Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 2, jul./out., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.2.d01
ISSN: 2318-4620

 

 

Apresentação

 

Amurabi Oliveira OrcID
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
amurabi1986@gmail.com

Marcelo Pinheiro Cigales OrcID
Universidade de Brasília, Brasil
marcelo.cigales@gmail.com

 

O surgimento do Departamento de Sociologia na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, em 1892 demarcou um processo de institucionalização importante da pesquisa em Ciências Sociais (MARTINS, 2013), avançando mesmo em relação ao contexto europeu, no qual, alguns anos antes (1887) na Universidade de Bordeaux havia sido criado a primeira cátedra de Ciências Sociais por Émile Durkheim (MUCCHIELLI, 2001).1

Nas décadas seguintes, experimentou-se um desenvolvimento relativamente heterogêneo das Ciências Sociais por diversos países, demarcando uma pluralidade de estilos e de formas de institucionalização, ainda que tenha havido algumas orientações mais gerais, marcadas principalmente pela influência do positivismo num primeiro momento.

No caso latino-americano, por exemplo, houve percursos bastantes plurais. Na Argentina as primeiras cátedras no ensino superior surgiram ainda no final do século XIX, porém, apenas na década de 1950 foi criada a carreira em Sociologia (TRINDADE, 2018), ao passo que no Brasil as primeiras cátedras surgiram inicialmente na educação secundária, e as primeiras carreiras de ensino superior nos anos de 1930 (MICELI, 1989). São também marcos desse processo a criação do Centro Latino-Americano de Pesquisas Sociais em 1955, no Rio de Janeiro; e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais em 1958, em Santiago, Chile.

Aprofundando no caso brasileiro, as primeiras experiências de formação pós-graduada iniciaram-se na década de 1940 com a divisão de estudos pós-graduados na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, que abarcava na rubrica das Ciências Sociais formação na área da Economia, História, Psicologia Social etc. Também na Universidade de São Paulo e na Universidade do Brasil passou-se a titular mestres e doutores em Ciências Sociais ainda na década de 1940.

Com a Reforma Universitária, em 1968, temos no Brasil a institucionalização do sistema de pós-graduação nacional, do qual se beneficiou amplamente as Ciências Sociais. Foram criados então os primeiros cursos neste campo, distribuídos da seguinte forma: em Antropologia, Museu Nacional em 1968; Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1971; Universidade de Brasília (UnB) em 1972; Universidade de São Paulo (USP), em 1972; Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1977; e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1979; em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1960; Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), em 1969; UFRGS, em 1973; USP, em 1974; e Unicamp, em 1974; em Sociologia, UFPE, em 1967; IUPERJ, em 1969; UnB, em 1970; USP, em 1971; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1973); Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1973; Unicamp, em 1974; Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1976; Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 1977, no campus II (atual Universidade Federal de Campina Grande); e em 1979 no campus I.

Nas últimas décadas tem-se observado uma expansão considerável dos programas de pós-graduação nessas áreas, com destaque para aqueles criados fora do Sudeste, região na qual surgiram as primeiras experiências (BARREIRA; CORTES; LIMA, 2018). Esta expansão também tem sido acompanhada do surgimento de novos modelos formativos na pós-graduação em Ciências Sociais, com destaque para os mestrados profissionais que já somam 16 programas na Ciência Política, dois na Sociologia, sendo um deles em rede, e um na Antropologia. Esse processo tem ocorrido de forma concomitante às mudanças nos sistemas de avaliação do ensino superior em nível de graduação e pós-graduação, aos fluxos e influxos do financiamento da pós-graduação, e às mudanças da agenda nacional e internacional em termos de delimitação das áreas prioritárias de pesquisa.

Atualmente, discute-se a implementação de novos modelos de avaliação institucional da pós-graduação, reformulação da classificação dos periódicos, delimitação de áreas prioritárias, além de um possível rearranjo na divisão por áreas existentes atualmente. Este processo em seu conjunto, tem demandado o desenvolvimento de novas reflexões por parte das Ciências Sociais, que possibilitem o exame não apenas do perfil da pós-graduação no cenário atual, como também seu processo de expansão, diversificação e de seus atuais desafios no cenário nacional e internacional. Deve-se ainda considerar que a maior profissionalização dos cientistas sociais ocorre também num momento de ataque às ciências humanas e sociais na esfera pública, o que complexifica ainda mais o exame desta questão (BLOIS; OLIVEIRA, 2019).

Considerando esses elementos em seu conjunto, a reflexão sobre a pós-graduação em Ciências Sociais — especialmente num momento em influxo, com sua exclusão das áreas prioritárias do CNPq — coloca-se como uma questão urgente. Tal movimento se realiza desde um debate acumulado sobre ensino superior, mas também sobre uma ciência social dos cientistas sociais.

O primeiro artigo do dossiê intitula-se “Pós-graduação em Sociologia na Unicamp: mudanças e permanências” escrito por Fernando Henrique Protetti (IFSP). No trabalho, o autor analisa as mudanças e permanências na pós-graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), utilizando material empírico a partir de entrevista com 11 professores(as). Além de reconstituir a história dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e Ciências Sociais nessa universidade, Protetti faz uma análise histórica sobre as transformações da pós-graduação no país que trouxeram mudanças, não só para a dinâmica de trabalho, mas também para o perfil do egresso formado na área. O artigo nos faz pensar como as agências de fomento e as normativas de regulamentação da pós-graduação, ao mesmo tempo em que visaram profissionalizar a pós-graduação, criaram desafios internos e rearranjos estruturais. Trata-se de um artigo relevante para a compreensão das transformação da pós-graduação em Ciências Sociais/Sociologia na Unicamp, e também em outras instituições de pós-graduação no país.

O segundo artigo, denomina-se “Radiografias institucionais do campo (?) das relações étnico-raciais na Antropologia feita no Brasil” e foi escrito por Zwanga Nyack (UFRJ). Nele, o autor busca refletir sobre resultados de uma pesquisa sobre as inter-relações entre a Antropologia Social e o campo das relações étnico-raciais. Para isso, analisa as linhas de pesquisa sobre as comunidades negro-africanas durante os anos de 1968-2000, momento de institucionalização da disciplina no campo acadêmico brasileiro. A partir de um mapeamento dos Programas de Pós-graduação em Antropologia existentes nesse período, o autor evidencia as linhas de pesquisa e as discussões sobre a temática. O artigo nos faz pensar sobre o desenvolvimento dos conceitos de raça e de relações étnico-raciais de uma visão histórica e contextual no interior do campo da Pós-graduação em Antropologia no Brasil.

O terceiro artigo é de autoria de Amurabi Oliveira (UFSC) e intitula-se “Mestrados Profissionais em Ciências Sociais e a Formação em Educação”. No artigo são analisados os perfis de três mestrados profissionais em Ciências Sociais, o Mestrado em Ciência Política da Universidade Estadual de Maringá (UEM), o de Sociologia da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e o de Antropologia da Universidade de Pernambuco (UPE). Além de evidenciar a estrutura dos programas, o perfil dos docentes e egressos, também são apresentados dados sobre a estrutura curricular, linhas e projetos de pesquisa. O artigo contribui para pensar sobre a criação desse modelo de pós-graduação em Ciências Sociais no país, geralmente atrelado a demandas práticas para a atuação em instituições de ensino e demais burocracia técnico-estatal, ainda que algumas características dos programas acadêmicos sejam preservadas tendo em vista que a identidade desses programas ainda encontra-se em constituição.

Na sequência, temos o artigo “A agenda de pesquisa sociológica no Brasil: o caso dos Programas de Pós-graduação” de Mariana Siracusa Nascimento (UERJ). A autora dedica-se a analisar a Sociologia desenvolvida no país a partir do mapeamento temático dos projetos de pesquisa em curso nos Programas de Pós-graduação, visualizando também as fontes de financiamento. A pesquisa analisa dez programas de pós-graduação em Sociologia, a partir dos dados coletados através da Plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A pesquisa apresenta uma retrato interessante sobre os focos de pesquisa, as áreas privilegiadas e os principais movimentos teóricos da Sociologia desenvolvidos na contemporaneidade. Trata-se de um convite para a reflexão sobre o impacto dos Programas de Pós-graduação para o desenvolvimento das pesquisas sociológicas entre nós.

O quinto artigo do dossiê intitula-se “A internacionalização da Sociologia brasileira: mapeamento das cartografias acadêmicas dos estudantes de pós-graduação” de autoria Camila Ferreira Silva (UFAM) e Rodrigo de Macedo Lopes (UFRGS). Os(as) autores(as) analisam a internacionalização no cenário da pós-graduação brasileira, a partir do fluxo de intercâmbio no exterior realizado pelos estudantes de mestrado e doutorado, dando ênfase para uma análise sobre o aumento longitudinal do número de bolsistas CAPES no exterior, o lugar de destino desses bolsistas de mestrado e doutorado pleno e sanduíche. Questionam ainda, quais as transformações na pós-graduação dado os últimos vinte anos de investimento em bolsas internacionais? Entre os achados da pesquisa, está o fato de que a Europa, e mais especificamente, a França ainda continuam sendo um dos principais caminhos de destinos de mestrandos e doutorandos da área de Sociologia. O trabalho é rico em dados que nos faz pensar sobre as continuidades e rupturas da geopolítica do conhecimento sociológico na contemporaneidade.

O artigo que fecha o dossiê é de autoria de Matheus Ribeiro (UnB). Intitulado “A Divisão Global do Trabalho Intelectual em Revistas Internacionais de Teoria Social (2000-2016)”, o trabalho analisa as quatro revistas mais bem classificadas, segundo as métricas de rankings internacionais na área de teoria social: Theory Culture and Society, European Journal of Social Theory, Theory and Society e Sociological Theory. A partir de um estudo sistemático dessas publicações, o autor problematiza a geopolítica do conhecimento sociológico mundial, tendo em vista a origem dos(as) autores(as), observando que ainda há um caminho significativo para o desenvolvimento de uma Sociologia mundial sem a sobreposição de determinados narrativas advindas do norte global.

O dossiê também traz uma entrevista com o professor Jacob Carlos Lima (UFSCAR), que atualmente preside a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). Na entrevista realizada por Marcelo Cigales (UnB), são abordados aspectos da institucionalização e profissionalização das Ciências Sociais brasileiras, com ênfase nas características dos Programas de Pós-graduação em Sociologia, assim como das agências de fomento a pesquisa como CAPES e CNPq e das associações profissionais como ANPOCS e SBS. Além disso, ressaltam-se aspectos dos efeitos da política-institucional no financiamento da pós-graduação da área de Ciências Sociais, das consequências da crise político-sanitária da Covid-19 no país e de uma avaliação sobre a participação da comunidade científica da SBS no Fórum de Sociologia da International Sociological Association (ISA) e da realização do 20º Congresso Brasileiro de Sociologia no ano de 2021, ambos eventos inéditos, em seu formato online.

Por fim, gostaríamos de agradecer a equipe editorial da revista Ciências Sociais UFC, que aceitou a publicação deste dossiê, e também a todos(as) os(as) avaliadores(as) que gentilmente atenderam nosso pedido de revisão cega por pares, contribuindo para que os artigos fossem revisados e aprovados. Também estendemos nossos agradecimentos aos autores(as), e desejamos uma boa leitura!

Referências

BARREIRA, Irlys; CORREA, Soraya; LIMA, Jacob Carlos. A sociologia fora do eixo:diversidades regionais e campo da pós-graduação no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, Belo Horizonte, v. 6, n. 13, p. 76-103, 2018.

BLANCO, Alejandro. La Asociación Latinoamericana de Sociología: una historia de sus primeros congresos. Sociologias, Porto Alegre, v. 7, n. 14, p. 22-49, 2005.

BLOIS, Juan Pedro; OLIVEIRA, Amurabi. La sociología como profesión. Formación, organización y prácticas de las sociólogas y los sociólogos en un escenario de cambio. Temas Sociológicos, Santiago, s/v, n. 25, p. 9-24, 2019.

MARTINS, Carlos Benedito. O legado do Departamento de Sociologia de Chicago (1920-1930) na constituição do interacionismo simbólico. Sociedade e Estado, Brasília, v. 28, n. 2, p. 217-238, 2013;

MICELI, Sergio. Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais. In: _____. (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil. Vol. 1. São Paulo: Vértice; IDESP; FINEP, 1989, p. 72-110.

MUCCHIELLI, Laurent. O nascimento da sociologia na universidade francesa (1880-1914). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, nº 41, p. 35-54. 2001.

TRINDADE, Helgio. “Disciplinarização” e construção institucional da sociologia nos países fundadores e sua reprodução na América Latina. Sociologias, Porto Alegre, v. 20, n 47, p. 210-256, 2018.


  1. Importante destacar que apesar dessa ser a versão mais conhecida da institucionalização da Sociologia no mundo, há outras narrativas. Blanco (2005), por exemplo, afirma que o primeiro curso de Sociologia foi criado na Universidade de Bogotá, em 1882, dez anos antes da Universidade de Chicago↩︎