrismo ocupa um papel central. Em ambas matrizes de estudo é assinalado como a experiência colonial se desenhou a partir de um discurso de legitimação geral baseado em uma diferença abissal (SANTOS, 2007) entre a Europa e o resto do mundo. O Eurocentrismo seria definido como produto de uma série de hierarquias simbólicas que conformavam o continente europeu a ocupar sempre o espaço da modernidade, universalidade, superioridade e emancipação, enquanto as colônias definir-se-iam como local do particularismo, inferioridade, atraso e ausência de racionalidade (PATEL, 2009). Este tipo de reflexão, que toma o eurocentrismo enquanto elemento crucial à compreensão da investida colonial, encontrou bastante ressonância e difusão em uma das principais obras do pensamento pós-colonial “O Orientalismo” de Said (1979) que trabalha o modo como a tradição britânica orientalista cumpriu um papel de reprodução de um imaginário social que exaltava o império britânico e relegava ao oriente a condição de fonte estéril à produção de qualquer conhecimento relevante. Há em comum entre essas abordagens a ênfase no modo como a diferenciação entre conhecimento relevante e irrelevante teria sido moldada diretamente por relações de poder, fundamentais à manutenção do sistema colonial.

A influência do colonialismo na hierarquização do campo do conhecimento também encontra ressonância nos trabalhos de Hountondji (1997) e Alatas (2003) e Connell (2012) os quais se detiveram com mais profundidade sobre o problema de divisão global do trabalho intelectual. Estes autores apontam que o colonialismo estruturou uma divisão de tarefas que espelhava características do próprio sistema de exploração econômica, onde as colônias serviriam de espaço para a coleta e produção de dados que seriam processados e analisados com maior acurácia nas metrópoles. Este sistema, inicialmente desenvolvido a partir do controle colonial da gestão de escolas, universidades e editoras, fora combinado com a produção de um imaginário social que condicionava um papel secundário aos intelectuais dos países colonizados. Criavam-se as bases para o que veio a se tornar um complexo sistema calcado numa estrutura de centro e periferia, o qual definiria a forma da produção e hierarquização no campo do conhecimento global contemporâneo. Esta divisão hierarquizada do trabalho circunscreveria os limites de atuação de intelectuais e cientistas, definindo aqueles que trabalhariam com a coleta de dados e os que iriam se deter nas reflexões sobre estes e em sua sistematização teórica. Mais do que isso, este processo outorgaria aqueles com poder de estudar apenas questões locais e os que se deteriam sobre os temas globais e/ou abstratos.

Destarte, convém mencionar a influência que tal sistema passaria a impor do ponto de vista psico-sociológico aos intelectuais de países periféricos, a qual foi teorizada por S. H. Alatas (2000) e Hountondji (1997). S. H. Alatas, (2000) chamou de “mentalidade cativa”, o produto deste processo, marcado pela incorporação, no intelectual periférico, de uma dificuldade em acreditar na sua possibilidade criativa em realizar trabalhos de envergadura, ou mesmo capazes de tratar de temas que envolvem a produção de teoria. Além disso, por consequência, os intelectuais da periferia acabariam por incorrer no vício em orientar as suas produções a partir de temas, problemas e questões caras às realidades dos centros europeus, muitas vezes incomensuráveis às realidades locais, processo que foi conceituado por Hountondji (1997) sobre a definição de “extroversão mental”. Este problema, acerca da submissão intelectual à produção de países do Norte, também encontrou eco na produção intelectual brasileira, como na produção de Guerreiro Ramos sobre a necessidade de assimilação crítica da sociologia estrangeira, em solos nacionais. Como solução, o autor propunha a ideia de redução sociológica, que operaria por um viés crítico e revisionista, na contraposição ao que chama de “correntes doutrinárias” e “métodos e processos dominantes”4 (RAMOS, 1996, p, 9).

Nas últimas décadas, o desenvolvimento de indicadores bibliométricos, em paralelo com o surgimento do campo da cienciometria e o crescente papel operado pela sofisticação das métricas de impacto, têm sustentado o desenvolvimento e aprofundamento da avaliação dos produtos científicos mundo afora. (BEIGEL, 2014), (COLLYER, 2016). A avaliação da ciência passou a adentrar a agenda de instituições privadas, fundações e do Estado, enquanto meio de mensuração da capacidade da produção intelectual em impactar o âmbito científico e social que a circunda e, mais do que isso, permitir à gestão do investimento em ciência e tecnologia medir o possível êxito dos produtos gerados por seu financiamento (KOCH; VANDERSTRATEN, 2019), (WHITLEY; GLÄSER, 2007).

A partir da lógica de quantificação do fluxo e impacto da produção científica, iniciativas diversas têm sido tomadas de forma a hierarquizar periódicos e seu impacto no campo científico, instigando a estruturação de um ambiente de intensa competição entre revistas, acompanhado pela busca constante, entre os autores, em atingir metas de publicação nos periódicos de maior impacto internacional (ESPELAND; SAUDER, 2007; PAASI, 2015). Estes periódicos, que mantêm suas sedes, majoritariamente, em instituições Norte-Americanas e da Europa Ocidental acabam por se configurar como centros de “chancelamento” do que é a boa ciência, impondo uma estrutura de centro e periferia onde revistas do eixo Euro-Americano são entendidas enquanto lócus da boa ciência e aquelas de países periféricos são tomadas como espaços de administração da irrelevância intelectual (NEVES, 2014; 2017).

Nas ciências sociais, as revistas indexadas em grandes bases de dados, como SCOPUS, têm ganhado maior espaço de maior legitimidade e prestígio para a produção científica, orientando pesquisadores das mais diversas regiões do mundo a almejar a publicação nesses meios — condição que pode ser crucial, em alguns lugares, para o sucesso na carreira (BEIGEL, 2014). Em contextos geográficos diversos, geralmente situados em regiões do Sul Global — locais que não possuem o inglês enquanto língua-mãe, nem conjugam dos mesmos contextos acadêmicos e sociais de países do eixo Euro-Americano — é cada vez mais comum a imposição, aos pesquisadores, da difícil escolha entre publicar localmente e perecer internacionalmente ou publicar internacionalmente e perecer localmente (HANAFI, 2014).

O Brasil, local no qual o autor deste artigo está posicionado e da onde surgem parte das inquietações que instigam esta problematização, é um exemplo de país onde estes processos tem se intensificado nas últimas décadas. Ao se observar a natureza dos Planos Nacionais de Pós-Graduação, que orientam as linhas gerais de estruturação do sistema de pós-graduação nacional, é possível perceber um ponto de inflexão em 1996, com a inserção de “um novo paradigma de referência” (HOSTINS, 2006), tendo por princípio a introdução de indicadores que pudessem fomentar a competição e concorrência entre programas. A concepção do que seria o IV Plano Nacional de Pós-Graduação, de 1997, ainda que este não tenha sido publicado, já consolidava as mudanças internas na CAPES pela introdução de tal modelo, em conexão com a introdução de indicadores de excelência que tem a internacionalização como categoria de classificação e hierarquização dos programas. Este princípio, até o plano nacional de pós-graduação atual, se mantêm como critério de qualificação da qualidade dos programas, consequentemente, direcionado o fluxo de recursos financeiros às instituições que conseguem cumprir com tal orientação.

Na esteira destas transformações está o uso de indicadores de internacionalização/inserção internacional para à concessão dos conceitos 6 e 7 que, na avaliação quadrienal da CAPES, definem programas de excelência. Conforme apresentado no Relatório de Avaliação Quadrienal de 2017 da CAPES para a área de Sociologia, a atribuição de notas 6 e 7 tem considerado a “produção em periódicos e livros; premiações internacionais; participação em diretorias de associações científicas internacionais, (...) parcerias e grupos de pesquisa em rede internacional; acordos e convênios de cooperação científica; comitês em organismos internacionais (...) Institutos Internacionais nas Universidades Brasileiras, entre outros.” (CAPES, 2017, p. 33). Além disso, pode-se citar a introdução recente do índice H5 na metodologia de avaliação de periódicos pelo sistema Qualis5 para a área de Sociologia. A agência, ao introduzir esta métrica de impacto, acaba por priorizar revistas indexadas à bases de dados como SCOPUS, que privilegiar periódicos americanos e europeus com alto impacto internacional. Neste sentido, “publicação de impacto internacional” passa a ser subentendida como publicação em periódicos do eixo euro-americano.

Consequentemente o discurso sobre a internacionalização das ciências sociais, principalmente se observado pelo prisma da publicação em periódicos, acaba por contribuir como um mecanismo de reprodução de assimetrias geopolíticas no meio intelectual. Demandas deste tipo de natureza, comummente são criticadas enquanto associadas a processos de mercantilização do conhecimento, padronização e empobrecimento das formas de escrita, aprofundamento das relações entre centro e periferia e consequentemente manutenção de privilégios a instituições do Norte Global (COLLYER, 2016).

A partir dessa breve recuperação de algumas contribuições que têm tratado da geopolítica do conhecimento, é possível observar como a produção científica é objeto diretamente perpassado por relações de poder globais e historicamente constituídas. A experiência do colonialismo, tendo o eurocentrismo enquanto discurso de justificação, co-formou as estruturas de produção de conhecimento no contexto global, de forma a estruturar um sistema de divisão de trabalho que ajuda a reproduzir, em nosso cotidiano, relações de poder e prestígio acadêmico que privilegiam nações do Norte. Frente a este quadro geral, que sinaliza as consequências contemporâneas de processos de dominação no campo do conhecimento e críticas a tais processos, insere-se este artigo. Este trabalho tem por foco dimensionar e caracterizar as expressões da divisão global do trabalho intelectual em revistas de teoria social com alto impacto em rankings internacionais. No tópico a seguir apresenta-se a metodologia empregada na investigação.

Métodos e técnicas de pesquisa

Estudar a desigualdade global no interior das ciências sociais impõe a necessidade de dar sentido a como as transformações no âmbito das formas de circulação e avaliação do conhecimento tem influenciado as definições de acesso legítimo ao campo científico. Conforme afirmado por Martín (2013), a publicação em periódicos internacionais tem se consolidado enquanto elemento central à definição de acesso legítimo de pesquisadores ao campo, pois, além de proporcionar o diálogo com os pares, garante prestígio e influência sobre agendas e debates de sua área. É importante ressaltar, ainda, que o peso deste tipo de padrão de circulação não é idêntico em todas as regiões do mundo, recebendo contornos mais dramáticos em regiões da periferia global, não falantes de inglês, que têm incorporado princípios de avaliação de impacto da ciência segundo métricas que valorizam periódicos do exterior.

Ao passo que métricas de avaliação de impacto são empregadas por instituições científicas e de financiamento, em consonância com rankings e bases de indexação que privilegiam periódicos do eixo euro-americano, a publicação em revistas internacionais de alto impacto tem sido demandada a pesquisadores de regiões do Sul Global, fazendo com que aqueles que publicam em tais periódicos sejam preferidos em seleções para empregos, mantenham seu cargo em sua instituição de vínculo, ou mesmo, tenham acesso a recursos permitam seguir pesquisando e publicando. Consequentemente, a demanda por esta forma de circulação de produtos do conhecimento conforma o próprio campo acadêmico, pressionando-o a adotar a publicação no exterior enquanto forma de hierarquizar pesquisadores.

Ao passo que em alguns países são mais impactados pela lógica do “publish or perish” (MARTÍN, 2013), onde a publicação funciona enquanto meio de sobrevivência e reconhecimento dentro do campo, outras regiões possuem uma clara clivagem entre o campo acadêmico nacional e o internacional, apartados e com claras desigualdades de financiamento e lógicas de reconhecimento. Por consequência, autores de determinadas regiões do Sul Global, que não possuem o inglês como língua nativa e nem conjugam dos mesmos contextos instituicionais e sociais de países do eixo Euro-Americano, tem se deparado com um difícil dilema entre publicar localmente e perecer internacionalmente ou publicar internacionalmente e perecer localmente (HANAFI, 2014). Exemplos como estes mostram a importância que o tema da publicação em revistas internacionais tem para a definição das desigualdades e hierarquias no âmbito do conhecimento.

Isto posto, decidiu-se por investigar o fenômeno da divisão global do trabalho intelectual nas ciências sociais com foco sobre as publicações em revistas internacionais. Escolheu-se mais especificamente aquelas da área de teoria social, tendo em vista que a concentração do debate em teoria social no Norte Global seria um dos principais elementos que estruturam as hierarquias de poder que sustentam o campo das ciências sociais contemporâneas. Além disso, conforme assinalado por Connell (2007) e Rosa (2016), a teoria sociológica tem um caráter crucial na produção do campo, dado seu potencial ontoformativo, que define diretamente a forma como os cientistas sociais escolhem, descrevem, analisam seus objetos de estudo, e a quais elementos estes dão poder de explicação nas suas análises. Tratando a teoria social a partir de sua conexão com o contexto geopolítico, esta pesquisa delimitou o seu foco em um estudo que permite compreender, em casos específicos, de que maneira as relações de poder que estruturam o campo das ciências sociais se materializam em um objeto concreto.

Decidiu-se por realizar este estudo com a análise de revistas internacionais de teoria social que estivessem no topo de rankings utilizados como instrumentos de avaliação de impacto de periódicos. Mais especificamente baseando-se no indicador SRJ, produzido pelo SCImago Journal Rank, e outras métricas, como as utilizadas por Jacobs (2011), que se utilizam do índice h e índice h a partir de dados do Google Scholar.6 A opção pela utilização destes rankings e métricas deve-se justamente pelo fato de sua incorporação crescente por agências de financiamento e avaliação científicas que influenciam pesquisadores mundo à fora e, em especial, no Brasil. Para a realização do estudo foram escolhidas quatro revistas que possuiriam os maiores índices de impacto segundo tais métricas e que possuem marcadamente, em seus títulos, o interesse pelo tema da teoria social. Estas foram: Theory and Society; European Journal of Social Theory; Theory Culture and Society; e Sociological Theory.7

A partir da coleta de informações sobre os artigos publicados nos sites das revistas, produziram-se dados sobre: o perfil nacional e regional dos autores que publicaram nessas revistas; o perfil nacional e regional de seus comitês editoriais; e dados sobre o tipo de objeto estudado pelos pesquisadores do Sul Global e do Reino Unido nos artigos. Para a análise desses dados foram utilizadas técnicas de estatística descritiva e análise qualitativa de títulos, palavras-chave e resumos de artigos publicados. Trabalhou-se com uma hipótese geral de que os periódicos analisados expressam elementos estruturais da divisão global do trabalho intelectual. Buscou-se testar esta hipótese partir do estudo de quatro proposições específicas que tratam respectivamente: da parcela quantitativa dos trabalhos do Sul Global no interior das revistas; do domínio do Norte e ausência de crescimento de publicações de autores do sul global nos anos analisados; da hegemonia do Norte Global sobre os comitês editoriais dos periódicos estudados; e da diferença entre o tipo de objeto estudado por pesquisadores do Sul e Norte Global.

Com o interesse em compreender o perfil nacional dos autores que publicaram nestes periódicos, foram levantados dados de todas as edições correspondentes aos anos entre 2000 e 2016. A escolha por este intervalo deve-se ao fato de que algumas revistas apenas passam a ter seus números disponíveis on-line em meados do ano de 2000. A adoção deste como ponto de partida permitiu a unificação do período estudado. O levantamento finda em 2016 pois este era o ano mais atualizado e completo quando a pesquisa foi realizada. Além disso, pode-se mencionar que o intervalo abarca o período onde a submissão para periódicos via internet passou a ser viabilizada de forma mais ampla com a disseminação de tecnologias computacionais.

Tomando este marco temporal, levantaram-se dados, como mostra a Tabela 1, de 69 edições da European Journal of Social Theory; 124 edições da Theory Culture and Society; 60 edições da Sociological Theory; 102 edições da Theory and Society, equivalendo a um total de 355 edições, 2.544 artigos e 2.271 autores. É importante ressaltar que as diferenças no montante de artigos e autores entre as revistas possuem relação com a quantidade de artigos por edição e número de edições por ano. A revista European Journal Of Social Theory possui 4 números por ano, com exceção do ano de 2015, com 5 números. Theory Culture and Society publicava 6 edições por ano, entre 2000 e 2005, passando a publicar 8 números de 2006 a 2016. Sociological Theory publicava 3 números por ano, entre 2000 e 2003, depois vindo a publicar 4 números de 2004 a 2016. Theory and Society sempre publicou 6 edições por ano entre 2000 e 2016.

Tabela 1: Informações gerais dos periódicos — 2000/2016

Periódicos Edições Artigos Autores
European Journal of Social Theory 69 542 489
Theory Culture and Society 124 1.257 969
Sociological Theory 60 337 359
Theory and Society 102 426 454
Total 355 2544 2.271
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados dos sites das revistas analisadas.

Resultados: perfil nacional dos autores I

O primeiro grupo de resultados a serem apresentados neste artigo diz respeito ao perfil nacional dos pesquisadores que publicaram nas revistas analisadas. É possível perceber uma constante em se tratando do topo das publicações. Nota-se que um grupo específico de países domina as primeiras posições em número de artigos, os quais se situam no continente Europeu e Norte-Americano, mais especificamente Estados Unidos, Reino-Unido, Alemanha e Canadá. Por mais que possam haver pequenas variações entre as revistas, é notável que os 4 países citados têm a maior parte do conteúdo presente. Neste caso as principais diferenças dizem respeito ao dado, já esperado, de que a maior parte das publicações de revistas com sede nos Estados Unidos ou no Reino-Unido seriam de autores com vínculo institucional nos respectivos países. Para além disso, contudo, outros países compartilham o topo nos periódicos em questão, apontando alguns padrões de inserção comuns.

No caso das revistas sediadas no Reino-Unido, Theory Culture and Society e European Journal of Social Theory, é notável a liderança britânica, em ambos os casos, tendo a região alcançando o valor de 43,58% do total de publicações no primeiro periódico e 29,47% no segundo entre 2000 e 2016. Os Estados Unidos apresentam-se em segundo lugar com 17,07% na TC&S e em quarto com 8,72% na EJST, enquanto a Alemanha ocupa o segundo lugar do EJST com 10,83% e o quinto em TC&S chegando a posição de 4,58%. Já o Canadá, tem a sua melhor marca, entre as revistas sediadas na Europa, na Theory Culture and Society alcançou 4,72% com 67 artigos publicados dando-lhe o terceiro lugar, enquanto atingiu a sexta posição no EJST, também com uma média de 4% do total.

Em se tratando das revistas com sede nos Estados Unidos, Theory and Society e Sociological Theory, nota-se que os Estados Unidos ocupam a primeira posição em número de artigos, com 392 em TS e 363 na ST, o que deixa o país com um domínio de 73,41% e 82,50% das publicações respectivamente. Já Reino-Unido e Canadá dividem os segundos e terceiros lugares com médias entre 3,5% e 4,0% nas revistas citadas, enquanto a Alemanha ocupa o quarto lugar em TS com 14 publicações (2,62%) e o quinto em ST com 5 artigos (1,14%).

É possível compreender que nas revistas de teoria analisadas, o debate gira em torno, majoritariamente, da produção sociológica de apenas 8 países, os quais podem ser divididos entre: a) Um grupo que em geral domina as 4 primeiras posições, com altas cifras e constância no tempo (Reino-Unido, Estados Unidos, Alemanha e Canadá) e b) Um grupo que compartilha em geral as posições que vão do quinto ao oitavo lugar, (Austrália, Holanda, França e Dinamarca) — com pequenas variações como no caso de Sociological Theory. Os dois grupos, se somados, chegam a uma média de 74,62% do total de publicações, entre artigos e resenhas, das revistas do Reino-Unido e 92,34% dos periódicos estadunidenses. Além disso fica patente a diferença entre as revistas no quesito diversidade e extensão do domínio dos grupos A e B, já que nos periódicos sediados no Reino-Unido, além de possuírem um maior número de países, possuem um domínio dos grupos A e B menos extenso do que as dos Estados Unidos, que seriam mais fechadas.

Tabela 2: Frequência de países por grupo em todas as revistas (2000 — 2016)

País/Revista EJST TC&S TS ST
GRUPO A1 53,08% 69,95% 83,52% 91,59%
GRUPO B2 15% 11,21% 7,3% 2,27%
GRUPO A + GRUPO B 68,08% 81,16% 90,82% 93,86%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados dos sites das revistas analisadas.
1 Reino-Unido, Estados Unidos, Alemanha e Canadá.
2 Austrália, Holanda, França e Dinamarca.

A partir destes dados, que descrevem o perfil nacional dos pesquisadores que publicaram nos periódicos analisados, é possível observar a forte hegemonia de países de língua inglesa. A presença no topo das publicações de Estados Unidos, Reino Unido e Canadá é expressão disto e pode ser explicada, em parte, pelo fato do modo com a tomada da língua inglesa, enquanto “língua franca” das publicações em periódicos internacionais de alto impacto, privilegia nações que tem esta enquanto idioma oficial. Assim como afirmam Heilbron, Boncourt e Sorá (2018) o processo de adoção do inglês enquanto língua franca da circulação internacional de conhecimento nas ciências sociais implica no aprofundamento de desigualdades globais, processo que já vem sendo apontado por outras referências na sociologia da ciência, os quais afirmam “(...) the globalization and internationalization of research have essentially favoured Europe and North America, the regions that were already dominant” (GINGRAS; MOSBAH-NATANSON, 2010, p. 153).

Além disso a hegemonia da língua inglesa acabaria por favorecer não apenas a facilidade de pesquisadores de nações do Norte como Estados Unidos e Reino-Unido em submeterem artigos e adaptá-los segundo comentários dos pareceristas, mas também privilegiar a estrutura argumentativa e cognitiva que esta língua impõe, permitindo um ajustamento imediato entre o universo simbólico no qual o autor está inserido e a linguagem que utiliza em seu artigo. 8 Entretanto, é possível notar que a língua não é suficiente para explicar a hegemonia de certos países no topo, já que outas nações que também possuem o inglês como uma língua oficial de suas universidades, como Índia ou África do Sul, não chegam a alcançar minimamente os percentuais de publicação daqueles que dominam o topo do debate. Nenhum dos dois países conseguiu atingir nem mesmo 1% do total dos artigos nos periódicos em questão.

Como mencionado anteriormente, já é esperado que revistas com sede nos Estados Unidos ou Reino-Unido tenham majoritariamente a presença de autores dessas nacionalidades, juntamente de Canadá e Austrália, por conta das facilidades em submeter em inglês. Contudo isto não explica a forte presença de artigos com origem em locais que não possuem o inglês como língua nativa. É o caso de Holanda, Dinamarca, França e Alemanha, ou mesmo Itália, hegemonia que não é encontrada apenas no European Journal of Social Theory, o que poderia ser esperado pela referência à Europa no seu próprio título. No caso destes países seria possível levantar a questão de que, comparativamente, as diferenças de tamanho das comunidades acadêmicas na área de ciências sociais entre países do Sul Global e essas nações citadas implicaria na baixa penetração de autores da periferia ou semi-periferia global nos periódicos em questão. Contudo, ao se observar o levantamento do número de membros associados à Associação Internacional de Sociologia, que cobre o intervalo entre 2008 a 2016, é possível perceber que países como Brasil, Índia, México possuem números de associados semelhantes e em alguns casos maiores do que os de países que ocupam o topo nos periódicos analisados.9

Neste sentido pode-se questionar porque países como Brasil, Índia, México, ou mesmo Argentina, que possuem comunidades acadêmicas com extensão semelhante as de alguns países do Norte Global, não se inserem da mesma forma nos periódicos em questão. Vale mencionar que tanto Brasil, quanto Índia e México já sediaram eventos da Associação Internacional de Sociologia e os dois primeiros países já tiveram presidentes comandando a Associação, o que pode servir como indicador de que as comunidades acadêmicas destas nações têm participado ativamente de instituições que congregam as ciências sociais de forma global. Esses dados apontam para a necessidade de observar outros determinantes para a baixa quantidade de artigos nas revistas citadas, entre os quais pode-se mencionar desigualdades de infraestrutura acadêmica, acesso a investimento e outros elementos constitutivos da própria divisão global do trabalho intelectual (KEIM, 2008).

Perfil nacional dos autores II — variação de 2000 a 2016

Visando complementar os dados do tópico anterior, decidiu-se analisar as variações, na composição nacional dos autores que publicaram nas quatro revistas, durante os 17 anos cobertos pela pesquisa. Essa investida permite um olhar mais atento para os dados, dando condições para que se observasse se haveria um aumento no número de publicações advindas do Sul Global no recente intervalo analisado e em que grau a hegemonia Euro-Americana seria, ou não, constante no tempo.

A partir da análise do perfil nacional durante o intervalo de 2000 a 2016, nas revistas sediadas no Reino-Unido, foi possível notar características que apontam a forte desigualdade entre regiões do Norte e Sul Global no que diz respeito à presença nos periódicos. Primeiramente infere-se que o domínio europeu, seguido do norte-americano, que foi observado no tópico anterior, não é resultado de uma concentração de autores destas regiões em um momento específico no tempo, mas é produto de um processo contínuo e estável, no qual observa-se que as duas regiões concentraram nos 17 anos a maior parte do conteúdo publicado.

Foi possível observar que no European Journal of Social Theory e em Theory Culture and Society, não é possível aferir um crescimento da presença do Sul Global, o que poderia ser notado seja por aumento do número absoluto de publicações no tempo, seja do ponto de vista relativo, comparando-se o percentual do todo que coube ao Sul em relação ao Norte durante o período analisado. Além do crescimento não ter ocorrido nas condições mencionadas, observou-se que a inserção das nações do Sul Global nos periódicos é marcada por considerável instabilidade no tempo, já que a participação destes nas revistas manifestava-se em anos ou edições específicas, os quais, em vários casos, eram seguidos de momentos de queda drástica que chegava próxima a zero. Apesar desses baixos números que marcam o Sul em geral, é possível perceber, em ambas revistas, a proeminência da Oceania e Ásia sobre América Latina e África, além do fato de que, dentro dessas regiões, existe uma forte concentração entre nações específicas, que possuem estruturas acadêmicas e realidades econômicas bastante distintas do resto de sua região, o que pode ser explicado pelas desigualdades entre países dentro dos continentes. Isto fica explícito como o caso do domínio da África do Sul no contexto africano, Israel e Singapura na Ásia em geral, Brasil na realidade Latino-Americana e Austrália na Oceania.

Por fim, também foi possível observar que nestes periódicos a presença do Sul encontra-se, em vários casos, associada a edição de números especiais ou temáticos, o que fica bastante tangível ao se observar os anos nos quais as nações da periferia obtiveram as maiores cifras.

Gráfico 1: Frequência relativa de Regiões no Tempo (2000–2016)
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados dos sites das revistas analisadas.

Parte considerável dessas características encontradas nas revistas sediadas no Reino-Unido, também foram encontradas nos periódicos estadunidenses, Theory and Society e Sociological Theory. Contudo, é importante notar características específicas que destoam neste segundo grupo.

Enquanto nas revistas sediadas no Reino Unido, é notória a hegemonia do continente Europeu, seguido da América do Norte, em número de publicações, durante os 17 anos analisados, no caso dos periódicos estadunidenses, Theory and Society e Sociological Theory, essa relação se inverte, tendo em vista que a Europa passa a ocupar a segunda posição entre as regiões e a América do Norte passa a liderar o topo. Assim como nos periódicos Europeus, foi possível observar que não houve um crescimento estável nas publicações do Sul Global em ST e TS, seja em números absolutos seja em números relativos.

A presença do Sul apresentou-se bastante esporádica e instável sendo acompanhada pela predominância, já encontrada nos periódicos europeus, da Oceania e Ásia sobre América Latina e África. Além disso, foi possível observar que o Sul Global alcançou seus menores números nas revistas norte-americanas, tanto no total de artigos, quanto na porcentagem ocupada pelo Sul Global em relação a outras regiões no tempo. Estes dados levantam questões, que não podem ser respondidas neste artigo, mas que valem a menção, como o fato do European Journal of Social Theory, revista sediada no Reino-Unido e com referência direta ao contexto europeu, ter maior penetração de autores do Sul Global, principalmente América-Latina, do que as outras revistas, principalmente as norte-americans. Outro dado importante de ser mencionado é que a inserção do Sul Global nos periódicos norte-americanos não ocorre sujeita a números especiais ou mesmo temáticos, o que é paralelo ao fato dessas revistas possuírem pouquíssimos números especiais e de maneira geral publicarem edições sem coerência temática determinada. Por fim, outro elemento em comum entre as quatro revistas é a desigualdade dentro das regiões do Sul, já que também se percebeu nos periódicos estadunidenses o predomínio da Austrália na Oceania, de Israel e Singapura na Ásia, Brasil na América Latina e África do Sul no continente africano.

Esses dados nos permitem refletir sobre a globalização das ciências sociais em anos recentes e pensar na internacionalização da produção advinda da periferia em periódicos de teoria. O predomínio, durante o intervalo de 17 anos entre 2000 e 2016, da hegemonia europeia e norte-americana acompanhada da ausência de crescimento de publicações de autores no sul global nas revistas analisadas, nos leva a questionar se o debate teórico das ciências tem se tornado mais internacionalizado ou diverso em revistas do topo dos rankings internacionais. Por mais que uma análise como esta, focada em um pequeno número de revistas, nas quais pautam-se discussões de caráter especificamente teórico da disciplina, não seja capaz de capturar o fenômeno da globalização das ciências sociais como um todo, — tendo em vista que este poderia se manifestar em frentes diversas —, é possível afirmar que nos casos analisados não se observa a formação de um debate mais plural nos 17 anos estudados, o que poderia levantar a pergunta de se outros periódicos, com características parecidas, também repetem tais padrões. Essas conclusões encontram paralelo com as reflexões de Heilbron (2014) que afirma que a globalização das ciências sociais ainda está em um estágio emergente e desenvolve-se a partir de uma estrutura de centro e periferia.

Perfil nacional dos comitês editoriais

Para além do estudo do perfil nacional dos autores que publicaram nos periódicos, decidiu-se por analisar a composição nacional dos comitês editoriais de tais revistas. A partir de tal investida é possível perceber que tais espaços também são impactados pela desigualdade entre regiões no mundo, expressando o contexto geopolítico no qual a produção e circulação do conhecimento se insere. O olhar sobre o país de vínculo dos editores destes periódicos nos mostra que a hegemonia das nações do Norte Global, encontrada no tópico anterior, que tratou do perfil nacional dos autores, também se repete no que diz respeito a composição dos comitês editoriais.

Além da hegemonia do Norte como um todo, nota-se que as nações com maior participação na frequência de publicações também possuem considerável número de editores nos comitês das revistas analisadas. De imediato é possível perceber como em todas as revistas existe uma forte presença de autores do que foi chamado no tópico anterior de países do “Grupo A”, ou seja, o núcleo dos países que concentram a maior parte do debate realizado nos periódicos, os quais, consequentemente, ocupam as primeiras posições em frequência de publicações.

Gráfico 2: Frequência de Regiões dos Editores
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados dos sites das revistas analisadas.

No que diz respeito aos periódicos com sede no Reino-Unido, Theory Culture and Society e European Journal of Social Theory, todos os países do Grupo A, Reino-Unido, Estados Unidos, Alemanha e Canadá possuem representantes. Assim como no caso da frequência de publicações, a nação onde a revista está sediada é aquela que possui o maior número de editores. A hegemonia Euro-Americana também se mostra patente no caso de Theory and Society e Sociological Theory, marcada pela presença acachapante de editores dos Estados Unidos.

Estes dados mostram como os comitês editoriais das revistas estudadas são majoritariamente compostos por cientistas sociais do Norte Global, mas, mais do que isso, percebe-se uma forte frequência de países que também possuem altos números de publicações, principalmente Reino-Unido, Estados Unidos, Alemanha e Canadá. Foi possível observar que a presença de membros de nações do Sul Global10 é bastante pequena, o que se intensifica nos periódicos com sede nos Estados Unidos. Tais dados levantam reflexões acerca de uma possível correlação entre membros em comitês editoriais e frequência de publicações, o que favoreceria autores do Norte Global que dominam os comitês.

Essa possível correlação pode ser enunciada ao se tomar um caso exemplar observado na revista European Journal of Social Theory. É possível notar que existem países que possuem uma entrada relevante nas publicações na revista, mas não encontram paralelos semelhantes nos outros periódicos. Nesta revista, a Itália possui 62 artigos, Espanha 13 e Chile 8, processo que não ocorre tão fortemente nos outros periódicos, principalmente em se tratando do Chile. É relevante mencionar que todos os três possuem11 membros no comitê editorial da revista. A Itália possui dois membros que integram o comitê internacional enquanto a Espanha possui 1 editor chefe, 1 editor assistente e 2 editores internacionais, enquanto o Chile possui 1 membro de comitê internacional. Mais do que isso é possível notar que os períodos onde as publicações destes países aumentam correspondem aos intervalos em que os editores ocuparam cargos nas revistas. Mais do que isso, é possível observar que autores vinculados às universidades que estes editores fazem parte também passaram a ter artigos publicados durante estes intervalos e, em outros casos, pesquisadores que participam de projetos de pesquisa em comum aos editores também acabaram publicando. Estes dados reforçam a importância das redes entre cientistas sociais no processo de publicação internacional e apontam formas de inserção alternativas encontradas por pesquisadores que não pertencem ao núcleo hegemônico de países que possui maior circulação em periódicos internacionais, como o caso do Chile.12

Como afirma Martín (2014), os editores científicos, apesar de não definirem a priori quem publica nos periódicos, realizam um papel importante seja na divulgação da revista a redes de sociólogos relacionados ao editor, seja facilitando o convite à publicação e esclarecimento em relação às normas para fazê-lo. Neste sentido, pode-se afirmar que a concentração de editores de regiões da Europa e América do Norte provavelmente opera enquanto um facilitador da reprodução da concentração do Norte global no número de publicações, o que poderia explicar, em parte, a hegemonia euro-americana nos comitês das revistas.

Diferenças temáticas entre objetos de pesquisa

Com o interesse em aprofundar a discussão sobre a divisão global do trabalho intelectual nas revistas estudadas, decidiu-se por realizar uma análise mais extensa do tipo de objeto estudado13 pelos pesquisadores que publicaram nos periódicos. Esta iniciativa surgiu do interesse em compreender se as publicações de autores do Sul Global reproduziam algumas características que a literatura tem apontado enquanto típicas da posição da periferia na divisão global do trabalho, mais especificamente a tendência em trabalhar com estudos de caso e estudos sobre sua própria nação, em detrimento de trabalhos teóricos abstratos e estudos sobre outras nações/regiões.

Tendo em vista a enorme quantidade de artigos publicados por pesquisadores do eixo Euro-Americano, para fins comparativos, escolheu-se lidar com uma nação do Norte Global que fosse representativa deste grupo. O Reino-Unido foi o país escolhido para tal por ser uma nas nações com maior tradição no mainstream sociológico e, como observado nos dados anteriores, possuir forte hegemonia, em número de artigos, nas quatro revistas analisadas.

A partir da análise de títulos, resumos e palavras chave de toda a produção do Sul Global em comparação com a produção do Reino Unido,14 foi possível perceber uma clara diferença entre as nações da periferia global — com ênfase às que ficam na África e América Latina — e o comportamento britânico em se tratando do objeto estudado nos artigos. Observa-se que os autores da periferia realizam, em sua maioria, estudos focados em objetos com marcadores geográficos definidos, que em geral são o país ou região do pesquisador, enquanto autores do Reino-Unido se debruçavam sobre objetos sem enunciação a marcadores geográficos. Além disso, é possível observar a completa ausência de artigos da África e América Latina focados em estudos sobre outros países, categoria que se mostrou bastante presente no caso do Reino-Unido.

Mais do que isso, foi notado que entre as regiões do Sul Global existem algumas diferenças importantes em se tratando do tipo de objeto analisado. Algumas nações se aproximaram mais de padrões que seriam típicos do Norte (Reino-Unido), enquanto outras se situam em consonância com as demais nações da periferia. Israel, Singapura,15 Chile e Austrália foram os países que mais se afastam de outras nações do Sul, pois possuem trabalhos que se assemelham mais àqueles realizados por pesquisadores do Reino-Unido do que africanos ou latino-americanos. Estes casos, porém, apesar de serem agrupadas em regiões aqui tomadas como partícipes do Sul Global, possuem contextos acadêmicos com infraestrutura distinta daquelas de nações periféricas.

O caso do Chile seria uma exceção neste grupo, já que as Ciências Sociais chilenas, em parte por conta da herança da forte repressão institucional à esta área durante o período ditatorial (GARRETÓN, 2005), não possuem uma rede institucional equiparável a de outros países do Sul, como México, Brasil e Índia. Contudo, cabe mencionar que o caso chileno se encontra majoritariamente circunscrito à revista European Journal of Social Theory. A maior parte dos artigos do Chile foram escritos por Daniel Chernilo,16 de origem chilena. O sociólogo deu aulas na Universidade Alberto Hurtado do Chile e trabalhou como editor na revista britânica, vindo a fazer parte da Universidade de Loughborough, no Reino Unido em 2010. Esta vinculação entre o caso chileno e a pessoa de Chernilo pode ajudar a explicar o padrão de publicação observado, o que não exclui a possibilidade de que exista alguma singularidade típica das Ciências Sociais chilenas que ajude que possa apontar uma possível inclinação a mimetizar debates e estilos de cientistas sociais euro-americanos.

Gráfico 3: Tipo de Objeto entre regiões (2000–2016)
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados dos sites das revistas analisadas.

À luz das reflexões de Connel (2007) e Alatas (2003) sobre a divisão global do trabalho intelectual, a observação de que regiões do Sul se detêm em estudos com marcadores geográficos pode ser explicada pelos papéis que definem a periferia global no interior da divisão do trabalho intelectual. Segundo os autores, aos intelectuais do Sul Global não seria comum a atribuição de investidas de caráter teórico-abstrato ou análises de extensão global ou universal. Relegados aos autores com origem nestas regiões estariam os trabalhos com objetos circunscritos a regiões geográficas definidas, majoritamente objetos posicionados nas regiões a partir das quais estes pesquisadores escrevem. Além disso, em diálogo com os trabalhos de Keim (2008), poder-se-ia dizer que este padrão de inserção de autores do Sul Global nos debates em revistas de “alto-impacto” revela a pressão a apresentarem suas regiões ou países enquanto “casos exóticos” para adentrar tais espaços. Isto significa que o trabalho intelectual periférico, sem interesse em investir em análises gerais ou teóricas, mas sim em apresentar elementos singulares, defeituosos, ou mesmo estudos empíricos exemplares das teorias do centro, passaria a penetrar com maior facilidade no debate teórico internacional.

Este fenômeno, que não se restringe apenas a revistas de teoria, mas encontra exemplos em vários espaços que constituem as ciências sociais, acabaria por engessar cientistas sociais do Sul a meros informantes da realidade para além das metrópoles, impedindo que sejam lidos enquanto autores capazes de dialogar sobre questões mais gerais da disciplina como teoria, epistemologia e método. Neste caso, a inserção periférica, para além de um produto das dificuldades de entrada, acaba operando como estratégia de internacionalização a partir do Sul Global.

Em sentido oposto, as próprias representações de origem colonial que sustentam o eurocentrismo, onde a Europa é posicionada enquanto fonte do ser, racional e universal e o Sul como o espaço do não-ser e do particular e do irracional, operariam na legitimação de autores do Norte Global como dignos produtores de conhecimento teórico-abstrato. Mais do que isso, a presença relevante, entre os artigos publicados por pesquisadores do Norte-Global, de trabalhos sobre outros países poderia ser lida como um produto destas hierarquias no campo do conhecimento, com origens no processo colonial. A legitimidade intrínseca à intelectualidade das metrópoles coloniais em produzir reflexões sobre o outro, o diferente, ou mesmo o exótico, pode ser um dos fundamentos históricos a explicar a hegemonia dos pesquisadores do Norte Global em se tratando de estudos sobre outros países.

Neste sentido, parece que a divisão do trabalho global no campo do conhecimento, produto da colonialidade no campo do saber, serve como boa hipótese explicativa sobre a predominância, entre autores do Sul, de trabalhos com marcas geográficas referentes à suas origens nacionais ou locais, e entre autores do Norte, de artigos sobre temas abstratos, globais ou mesmo sobre outras regiões. Isto posto, as diferenças quanto ao tipo de objeto entre regiões estudadas neste tópico expressariam algumas das consequências da divisão global do trabalho intelectual nas revistas estudadas. A geopolítica no campo do conhecimento, ao passo que estabelece papéis hierarquicamente dispostos entre centro e periferia condiciona a reprodução do Norte Global enquanto o local privilegiado de enunciação legítima da teoria social.

Conclusões

As contribuições apresentadas neste artigo, ao trabalhar com o fenômeno da divisão global do trabalho intelectual, fornecem insumos à literatura que tem discutido a geopolítica da produção do conhecimento sociológico. A partir desta investigação foi possível dimensionar a extensão e caracterizar, em um caso concreto, um fenômeno que vem sendo alvo de crítica na literatura da área, a divisão global do trabalho intelectual em periódicos do topo de rankings de impacto internacional.

O domínio do Norte sobre a produção de teoria, apontado pela literatura enquanto estruturante da divisão global do trabalho intelectual, se faz presente nas revistas pela hegemonia dos pesquisadores Euro-Americanos sobre a maior parte das publicações, tanto em valores gerais quanto no comportamento dessas regiões no tempo entre 2000 e 2016. Além disso, a presença majoritária de autores do Norte nos comitês editoriais também aparece enquanto elemento fundamental para a reprodução da divisão global do trabalho intelectual, tendo em vista a importância dos comitês na determinação do perfil nacional dos autores que publicam nas revistas. Por fim, foi possível observar que a separação entre estudos teóricos e gerais e estudos com marcadores geográficos sobre o seu próprio país se fez presente no conteúdo das publicações de autores do Sul Global e pesquisadores do Reino Unido. Este dado aponta uma forma de inserção periférica do Sul nos debates das revistas que contribui para reprodução das desigualdades e hierarquias que estruturam as ciências sociais hoje.

As reflexões aqui abarcadas apontam para elementos fundamentais à reprodução de papeis que condicionam autores do Sul Global a se inserirem de forma periférica em discussões sobre teoria social, ou mesmo utilizarem-se desta forma de inserção como estratégia de entrada em tais debates. Por consequência também nos permitem observar estruturas que dificultam a expansão do potencial explicativo das ciências sociais, confinando o olhar sociológico a conceitos, narrativas, agendas e objetos que priorizam a experiência de uma parcela pequena da realidade mundial. Observa-se que existe um longo caminho para a construção de uma sociologia verdadeiramente global, capaz de criar espaços de debate equânimes entre regiões do mundo e, consequentemente, com chances de fazer circular reflexões teóricas alternativas às narrativas dominantes.

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  1. A dicotomia Sul-Norte global, tem sido utilizada em trabalhos como os de Santos (2007), Comaroff (2012), Connell (2006) e Rosa (2014), e mantém sentido paralelo ao de classificações como periferia-centro ou primeiro e terceiro mundo. Entende-se por Norte as regiões do mundo, em sua maioria localizadas no eixo Euro-Atlântico que historicamente ocuparam, e ocupam, posições de poder no sistema-mundo capitalista, as quais, em sua maioria, possuíam os status de metrópoles coloniais entre os séculos XV e XX. Destacam-se nações como Reino Unido, França, Holanda, Alemanha, e Estados Unidos. A noção de Sul Global utilizada aqui carrega o mesmo sentido que o termo “periferia” utilizado por Maia (2011). Entende-se por Sul Global, assim como periferia global, as “regiões do mundo localizadas fora do eixo do Atlântico Norte e que se constituíram de forma subordinada na divisão global do sistema-mundo capitalista. Em sua maioria essas regiões foram objeto de processos colonizadores europeus a partir do século XV” (MAIA, 2011, p. 72).↩︎

  2. Esta escolha deve-se pelo fato da importância que o formato artigo tem ganhado nas últimas décadas enquanto um dos principais meios de circulação nas ciências sociais.↩︎

  3. Neste trabalho, perfil nacional refere-se ao país da instituição de vínculo do autor. Esta decisão deve-se ao fato de que dados de nascimento de autores são de escasso acesso.↩︎

  4. Ramos (1996) direcionava sua crítica à estrutura dependente do raciocínio sociológico brasileiro, que nos termos do autor seria caracterizada pelo uso “mecânico” e “servil” da produção intelectual estrangeira, ou, dito em outras palavras, pela reprodução de uma “sociologia enlatada” ou “sociologia consular”. A investida do autor sinalizaria para a necessidade de adequação das teorias de fora às características que definem a realidade concreta brasileira, distanciando-se da imposição irrefletida de quadros mentais estrangeiros.↩︎

  5. Essas informações podem ser acessadas no Relatório Qualis Periódicos para a área de Sociologia de 2019. Link: www.gov.br↩︎

  6. Apesar da compreensão de que a noção de impacto, assim como os índices que buscam mensurá-la, possui limitações e é objeto de controvérsia, esta foi escolhida por permitir uma comparação mais exata entre as revistas e permitindo enxergar quantitativamente os periódicos que seriam mais lidos e citados no cenário global.↩︎

  7. O European Journal Of Social Theory é um jornal trimestral, fundado no ano de 1998, com sua sede atual na Universidade de Sussex, no Reino-Unido. Theory Culture and Society é um periódico bimestral, fundado no ano de 1982, com sede no Goldsmiths, Universidade de Londres, no Reino-Unido. Sociological Theory é um periódico trimestral, com fundação no ano de 1983, e tem sua sede na cidade de Washington, DC. Por fim, Theory and Society é uma revista bimestral, fundada em 1974 e sediada na Universidade da Califórnia-Davis.↩︎

  8. Conforme afirma Ortiz (2004), uma linguagem carrega em si elementos associados com uma realidade concreta específica, impõe-se ao debate em periódicos internacionais um universo semântico que se ajusta com maior facilidade à realidades de nações que tem o inglês como língua oficial. Nesse sentido, o uso de certos conceitos e problemas de pesquisa, que se tornam hegemônicos nesses debates, ao passo que se realiza a partir do inglês, perpetua a hegemonia de um “único mundo” o qual traduz-se com facilidade nesta língua ao passo que pode não encontrar equivalentes em outros contextos. Este fenômeno é observado com clareza por Hanafi (2011) ao descrever o caso das ciências sociais no mundo árabe, ao notar o abismo conceitual entre o debate sociológico publicado em revistas em árabe e revistas em inglês.↩︎

  9. Essas informações podem ser acessadas em: www.isa-sociology.org↩︎

  10. É importante mencionar que alguns países do Sul Global conseguem penetrar nestes comitês como o caso de Singapura, contudo faz-se necessário observar que existem desigualdades consideráveis entre países do Sul Global o que faz Singapura destoar pelas melhores condições de infraestrutura de suas instituições além de ser um polo que atrai pesquisadores do Norte por conta da oferta de bons salários.↩︎

  11. Faz-se necessário pontuar que o fato desses países possuírem membros nos comitês não implica que os editores tenham nacionalidade nestes países. O critério de classificação utilizado aqui diz respeito ao local onde os pesquisadores estão baseados e não a sua nacionalidade.↩︎

  12. A especificidade do caso chileno é explicada com mais detalhe no tópico seguinte.↩︎

  13. Para produzir esta análise decidiu-se trabalhar com a classificação de todos os artigos publicados por autores do Sul Global entre 2000 e 2016, em quatro tipos de objeto: a) SEU PAÍS: trabalhos exclusivamente sobre o país/região do pesquisador; b) AMBOS: trabalhos sobre o país/região do pesquisador e outro/outros país; c) SEM MARCA GEOGRÁFICA: trabalhos que não fazem referência a um contexto geográfico específico; e d) OUTRO PAÍS: trabalhos sobre país/região distinta da do autor. Para tal classificação foram analisados os títulos, palavras chave e resumos dos artigos.↩︎

  14. No caso do Reino-Unido, devido ao grande número de artigos nas revistas European Journal of Social Theory e Theory Culture and Society, escolheu-se trabalhar com 3 biênios, 2000-2001, 2008-2009, 2015-2016, buscando não enviesar a análise em um perídio específico no intervalo 2000–2016. Nas revistas americanas, analisou-se todos os artigos publicados por autores do Reino-Unido durante o intervalo 2000–2016, já que o número não tão elevado de artigos viabilizou a análise de todos, excluindo a necessidade de levantar biênios específicos como nas revistas europeias.↩︎

  15. Cabe ressaltar que durante a investigação sobre o caso de Singapura foi possível perceber que boa parte dos pesquisadores baseados nos países que publicaram nos periódicos não possui nomes que se assemelhem a nomes “típicos” da região asiática. Foi encontrado um número consideravelmente alto de autores com nomes comuns a regiões anglo-saxãs. Estes elementos apontam que possivelmente pesquisadores com nacionalidade e formação em regiões do Norte como Reino Unido e Estados Unidos acabam migrando para Singapura devido a oferta de bons salários e financiamento para pesquisas e reproduzindo padrões de objetos mais semelhantes a regiões do Norte Global.↩︎

  16. Daniel Chernilo, PhD em sociologia pela universidade de Warwick, trabalhou como professor da Universidade Alberto Hurtado do Chile entre os anos de 2004 e 2009, depois vindo a integrar o corpo docente da Universidade de Loughborough no Reino Unido desde 2010 até hoje. De acordo com o seu currículo publicado no site Academia, Daniel Chernilo passou a integrar o comitê editorial do European Journal of Social Theory no ano de 2006, cargo que continua a exercer até o momento.↩︎

Resumo:
Este artigo estuda as expressões da divisão global do trabalho intelectual em revistas internacionais de teoria social. Foram analisados os periódicos: Theory, Culture and Society; European Journal of Social Theory; Sociological Theory e Theory and Society. Apresenta-se o perfil nacional de autores que publicaram entre os anos de 2000 e 2016 e dos membros de comitês editoriais, além de comparação temática entre artigos de autores do Sul x Norte-Global. Observou-se a baixa presença de intelectuais do Sul em número de publicações; o domínio dos comitês editoriais por intelectuais do Norte; a ausência de crescimento da participação do Sul Global nos anos analisados; e diferenças entre o tipo de objeto pesquisado por intelectuais do Sul x Norte-Global. Argumenta-se que existe uma inserção qualitativa e quantitativamente periférica de intelectuais do Sul Global nos debates de teoria nas revistas analisadas.

Palavras-chave:
Teoria; divisão global do trabalho intelectual; circulação de conhecimento; geopolítica do conhecimento.

 

Abstract:
This article studies the expressions of the global division of intellectual labor in international journals of social theory. The following journals were analyzed: Theory, Culture, and Society; European Journal of Social Theory; Sociological Theory and Theory and Society. The article analyzes the national profile of authors who published between 2000 and 2016 and of the members of editorial committees. Thematic comparison between articles by authors from the South x Global-North is also made. The results show: low presence of intellectuals from Global-South in publications; domination of editorial committees by Northern intellectuals; lack of growth in the participation of the Global South in the years analyzed; and differences between objects researched by intellectuals from the South x Global-North. There is a qualitative and quantitatively peripheral insertion of intellectuals from the Global South in the debates of theory in the journals.

Keywords:
Theory; global division of intellectual labor; circulation of knowledge; geopolitics of knowledge; rankings.

 

Recebido para publicação em 19/03/2021
Aceito em 24/05/2021