Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 2, jul./out., 2022
DOI: 10.36517/rcs.2022.2.d03
ISSN: 2318-4620

 

 

Biografia e trajetória de uma elite judicial:
os profissionais anticorrupção brasileiros

 

Maria Eugenia Trombini OrcID
Instituto Max Weber de Sociologia, Alemanha
maria.trombini@mwi.uni-heidelberg.de

Mario Jorge OrcID
Instituto Max Weber de Sociologia, Alemanha
mario.jorge@mwi.uni-heidelberg.de

Elizangela Valarini OrcID
Instituto Max Weber de Sociologia, Alemanha
elizangela.valarini@mwi.uni-heidelberg.de

 

Introdução

Entre 2014 e 2018, a opinião pública se dividiu em torno da avaliação sobre o tipo de protagonismo dos membros das carreiras públicas do sistema de justiça engajados no combate à corrupção. Os acontecimentos que seguiram não diminuíram o volume de atenção dedicado aos órgãos da rede de accountability e seus integrantes, mas polarizaram ainda mais os grupos em torno de uma “juristocracia lavajatista” de um lado e outra garantista. Os espaços atribuídos a cada uma das posturas foram bem demarcados, particularmente na Operação Lava Jato, com os procuradores e magistrados da Justiça Federal no primeiro grupo e a cúpula do Judiciário, mais especificamente a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no segundo. Outras rotulagens binárias que a ecologia recebeu foram “algoz da corrupção e dos poderosos” e “algoz da impunidade”, operando uma separação entre um campo conservador e outro progressista, ausente de colorações intermediárias. Este artigo objetiva ir além de rótulos ex ante, preenchendo uma lacuna ao apresentar quem são os diferentes personagens que atuaram em grandes casos anticorrupção desde a redemocratização no Brasil. Além de burocratas, consideramos que os advogados de defesa de réus com expertise nesses casos também integram a categoria dos profissionais anticorrupção, por representarem ponto fundamental de equilíbrio do sistema de justiça. Em primeiro lugar faremos uma discussão das escolhas metodológicas e da operacionalização de nossa base de dados relativa aos profissionais, para então introduzir os resultados de nossa análise: as características das dimensões social, educacional e ocupacional do grupo da elite jurídica. Após apresentar os achados prosopográficos faremos uma breve conclusão, acenando para pesquisas futuras no campo da Sociologia das profissões jurídicas.

Para responder à pergunta sobre quem são os profissionais que atuam em casos de corrupção, esse estudo se valeu dos dados de um projeto de pesquisa mais amplo sobre corrupção e crime organizacional no contexto do qual ouvimos especialistas do sistema de justiça.1 Procedemos à coleta, sistematização e processamento de documentos oficiais e informações subjetivas para a aplicação de métodos quantitativos e qualitativos. Originalmente, o grupo das profissões do Direito não era o foco da análise, mas sim, os indivíduos com pertencimento às organizações econômicas e políticas por eles investigados, sentenciados ou defendidos, com o objetivo de compreender os mecanismos que sustentam o crime corporativo e a corrupção no Brasil sob a perspectiva destes profissionais. No curso da pesquisa, porém, reconhecemos a importância de contribuir para uma Sociologia das elites jurídicas usando como substrato empírico os participantes do estudo que foram ouvidos na qualidade de membros das carreiras da magistratura, dos órgãos de investigação e persecução e da advocacia, com experiência em escândalos de corrupção recentes. Nosso interesse recai em realizar um giro estruturalista que permita, de um lado, identificar as características do grupo e, de outro, pensar tipologias de diferentes perfis possíveis de profissionais atuantes no campo anticorrupção. Assim, nossa primeira etapa consiste em um esforço descritivo, partindo dos dados objetivos e discutindo os achados, seguida de uma etapa indutiva, olhando diferentes colorações biográficas dentro do grupo para permitir que explicações mais sofisticadas sobre as variações nas formas de pensar e decidir sejam articuladas.

Abordagem teórica e metodológica

Entre os sociólogos, o principal exemplar de profissionalização no mundo ocidental moderno foram as carreiras no Direito, seguidas pelas da Medicina (PARSONS, 1968; JARAUSCH 1990; PREST 1987; KARPIK, 1990). Se a ênfase da Sociologia anglo-americana foi no paradigma da autonomia e autorregulação das profissões, estudos comparativos reconheceram a especificidade da profissionalização nos contextos continentais e assumiram uma abordagem Estadocêntrica (SIEGRIST 1989; RUESCHEMEYER, 1986; ABBOTT, 2002). Identificar as características empíricas de diferentes ocupações em certos períodos históricos e locais foi o percurso necessário para situar as dimensões sociais, políticas, econômicas e culturais subjacentes à cada profissão. Para os sociólogos continentais, as perguntas de se, e como, as profissões estiveram historicamente ligadas ao surgimento de democracia liberal nas sociedades anglófonas demandariam esforços de mapeamento das orientações culturais, convicções psicológicas e interesses socioeconômicos dos atores. Ou seja, exigem que o pesquisador estabeleça um encaixe entre o fundamento epistemológico e o estrutural de cada ocupação em dado contexto temporal e espacial.

Com uma mirada interdisciplinar aprendemos que a profissionalização da arte na França do fim do século 18, quando as escolas de belas artes operaram uma primeira separação entre artistas e artífices, não estaria associada a um “liberalismo”, vez que se baseou em uma aliança paradoxal entre o poder aristocrático e o espírito filosófico.2 Ao forjar uma classe cultural privilegiada, a Académie parisiense ligou a imagem do acadêmico ao antigo regime, ressaltando a importância de que a análise de profissões se dê em contexto preciso, para evitar anacronismo (ROCHE, 1999). Atentos a isso, consideramos que a literatura sobre os protagonistas da anticorrupção poderia se beneficiar de uma análise mais detida sobre quem são os indivíduos das diferentes corporações interagindo em casos de corrupção judicializados. Quais suas origens sociais e em que pontos suas biografias os aproximam ou distanciam do universo das carreiras que integram. Seriam eles uma elite jurídica homogênea e, considerando a variância, quais os traços mais marcantes para a formatação de tipos de perfis de profissionais?

Tomando as profissões3 legais como objeto, queremos contribuir para uma agenda mais ampla de natureza multifatorial que pretende sublinhar o aspecto funcional — o modo de ordenamento que atribui a certos grupos ocupacionais um monopólio ou uma jurisdição (ABBOTT, 2002) —, o aspecto político — interações complexas entre agrupamentos profissionais, o Estado e o mercado (ABEL; LEWIS, 1995) — e o aspecto cultural — que resulta de diferentes preocupações contextuais, filosóficas e ideológicas a depender da sociedade (NELSON; TRUBEK, 1992; FLOOD, 1996) do referido corpus de análise. Isso é possível se pensarmos o espaço dos casos de corrupção como um “complexo legal” próprio no qual interagem burocratas de carreira e profissionais liberais, cada qual com atribuições distintas na administração da justiça. Por reconhecer uma afinidade com o método da prosopografia, emprestamos dos estudos sócio-históricos de Karpik e Halliday (2011) o conceito de “complexo legal” ao invés de noções alternativas como a de campo (BOURDIEU, 1986). Em que pese tal referencial teórico seja muito citado na literatura brasileira para explicar fenômenos contíguos ao nosso (ALMEIDA, 2019; DALCOL; FOSSÁ, 2019; ENGELMANN, 2012; OLIVEIRA et al., 2017 — embora não o citem), nós não entraremos na ordem simbólica da ação jurídica e nem mobilizaremos a categoria de poder — ao menos não com a centralidade dos estudos nessa tradição. Ficaremos concentrados à pergunta “quem são?”, que fornece chaves explicativas para qualificar as pesquisas sobre “como pensam?” ou “como decidem?” os profissionais do complexo anticorrupção brasileiro.

Para a formação da nossa amostra de especialistas em “anticorrupção” aplicamos um procedimento em duas etapas, focando em episódios e posteriormente em indivíduos. Primeiro, concentramo-nos em casos de corrupção revelados, com sentença dada pelo Judiciário, nos quais a interação entre o setor econômico e político foram objeto de investigações dos órgãos do sistema de justiça, ocorridos desde a redemocratização, que tenham recebido o status de escândalos, atingindo a opinião pública em nível nacional. Por estarem associados a um sistema em particular, descartamos os episódios em que somente estavam no centro a corrupção política ou eleitoral, ou corrupção privada, fraude à licitação ou cartel; e utilizamos como critério a presença de investigados oriundos do mercado e da burocracia, lado a lado. Um segundo critério utilizado foi terem os casos chegado aos tribunais federais e à jurisdição de Brasília, instando os tribunais a se manifestarem sobre assuntos tratando de grandes empresas e partidos políticos.

No período inicial de nossa pesquisa foi inevitável tomar a Operação Lava Jato como ponto de partida, por ser a maior operação anticorrupção recente para a qual a maioria dos procedimentos judiciais estavam disponíveis digitalmente e cujos atores ocuparam os veículos de mídia. Incluímos, com base nos critérios acima, o Caso Banestado, o Mensalão, a Operação Satiagraha e Operação Castelo de Areia. Findo o primeiro passo, selecionamos os potenciais entrevistados a partir dessas cinco operações. Demos início à construção de uma lista com membros das carreiras da magistratura, órgãos de controle e persecução e advocacia, respeitando a proporção das carreiras atuantes (motivo pelo qual os advogados estão sobrerrepresentados), de gênero, de idade, de local de atuação e de operação em que atuou. Enviamos convites aos participantes que estiveram lotados nas burocracias judiciais que investigaram, acusaram e decidiram os casos; bem como aos advogados e advogadas que atuaram na defesa dos acusados; e agendamos entrevistas com aquelas que responderam positivamente. Ao todo realizamos 65 entrevistas qualitativas de conteúdo biográfico e narrativo com agentes do sistema de justiça envolvidos no “combate à corrupção”.

Tabela 1: Carreiras incluídas na análise

Grupo entrevistado/profissão Frequência Porcentual
Advocacia 29 46,0
Procuradoria 14 22,2
Judiciário 14 22,2
Outras burocracias* 06 9,6
Total 63 100,0
*Polícia Federal, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e Receita Federal.

Cumpre mencionar duas limitações dos dados coletados que serão a seguir introduzidos. Primeiro, a seleção dos casos produziu um cluster anticorrupção localizado no eixo Sul-Sudeste, que apenas ilustra a preponderância da jurisdição dos casos selecionados e a anticorrupção no Brasil. Segundo, aceitar o convite para participar em pesquisa acadêmica afunila a amostra, haja vista a dificuldade de falar com ministros do Supremo Tribunal Federal, por exemplo. Para melhor compreender o complexo anticorrupção no Brasil, mobilizamos ferramentas de calibração da amostra. Um esforço inicial bem-sucedido de entrevistar figuras atuantes na Lava Jato foi feito em 2017, seguido por duas rodadas presenciais no segundo semestre de 2019 e primeiro semestre de 2020 quando tivemos alta responsividade. Nessas oportunidades nos valemos, conforme a técnica de bola de neve, da indicação de colegas, e escutamos membros de órgãos de accountability como a Receita Federal e o CADE, que estavam fora da amostra inicial. Isso aumentou o número de entrevistados da burocracia e trouxe uma variância em termos de carreiras menos convencionais do que a de advogado, promotor e magistrado. Continuamos a adquirir e realizar entrevistas até completar um universo estratificado por cotas de gênero, ocupação e local de trabalho. Diante da pandemia de Coronavírus, foi possível corrigir distorções e conversar virtualmente com perfis até então ausentes como o de mulher, magistrada, da jurisdição de Brasília, em entrevistas ocorridas ao longo de 2021. As entrevistas serviram não somente para a coleta de dados biográficos sobre os participantes, mas também narrativos, sobre organizações políticas e econômicas, prevenção e cultura. Do relato dos entrevistados, contabilizamos experiências em 25 casos de corrupção, algumas nos estados do Norte e Nordeste, ainda que a maioria concentradas em SP, RJ e PR, começando nos anos 1990 até os dias atuais.

Como fontes de coleta dos dados biográficos, usamos um questionário sociodemográfico entregue aos respondentes e bases de consulta como biografia disponibilizada nas páginas dos escritórios de advocacia, em publicações acadêmicas, Currículo Lattes e materiais jornalísticos. Em relação aos que não responderam ao questionário que acompanhou a entrevista gravada, alguns dos dados foram fornecidos no bloco de perguntas sobre a trajetória profissional, sendo manualmente transcritos pelos autores para fichas prosopográficas. Consideramos os dados coletados no momento da realização das entrevistas, mesmo quando o principal cargo anticorrupção desempenhado pelo especialista tenha sido anos antes em sua carreira. Nossa amostra de entrevistados é representativa do universo de profissionais que trabalharam nas grandes operações de corrupção e nele receberam alguma visibilidade, o suficiente para serem considerados como especialistas e convidados para entrevista. Como a amostra constitui parte do universo de profissionais do Direito, faremos sempre que possível comparações entre os achados do grupo e aqueles das demais carreiras usando dados como o Censo e levantamentos de cada corporação quando disponíveis.

Na fronteira entre os estudos de elites e a historiografia, nosso método de análise dos padrões relacionados à biografia e trajetória do grupo estudado é a prosopografia, seguindo a tradição brasileira na área (PANG; SECKINGER, 1972; BARMAN; BARMAN, 1978; LOVE; BARICKMAN, 1986; CODATO, 2014; ALMEIDA, 2016; HEINZ; VIANNA, 2021). Mais do que mera análise de estatística descritiva, pretendemos estimar movimentos de separação (ou não) das diferentes esferas das práticas sociais, tomando as variações nos perfis dos profissionais anticorrupção como proxy de um processo mais amplo (HEINZ; CODATO, 2015). Abaixo, discutiremos as informações coletadas tendo como eixo orientador apresentar a dimensão social, educacional e profissional do grupo anticorrupção. Isso porque as elites recrutam outros membros com base em fatores atribuídos, tais como gênero e origem social; e adquiridos, como diplomas educacionais, títulos, expertise e sucesso profissional. Subsequente à análise descritiva dos dados, faremos uma representação gráfica dos diferentes perfis usando as três dimensões estudadas como eixo, apresentando os dados espacialmente para mapear a relação entre os indivíduos no interior do grupo.

Resultados

Os dados biográficos abaixo apresentados foram organizados no padrão já conhecido de “uma linha, um indivíduo”, com várias colunas de atributos; como idade, local de nascimento, sexo, posição etc. Nosso banco de dados do SPSS é composto de dois conjuntos de variáveis: dados brutos e codificados. Os primeiros (raw data) são colunas com cadeias de texto longas que são, então, codificadas em várias variáveis. Os codificados (coded data) são colunas simples, com valores prontos ou quase prontos para análise quantitativa, como variáveis binárias (0 ou 1) sobre se o indivíduo tem ou não ascendentes em uma carreira jurídica. As dimensões de interesse foram desdobradas em diferentes variáveis para as quais tínhamos dados disponíveis, sendo que outros componentes que poderiam acrescentar maior detalhamento, como a renda dos profissionais anticorrupção, estão ausentes diante da difícil coleta. Vale citar que nem todos os entrevistados preencheram os questionários sociodemográficos solicitados, alguns por não terem devolvido o documento, outros por recusa. Mobilizamos outras fontes de dados biográficos na tentativa de preencher o maior número de colunas e tivemos uma boa taxa de sucesso, embora alguns missings tenham persistido.

Tabela 2: Características demográficas do universo anticorrupção

Dimensão Variáveis Categorias Contagem Subtabela %
Social Gênero

Masculino

Feminino

43

20

68,3

31,7

Naturalidade

Sul

Sudeste

Nordeste

Centro-Oeste

Exterior

Missing

20

26

5

2

2

8

31,7

41,3

7,9

3,2

3,2

12,7

Idade

31-49

50-68

69-87

Missing

16

26

2

19

25,4

41,3

3,17

30,2

Religião

Católica

Cristã

Judaica

Sem religião

NR

Missing

18

4

1

7

3

30

28,6

6,35

1,59

11,1

4,76

33,5

Familismo ascendente

Sim

Não

Missing

20

22

21

31,7

34,9

34,9

Familismo jurídico*

Algum

Nenhum

Missing

36

6

21

57,1

9,5

34,9

Educacional Status educacional

Bacharel

Especialista

Mestre

Doutor

11

15

14

23

17,5

23,8

22,2

23

Faculdade graduação

Pública

Privada

37

26

58,7

41,3

Capital internacional

Europa

EUA

Híbrido

Nenhum

12

7

7

37

19

11,1

11,1

58.7

Ocupacional Ocupação

Magistrado

Promotor

Advogado

Outro

14

14

29

6

22,2

22,2

46

9,5

Local de trabalho

BSB

SP

RJ

PR

Outros

8

22

4

26

3

12,7

34,9

6,3

41,3

4,8

Outra carreira jurídica ou coercitiva

Sim

Não

Não jurista

Missing

15

24

3

21

23,8

38,1

4,8

33,3

Experiência administrativa

Sim

Não

Missing

24

36

3

38,1

57,1

4,8

Docência

Sim

Não

Missing

32

29

2

50,8

46

3,2

Total 63 100,0
*Ascendente, cônjuge, colateral, descendente.

Dimensão social

Gênero

Como já antecipado, visamos o equilíbrio do banco anticorrupção estratificando por sexo, estimando o universo feminino nas carreiras jurídicas em específico. Nossa busca por ponderação, porém, foi balizada pela premissa que a sociabilidade masculina prevalece entre as elites dirigentes (TOFT; FLEMMEN, 2018; FLEMMEN et al., 2017) e que o Direito é uma área de trabalho tradicionalmente dominada por homens também no Brasil (BARBALHO, 2008; BOTELHO, 2003). Segundo os dados da OAB, as mulheres são a maioria na prática da advocacia em vários Estados — entre eles Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal. Com a exceção do Paraná, o número de mulheres excede o de homens nos demais estados nos quais os profissionais anticorrupção estão lotados.4 A realidade na especialidade do Direito Penal, porém, é menos representativa, o que notamos quando buscamos ativamente os nomes das mulheres que defenderam servidores, empresários e políticos nos escândalos recentes. Pode-se especular que isso tenha a ver com a sobrerrepresentação dos homens na participação em crimes, inclusive nos de colarinho branco (GOTTSCHALK; GLASØ, 2013), o que poderia gerar: a) maior propensão dos homens para lidar com aspectos “perigosos” da sociedade; e b) maior identificação entre os advogados e seus clientes, preterindo defesas por criminalistas mulheres.

No plano vertical, sobre a existência de um “teto de vidro” que limita a ascensão das mulheres às posições no topo de sociedades de advogados, apesar de seu maior ingresso nas profissões jurídicas no Brasil (BERTOLIN, 2017), nossa amostra permite algumas inferências. Das mulheres advogadas com as quais conversamos, três são sócias de escritórios que levam seus nomes, uma é sócia em uma grande banca de advocacia e a entrevistada mais jovem do grupo é mulher associada em tradicional escritório de advocacia com especialidade em delação premiada. Contudo, o processo de seleção de especialistas afunilou o grupo num recorte temático e por status, deixando de fora advogadas que não atuaram em grandes casos ou não foram citadas por colegas como relevantes para entrevistas. A correlação negativa entre mulheres e o status educacional (Apêndice 1) indica que, no interior do grupo, os homens continuam detendo maior capital simbólico do que suas colegas.

Na magistratura brasileira, a tendência de feminização aumentou expressivamente entre 1990 e 2009, porém, na Justiça Federal houve redução no percentual de participação de magistradas se comparados os últimos 30 anos. Na nossa prosopografia 35% são mulheres, próximo dos dados de 1988, quando as magistradas federais em atividade eram 34,6% e mais generoso do que 2008, quando o percentual caiu para 31,1% (CNJ, 2019). Se tomarmos a pesquisa da AMB (WERNECK VIANNA et al., 2018) como base, também fomos generosos incluindo mais mulheres do que a média de 25% de magistradas atuantes na Justiça Federal (2º Grau). No Ministério Público os proxies são mais difíceis, vez que não existe censo da carreira em nível federal, por isso, nos apoiamos no levantamento feito pelo Ministério Público de São Paulo, segundo o qual 23,67% do total dos cargos de Procurador de Justiça eram ocupados por mulheres no final de 2017.

A tendência de considerar que os homens têm melhor desempenho na área Penal foi verificada entre os respondentes de seis países da América Latina, reiterando a dificuldade das mulheres de acessarem determinadas áreas de especialização no âmbito da profissão jurídica, o que se designa de segregação horizontal (KAHWAGE; SEVERI, 2019). Um ponto que merece destaque é o papel dos mentores homens nas carreiras das mulheres juristas já relatado na literatura (KAY; WALLACE, 2009) e mencionado por várias das mulheres no bloco biográfico das entrevistas. Ele nos leva a formular uma nota sobre interseccionalidade entre gênero e idade que devem ser sopesadas, haja vista a idade média de 52 anos dos profissionais. A tendência descendente de feminização na magistratura pode gerar uma menor representatividade de mulheres juízas no futuro, enquanto a ascendência na advocacia pode aumentar o número de defensoras em posição de destaque nos escritórios preferidos pelos investigados em delitos financeiros.

Idade

O entrevistado mais velho da amostra nasceu em 1934, e a mais jovem em 1990. A média de idade é 52 anos, o que significa que eram jovens no período da Ditadura Militar. O grupo é relativamente jovem para os padrões do Direito, disciplina na qual todos precisam de experiência suficiente para trabalhar na área especializada, e considerando que: a) bancas de advocacia tardam alguns anos para ganharem notoriedade e entrarem no rol de preferência dos clientes acusados de crimes financeiros; e b) dentre os servidores públicos, leva-se algum tempo para entrar nas carreiras e conseguir remoção para uma unidade no local de sua preferência ou com a especialidade do crime econômico. Ainda pensando em tendências centrais, nosso corpus entrou na universidade em meados de 1988, formando-se em torno de 1993, acompanhando a retomada democrática do país — assunto citado por muitos ao relatarem os tempos universitários.

Naturalidade

Sobre a naturalidade dos entrevistados, a grande maioria é nascida nas regiões Sul (31,1%) e Sudeste (41,3%), como já esperávamos pelo recorte de casos da composição da amostra anticorrupção. Ao todo, 7,9% nasceram na região Nordeste, 3,2% no Centro-Oeste e 3,2% fora do Brasil. Todos os estrangeiros estão na carreira da advocacia, e a maioria dos nascidos no Nordeste é servidor público. Os dois nascidos no Centro-Oeste migraram para fazer faculdade no Paraná. A região Sudeste tem a maior oferta de cursos de Direito, o que é compatível com tal achado.

Familismo jurídico

Dentre os respondentes, 30,2% descendem de famílias cujos pais ou avós trabalharam na área do Direito, sendo o mais alto cargo ocupado pelo pai de um dos advogados entrevistados, o de Ministro da Justiça. O familismo jurídico parece desempenhar importante papel na escolha da carreira dos profissionais, mesmo que só tenhamos informações sobre a ocupação de pais e avós de cerca de dois terços da amostra. A fração de advogados com parentes na área do Direito é maior do que a dos profissionais liberais sem capital social no meio jurídico, enquanto para magistrados e procuradores os sem ascendentes na área superam os com familismo — sendo a menor média a dos juízes e juízas (no caso dos magistrados apenas 10%). Apesar do número reduzido de entrevistados de outras burocracias, também entre estes o subgrupo com ascendentes na mesma área de atuação excede o de indivíduos sem pais em carreiras afins. Como indica o coeficiente de Pearson no Apêndice 1, burocratas e familismo ascendente correlacionam-se negativamente.

Interpretamos um maior número de indivíduos sem familismo como um sinal de pluralização das carreiras jurídicas, vez que a reprodução intergeracional das elites se configura graças ao volume de capital cultural e econômico herdado de seus pais (FLEMMEN et al., 2017). Se considerarmos o bloco biográfico das entrevistas e informações sobre colaterais, descendentes, ascendentes e cônjuges, notamos que a maioria (85,7% se olharmos para o percentual válido) do corpus mantém laços pessoais com outros colegas de profissão. Nos casos de descendentes ou cônjuges na área, consideramos tratar-se de um status atingido e não atribuído quando do nascimento (LINTON, 1936). Mesmo assim, trata-se de informação relevante, pois além de laços de parentesco, os de casamento contribuem para a reprodução das elites e circulação de um hábito específico de classe (TOBIAS NEELY, 2018).

Religião e Etnia

O questionário deu aos respondentes a possibilidade de preencher, textualmente, os campos religião e origem étnica. Nessa modalidade de autodeclaração a maioria (54,5%) disse ser católico, bastante próxima do percentual de 57,5% da magistratura nacional, porém, acima da população brasileira (DATAFOLHA, 2019). Em segundo lugar, acompanhando a tendência do Censo do Judiciário, estão os sem religião na casa de 21,2%. Por ser pergunta aberta, sem alternativas pré-estabelecidas, respostas interessantes como “sincrético” chamaram a atenção. No campo origem étnica a maior ocorrência foi branca e ou caucasiana. A identificação do local de origem familiar como “Europeia” ou “Eurásia” também se deu entre aqueles que preencheram o formulário. Apenas um se identificou como “branco, mameluco” e outro descreveu sua origem como “mestiça, brasileira”. Sabemos que o corpus não está livre de coexistência entre variáveis, por isso, a subnotificação de perfis raciais mais heterogêneos já era esperada. Em razão de quantidade de missings, pouco menos de metade do corpus, esses dados não permitem grandes inferências, mas sinalizam o perfil urbano, cristão e branco dos profissionais anticorrupção. Conforme já estabelecido em outras pesquisas sobre o Brasil, a cultura organizacional das profissões jurídicas não é apenas androcêntrica; ela também é branca (KAHWAGE; SEVERI, 2019).

Dimensão educacional

Com a exceção de 3 pessoas atuantes em outras burocracias de accountability que não as cortes e a procuradoria, que cursaram Administração, Engenharia e Economia, todos os demais são egressos do curso de Direito. A formação da grande maioria do grupo estudado foi em universidades públicas federais, sendo que apenas 1 em cada 3 profissionais formou-se em escola privada.

Se focarmos no grupo dos juízes, nossos dados mostram que os que atuam nas varas especializadas em lavagem de dinheiro e crimes financeiros são uma elite dentro do Judiciário, onde o número de egressos de universidades privadas não chega ao percentual de 31%, encontrado no censo da magistratura de 1996. Após investimentos tardios em universidades privadas (LIMA, 2011), a maior oferta de cursos de Direito promoveu um aumento no número de bacharéis e se refletiu na formação do Judiciário, até então, mais restrito aos que passassem o filtro de exames competitivos em escolas públicas. Em 2018, o número dos juízes formados em universidades privadas correspondia a 51% dos magistrados, confirmando a peculiaridade do grupo anticorrupção em relação às médias na carreira da magistratura. Que as universidades públicas continuem sendo as preferidas pelos integrantes do complexo anticorrupção está associado ao quão disputada a área tornou-se, oferecendo grandes possibilidades de ganho. Segundo pesquisa, ranqueando as faculdades que mais aprovam no Exame da OAB, a aprovação dos bacharéis vindos das instituições públicas é muito maior do que dentre formados em instituições particulares: 39% de taxa média de aprovação, contra 17%. De acordo com dados do Ministério da Educação para a área do Direito, uma das mais concorridas, a relação candidatos inscritos por vaga é de 42/100 nas instituições particulares e 6/100 nas públicas. Assim, como o penal econômico “é a grande oportunidade do momento” (SAADI, 2021), quem queira ingressar na área precisa aumentar suas chances, começando com um diploma de universidade pública.

Tabela 3: Status educacional e faculdade de graduação dos profissionais

Magistratura Procuradoria Advocacia Outra Sub-tabela
N % N % N % N % N %
Status educacional bacharel 5 35,7% 2 14,3% 2 6,9% 2 33,3% 11 17,5%
especialista 2 14,3% 1 7,1% 10 34,5% 2 33,3% 15 23,8%
mestre 2 14,3% 7 50,0% 4 13,8% 1 16,7% 14 22,2%
doutor 5 35,7% 4 28,6% 13 44,8% 1 16,7% 23 36,5%
Faculdade de graduação pública 10 71,4% 9 64,3% 14 48,3% 4 66,7% 37 58,7%
privada 4 28,6% 5 35,7% 15 51,7% 2 33,3% 26 41,3%
Total 14 14 29 6 63

Se compararmos os dados da prosopografia da elite jurídica com a elite econômica brasileira, a relevância da formação em universidades públicas para a elite anticorrupção é reforçada, temperada por uma crescente influência de certas escolas particulares. Em sua pesquisa, Valarini (2016) identificou na proposografia da elite econômica brasileira um maior equilíbrio entre formados em universidades públicas (51,7%) — e particulares (44,3%), sendo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a preferida entre as do segundo tipo — principalmente se a pós-graduação dos executivos também for considerada. Schneickert (2014), confirma esses dados em sua pesquisa sobre a elite política e econômica brasileira, mostrando o significado das instituições federais de ensino e particulares renomadas, como a FGV e a PUC do Rio de Janeiro, para o recrutamento das mesmas. Outros estudos apontam experiências pioneiras da FGV Direito em São Paulo e Rio de Janeiro e a resposta positiva que tiveram no mercado — mais de 90% dos egressos dessas escolas são contratados antes mesmo de concluírem o bacharelado (GROSS CUNHA; GHIRARDI, 2018).

Em termos de comparação regional, as escolas privadas substituíram as escolas públicas para a formação da maioria da elite chilena no período pós-autoritário, embora em termos de ensino superior, duas faculdades continuem sendo as escolhas principais. Reeves et al. (2017) argumentam, com base em 120 anos de dados biográficos, que o poder propulsor das escolas públicas britânicas tem diminuído, mas as chances de egressos de um pequeno grupo de escolas públicas alçarem posições de elite são 94 vezes aquelas de seus competidores. Isso nos traz ao tema das faculdades preferidas pelo grupo anticorrupção brasileiro (CORDERO; FUNK, 2011).

Com relação à nossa amostra, a cada quatro profissionais, um deles graduou-se na USP, sendo que o percentual sobe para 30% do total do corpus se considerarmos quem passou pelas Arcadas de São Francisco na graduação ou pós-graduação. Trata-se da faculdade de Direito mais antiga do Brasil, criada, juntamente com a Faculdade de Direito de Olinda, em decreto imperial de 1827. No Paraná, a divisão é mais equilibrada, sendo que a UFPR tem 15,9%, seguida pela PUC-PR (fundada em 1938) com 12,7% e a Unicuritiba (fundada em 1952) 11,1%. O grupo anticorrupção tem baixa mobilidade educacional, priorizando as faculdades mais próximas do local de nascimento. Dos entrevistados nascidos em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, que compõem a maioria da amostra, todos estudaram em suas cidades de origem. As faculdades de prestígio são um local estratégico de recrutamento e socialização de profissionais do Direito (ADORNO, 1996; CARVALHO, 2003; PERISSINOTTO, 2007) que estiveram tradicionalmente voltadas não somente para a formação de jurisconsultos, mas visando constituir uma doutrina política nacional no Brasil pós-colonial (VENANCIO FILHO, 2011; SAID FILHO, 2019). Diplomas de escolas de ponta e títulos acadêmicos favorecem a coesão das elites europeias (BOURDIEU, 1996; HARTMANN, 2010). Por vezes, são modelos altamente institucionalizados de educação, como os programas de MBA em gestão empresarial, que promovem uma homofilia profissional à nível global (MAZZA; SAHLIN-ANDERSSON; PEDERSEN, 2005).

No complexo anticorrupção, o capital educacional é bastante alto. Além de experts no sentido da atuação temática que nos motivou a entrevistá-los, os profissionais anticorrupção são especialistas na acepção educacional do termo. Diferenças entre as carreiras existem: os advogados concentram o maior número de doutores; e os magistrados têm a maior proporção de bacharéis, pessoas que não fizeram pós-graduação — ficando acima dos 17,5% do total do corpus que não prosseguiu os estudos após conclusão do ensino superior. Nossos achados se assemelham daqueles da publicação “Análise de Executivos Jurídicos e Financeiros”, em sua edição de 2016, onde 82% dos respondentes disseram ter alguma pós-graduação, porém, superam as credenciais acadêmicas encontradas por Luci de Oliveira e Ramos (2018) para os advogados dos departamentos legais de grandes empresas. Se somarmos os títulos de mestrado e doutorado chega-se a 58,7% do total, sendo que os procuradores alcançam 78,6% e superam os advogados (58,6%). Há uma tendência de aumento nos investimentos em pós-graduação: a proporção entre o cohort mais velho, os formados antes da Constituição Federal de 88, era de 43% e a do cohort jovem é o dobro (86%). Segundo levantamentos nacionais da escolaridade da magistratura federal, 41% eram mestres e 14% doutores, aqui o número de doutores supera o de mestres entre os juízes. Usando diferente amostra, a Associação de Magistrados Usando (AMB), que ouviu 3.851 magistrados em atividade e inativos chegou a números parecidos: 39% de mestres e 11,2% doutores.

Os locais de pós-graduação também revelam aspectos importantes sobre o grupo. A entrevistada mais jovem do nosso banco é aluna do Mestrado Profissional em Direito Penal Econômico da FGV Direito, que começou a ser ofertado em 2019. O programa é pioneiro entre os mestrados do tipo no país, “destina-se a advogados, reguladores, julgadores, formuladores de políticas públicas e membros de órgãos de fiscalização, persecução e investigação”, e, além do treinamento acadêmico, objetiva o desenvolvimento de habilidades valorizadas pelo mercado de trabalho. No nosso grupo anticorrupção, um entrevistado é docente deste programa de pós-graduação, sendo que um total de sete profissionais tiveram vínculos com a FGV Direito, em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

Tabela 4: Especialização dos profissionais por local de pós-graduação

Magistratura Procuradoria Advocacia Outra Sub-tabela
N % N % N % N % N %
Nenhuma pós 5 35,7 2 14,3 2 6,9 2 33,3 11 17,5
Alguma pós Pós no BR 7 26.9 6 23.1 11 42.3 2 7.7 26 41,25
Pós no exterior 2 7.7 6 23.1 16 61.5 2 7.7 26 41,25
na Europa 0 0 3 25 8 66.7 1 8.3 12 46,2
nos EUA 1 14.3 2 28.6 3 42.8 1 14.3 7 26,9
Europa + EUA 1 14.3 1 14.3 5 71.4 0 0 7 26,9
Total 14 22,2 14 22,2 29 46,0 6 9,6 63 100

Sobre as passagens pelo exterior, o grupo que mais investe são os advogados, seguidos pelas outras carreiras, os procuradores e, ao final, os magistrados. No interior do grupo que prosseguiu os estudos após a obtenção do título de bacharel, metade o fez em instituições de ensino brasileiras e metade estudos em escolas estrangeiras. Na pesquisa com os executivos jurídicos de grandes companhias, 20% reportaram passagens pelo exterior (OLIVEIRA; RAMOS, 2018), um percentual menor do que do grupo anticorrupção. A média dos juízes federais da nossa amostra que teve passagens pelo exterior durante a pós-graduação é 14,2%. Dos magistrados federais em primeiro grau indagados em pesquisa da AMB sobre o tema, 12,6% reportou passagens pelo exterior, sendo a maior média a dos juízes estaduais atuantes em segundo grau (20,4%).

Sabemos que, na alta sociedade, a educação das crianças tradicionalmente inclui uma abertura para o mundo, que mais recentemente passou a ser valorizada pelo acesso a certas habilidades nem sempre disponíveis no repertório nacional (PINÇON; PINÇON; CHARLOT, 2016; WAGNER, 2020). Para quem opera em um complexo internacionalizado, onde os tratados e certificações, as boas práticas de compliance e prevenção aos desvios e a responsabilização extraterritorial das companhias são a tônica, treinamento internacional é praticamente um imperativo aos profissionais qualificados. Dada a especificidade dos temas, as carreiras de outros profissionais atuantes no Direito Penal econômico em âmbito internacional corroboram a importância das passagens pelo exterior (DUNIN-WASOWICZ et al., 2021; CHRISTENSEN, 2021). Antes mais restritos às fronteiras do Estado-nação, locais de encontro como clubes e associações na universidade ou ao longo da carreira permitem que as elites se encontrem e reforcem sua crença nos limites do grupo e na superioridade moral de seu caráter (DOMHOFF, 1975). Na profissionalização de hoje, e em certas ocupações em particular, as passagens internacionais espraiaram as redes de afinidade para a “aldeia global” (DEZALAY; GARTH, 2000; ENGELMANN, 2012) ao mesmo tempo que reforçam o valor simbólico relativo da quantidade de capital retido (BÜHLMANN, 2020).

Dimensão ocupacional

Detentores de um volume maior de capital cosmopolita do que colegas trabalhando na advocacia, magistratura e procuradoria de áreas diferentes da anticorrupção, este grupo se internacionaliza em algum nível na formação, mas não na profissão — no sentido de ocupar cargos em organizações estrangeiras. Esse traço é próprio das profissões jurídicas se compararmos com executivos de multinacionais (VALARINI, 2018; KLINKHAMMER, 2018; ELIAS, 2019). Temos entre os advogados algumas exceções de figuras que tocam escritórios de modelo americano e ou bancas com sócios internacionais, mas ainda assim, a carreira é principalmente doméstica, inclusive, em razão das limitações regulatórias para o exercício da advocacia fora do local onde se concluiu o ensino jurídico.

Se compararmos nossos achados com estudos conduzidos em diferentes países sobre a internacionalização da carreira de altos executivos, embora a mobilidade internacional profissional seja relativamente maior (VALARINI, 2018; KLINKHAMMER, 2018; ELIAS, 2019) do que a da elite jurídica, podemos observar que a internacionalidade profissional se mantém restrita em diversos países estudados [nos EUA, Inglaterra, França, Alemanha, China, Japão, Itália, Espanha e Brasil, é relativamente baixa (HARTMANN, 1997; 1999; 2003; 2008; 2009; POHLMANN, 2009; 2011; VALARINI, 2018)]. As carreiras domésticas continuam sendo dominantes como modelo padrão de recrutamento para a elite econômica. As passagens pelo exterior acontecem dentro dos “moldes” da organização, desempenhando funções específicas para a ascensão profissional, como passagens de curto prazo em subsidiárias no exterior. Os resultados de nossos estudos, assim como estes estudos comparativos a respeito da elite econômica, mostram que existem outros critérios e fatores de ordem organizacionais e nacionais que desempenham um papel mais importante para o recrutamento da elite, do que a internacionalidade profissional. Embora esta seja bem-vinda, ela acaba por não ser determinante.

A mobilidade profissional do grupo no que se refere ao território brasileiro também é relativamente baixa, pois priorizam trabalhar nas cidades em que obtiveram sua formação acadêmica, e onde têm raízes sociais. Vale lembrar que a configuração de nossa amostra delimita a localização espacial dos indivíduos às capitais dos estados, onde a Justiça Federal está situada. Na interface com os investigados, a concentração no eixo Sudeste é reiterada, onde as maiores empresas brasileiras, e as envolvidas nos grandes escândalos judicializados, têm sede.

Seguimos a classificação sugerida por Marenco e Da Ros (2008) no que se refere às carreiras do grupo, considerando outras posições coercitivas, administrativas e políticas desempenhadas pelos entrevistados. Dado nosso interesse no hibridismo, descartamos as posições ocupadas quando participou de um ou outro escândalo selecionado na amostragem, a razão pela qual fizemos o convite para a pesquisa, e computamos as demais. Assim, se o sujeito é ou foi procurador, porém, também atuou como advogado, ou militar, ou policial, atribuímos “sim” à variável “outra carreira judicial ou coercitiva”. Em se tratando de advogado que atuou como juiz eleitoral a lógica foi a mesma, exceto que nesse caso também computamos a experiência administrativa — o que não ocorreu para membros da administração da justiça, vez que já o eram quando foram selecionados. Ou seja, os servidores públicos do corpus tiveram experiência administrativa considerada se atuaram na corregedoria, supervisão do setor de contratos da Justiça Federal, ou área técnica contábil, por exemplo. Se uma magistrada atuou como procuradora antes de ingressar na carreira e foi corregedora, recebeu o score 1 em outra carreira jurídica e 1 na variável experiencia administrativa.

O percentual válido de indivíduos (N = 42) com outras carreiras jurídicas é 38,4, contra 61,5 com carreira exclusiva em uma área do Direito. A menor ocorrência de carreiras judiciais plurais se dá entre os advogados, onde um em cada quatro reportou experiência ora na Magistratura ou Procuradoria. O quinto constitucional, vigente desde 1934, prevê que na composição dos tribunais superiores serão reservados lugares para advogados ou membros do Ministério Público, por isso, e considerando que a Emenda Constitucional (EC) 45/04 exige um mínimo de três anos de experiência jurídica prévia ao concurso público para a magistratura ou procuradoria, é compreensível uma maior pluralidade de carreiras prévias entre esses subgrupos.

Obedecendo a tendência imaginada, os advogados são os que contabilizam menos experiência administrativa em relação aos demais grupos. As experiencias administrativas variam de alto a baixo escalão. No Ministério da Justiça, dois advogados ocuparam cargos — um deles foi diretor do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico (1999-2000) e o outro teve uma passagem pela Secretaria de Reforma do Judiciário (2005-2007). Exemplos de posições de baixo escalão ocupadas por advogado antes de ingressar em escritório é o cargo de assessor jurídico no Centro de Apoio as Promotorias de Execução Penal do Paraná. Dentre os servidores públicos, os procuradores têm menos posições administrativas no currículo do que seus colegas magistrados, e no topo da lista estão os especialistas de outros órgãos da rede de accountability — nesse grupo apenas um dos integrantes, da Polícia Federal, não acumula outras posições na administração pública ao longo da trajetória.

Fora do sistema tripartite de governo, na interface com a sociedade, mapeamos as atividades de docência entre os profissionais. Metade do corpus foi ou é professor(a), dedicando-se majoritariamente os membros da Procuradoria, seguidos pelos da Advocacia e por último a Magistratura. A média de 35,7% dos magistrados anticorrupção fica abaixo dos dados encontrados pelo levantamento da AMB, no qual 38,1% dos magistrados federais em primeiro e 50% em segundo grau reportaram atividade docente em universidade. Também os integrantes das carreiras não judiciais na rede de accountability investem mais na atuação como docentes do que os juízes e juíza proporcionalmente. Há mais investimento em docência entre os homens do que entre as mulheres do total da amostra (Apêndice 1).

Tabela 5: Carreira dos profissionais fora da atual posição ocupada

Magistratura Procuradoria Advocacia Outra Sub-tabela
N % N % N % N % N %
Carreira pura 5 35,7 3 21,4 9 31 2 33,3 20 31,7
Carreira híbrida Outra jurídica 5 31,3 5 31,3 4 25 2 12,5 16 25,4
Docência 5 15,6 8 25 16 50 3 9,4 32 50,8
Cargo administrativo 8 33,3 4 16,7 7 29,2 5 20,8 24 38,1
Cargo político 2 66,7 0 0 0 0 1 33,3 3 4,8
Total 9 64,3 11 78,6 20 69 4 66,7 43 68,3
Total 14 100 14 100 29 100 6 100 63 100

Se computarmos um indicador usando as variáveis: outra graduação, outra carreira jurídica, experiência administrativa, experiencia política e docência, notamos que 68,3% do grupo interage ou interagiu com outros sistemas, seja intelectual, político ou governamental. O Judiciário é a organização do sistema anticorrupção que concentra indivíduos mais uniformes ao passo que a Procuradoria é aquela cujos integrantes têm carreiras mais múltiplas — aqui pensando a academia, a administração pública e a política como outros sistemas, expondo o indivíduo a referências híbridas em relação à carreira principal. À título comparativo, interessante notar que mais de 70% das mulheres em atividade no Ministério Público de SP prestaram concursos para a Magistratura. A docência, como reflexo do aprendizado institucional e jurídico, é absoluta preferência (50%), o que se pode especular que resulta da possibilidade de atuação simultânea e os horários de aula serem mais flexíveis quando comparados com cargos efetivos.

A experiência política, no sentido de engajar-se politicamente via candidatura político-partidária, é rara no grupo. Apenas três indivíduos lançaram-se em disputas eleitorais — um ocupou cargo de deputado federal e dois foram candidatos a postos no Legislativo e Executivo federais. Todos que arriscaram passagens pelo sistema político são burocratas e tiveram pelo menos outro cargo administrativo além daquele pelo qual os consideramos experts em anticorrupção. Dois entrevistados com carreiras excepcionalmente híbridas merecem menção, nas quais tanto experiência como professor, administrativa, política e em outra profissão judicial além da principal foram reportadas.

Análise Multidimensional

Tendo chegado ao fim da apresentação dos dados prosopográficos para cada uma das dimensões estudadas, complementaremos os dados das variáveis sociais, educacionais e ocupacionais com uma análise mais estrutural do grupo de elite. Nessa síntese, o esforço é identificar o sistema de relações entre as diferentes características sociais e de trajetória no interior de um grupo profissional. O primeiro passo dado foi agregar as variáveis relevantes da dimensão social, educacional e ocupacional, orientados pela literatura e derivados da análise prosopográfica. Assim, na primeira, selecionamos a naturalidade e o familismo; na segunda, a pós-graduação e as passagens pelo exterior; e na terceira, o status de burocrata e a carreira híbrida. Pensando diferentes combinações na divisão entre as dimensões analíticas já discutidas, concebemos de um lado o profissional com score alto em todas as colunas, que seria o tipo burocrata, oriundo de família tradicional, educado nos Estados Unidos, representado na literatura sobre a Lava Jato (SADEK, 2019; NOLEN, 2019; OLIVEIRA, 2017); e, no outro extremo, com score baixo em todas as dimensões, advogado ou advogada “outsider” da anticorrupção.

A tabela abaixo apresenta uma tipologia multidimensional imaginada, que possibilitaria 8 combinações de tipo pensando 1) dimensão social: alta/baixa; 2) dimensão educacional: alta/baixa; e 3) dimensão ocupacional: alta/baixa.

Tabela 6: Tipologia multidimensional imaginada

dimensão social dimensão educacional dimensão profissional
naturalidade familismo ascendente pós-graduação passagem internacional burocrata carreira híbrida coesão com tipo imaginado
Sul ou Sudeste sim sim sim sim sim ALTA
outra não não não não não BAIXA
Fonte: Elaboração própria

Já partindo dos tipos imaginados para pensar em tipos empíricos do complexo anticorrupção, o exemplo de classificação de tipo “insider”, com score alto nas três dimensões, seria o antigo procurador paranaense Carlos dos Santos Lima, que atuou em grandes casos de criminalidade financeiro, inclusive, na Operação Lava Jato. Apesar de imaginarmos alguém com baixo capital social, educacional e ocupacional, nosso corpus com 63 ocorrências não teve nenhum membro da advocacia com esse perfil.

Usando o total da amostra, computamos novas variáveis numéricas para cada uma das dimensões, variando de 0 a 2, onde o 2 seriam os casos com capital social/educacional/ocupacional alto e zero baixo, e o 1 intermediário. A apresentação espacial de dados prosopográficos como a análise de correspondência múltipla na sociologia francesa (BROADY, 2002) facilita a visualização dos achados. Abaixo, o gráfico especializa os indivíduos usando as dimensões como eixos.

Gráfico 1 — Dispersão dos profissionais em três dimensões

Com score dois em todas as dimensões, a marcação em vermelho se refere a dois entrevistados da burocracia pública, uma mulher e um homem, ela lotada em Brasília e ele no Paraná, ambos com pais em profissões jurídicas, carreiras híbridas e passagem pelo exterior, no caso pós-graduação nos Estados Unidos. Estes seriam o tipo “insider”. Nas extremidades das duas linhas inferiores, com baixo e médio capital social, estão 4 mulheres: à esquerda duas integrantes da burocracia (sem pós-graduação ou passagem pelo exterior) e à direita duas advogadas (ambas com pós-graduação e passagem pelo exterior). Enquanto as da linha média nasceram no Sul e Sudeste, as da linha inferior nasceram fora dessas regiões. Essa investigação sobre outliers é relevante para avançarmos na criação de parâmetros que permitam um estudo mais detido das nuances dentro de um grupo relativamente uniforme como o da elite jurídica no Brasil. Para compreender quem são os profissionais experientes na anticorrupção, vale à pena atentar para as especificidades das pessoas nascidas fora do eixo Sul-Sudeste e das “dinastias do poder”, formadas em instituições particulares e aquelas sem especialização em relação aos seus pares. Além das diferenças entre as carreiras — na advocacia, procuradoria ou magistratura — o acúmulo de capital social e educacional continua oferecendo uma chave explicativa para separar diferentes grupos no interior de posições de destaque, tomando decisões que têm relevância econômica, societal e política.

Conclusão

Este artigo teve como objetivo investigar através do método prosopográfico quem são os profissionais atuantes na área anticorrupção por meio de dados levantados através de entrevistas narrativas e questionários socioeconômicos. Identificamos quem são os profissionais atuantes no complexo legal anticorrupção, um grupo que reúne características de elite, inclusive, no que se refere às demais carreiras jurídicas; ao mesmo tempo em que visibilizamos as variâncias no interior do grupo que, visto de fora, por vezes parece uniforme. Os resultados focalizaram em três dimensões: social, educacional e ocupacional e mostraram que o grupo estudado tem em média 52 anos de idade, é nascido nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, prefere universidades públicas em relação às privadas e tem credenciais acadêmicas bastante altas, inclusive, em relação a outras áreas do Direito. A trajetória profissional deste grupo é marcada por uma carreira nacional, mas as passagens pelo exterior para fins de estudo e treinamento têm relevo importante na área de atuação que estão inseridos, superando as taxas de internacionalização encontradas para outras ocupações entre as profissões jurídicas.

Ao estudar a Alemanha Ocidental, Hoffmann-Lange (1982) identificou uma diminuição na importância da educação jurídica para a integração das elites, especulando que a tendência de queda continuaria; ao passo que o treinamento especializado em assuntos jurídicos contribuiria para uma diferenciação entre os setores de elite. Essa tendência pode ser confirmada para o caso dos profissionais especializados em crimes financeiros atuando no complexo legal anticorrupção brasileiro. Esse primeiro esboço de descrever detalhadamente os diferentes profissionais anticorrupção pode auxiliar a agenda de pesquisa sobre Direito e Sociedade, bem como Direito e Política. Para oferecer uma taxonomia mais robusta da elite anticorrupção, pretendemos aplicar o método de classificação em conglomerados, nos somando a outros estudos de análise tipológica, como o de Codato et al. (2018). Nossos achados e as dimensões aplicadas para estudar o grupo e discernir diferentes perfis profissionais, no entanto, podem ser replicadas a outras pesquisas sobre carreiras jurídicas no Brasil. Pesquisas futuras podem se movimentar na direção de comparações dentro do domínio do Direito Penal — justiça federal e estadual, profissionais com especialidade em penal econômico e no júri — ou entre áreas que notadamente foram influenciadas pela globalização, e outras áreas nas quais a internacionalidade tem peso importante, como a de direitos humanos ou arbitragem.

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Apêndice 1.

Sexo Ano_nasc Birth Status_educ Any_abroad Family_K Any_hybrid
Sexo Pearson Correlation 1 ,118 ,011 -,352** -,039 -,075 -,369**
Sig. (2-tailed) ,445 ,935 ,005 ,759 ,635 ,003
N 63 44 55 63 63 42 63
Ano_nasc Pearson Correlation ,118 1 ,153 ,164 ,060 -,134 -,162
Sig. (2-tailed) ,445 ,353 ,288 ,699 ,428 ,293
N 44 44 39 44 44 37 44
Birth Pearson Correlation ,011 ,153 1 ,024 -,158 ,165 -,115
Sig. (2-tailed) ,935 ,353 ,864 ,249 ,330 ,405
N 55 39 55 55 55 37 55
Status_educ Pearson Correlation -,352** ,164 ,024 1 ,401** ,018 ,488**
Sig. (2-tailed) ,005 ,288 ,864 ,001 ,910 ,000
N 63 44 55 63 63 42 63
Any_abroad Pearson Correlation -,039 ,060 -,158 ,401** 1 -,055 ,150
Sig. (2-tailed) ,759 ,699 ,249 ,001 ,729 ,241
N 63 44 55 63 63 42 63
Family_K Pearson Correlation -,075 -,134 ,165 ,018 -,055 1 -,136
Sig. (2-tailed) ,635 ,428 ,330 ,910 ,729 ,392
N 42 37 37 42 42 42 42
Any_hybrid Pearson Correlation -,369** -,162 -,115 ,488** ,150 -,136 1
Sig. (2-tailed) ,003 ,293 ,405 ,000 ,241 ,392
N 63 44 55 63 63 42 63
** Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).

  1. Projeto de pesquisa bilateral DFG-Fapesp “Crime corporativo e corrupção sistêmica no Brasil” (2019-2024), gepris.dfg.de; www.soz.uni-heidelberg.de↩︎

  2. Só a Revolução ocasionou uma reorganização completa do sistema de instrução artística gerando, entre outras instituições, o Conservatoire des Arts et Métiers (1794) que tornou público e sistemático pela primeira vez na Europa o ensino técnico-artístico.↩︎

  3. Usaremos a seguinte definição: “Uma profissão é uma ocupação que se regula por meio de treinamento sistematizado e obrigatório e disciplina colegial; que tem uma base em conhecimentos técnicos, especializados; e que tem uma orientação de serviço em vez de lucro consagrada em seu código de ética”. P. Starr, The Social Transformation of American Medicine (New York: Basic Books, 1982), p. 15. Para uma discussão geral, ver C. Dubar e P. Tripier, Sociologie des professions (Paris: A. Colin, 1998).↩︎

  4. Disponível para consulta pública em: www.oab.org.br↩︎

Resumo:
Quem são os profissionais atuantes na temática anticorrupção? A partir de uma base de dados de entrevistas com advogados, juízes e procuradores experientes em casos de corrupção no Brasil desde a redemocratização, aplicamos o método prosopográfico para descrever as dimensões social, educacional e ocupacional do grupo. Nossos resultados mostram que o volume de investimentos em ensino supera o de outras carreiras legais fora da especialidade penal econômica, que as universidades públicas continuam sendo as prediletas dessa elite jurídica, e que passagens pelo exterior são tão frequentes quanto a pós-graduação em escolas locais. Para auxiliar a agenda de pesquisa sobre Direito e Sociedade, bem como Direito e Política, investigamos as diferentes colorações de profissionais ocorridas no banco.

Palavras-chave:
elite jurídica; Direito; corrupção; prosopografia; carreira profissional; judiciário.

 

Abstract:
Who are the professionals working on anti-corruption issues in Brazil? Based on a database of interviews with lawyers, judges and prosecutors experienced in corruption cases, we applied a prosopographical method to describe the social, educational and occupational dimensions of the group. Our results show that the volume of investment in education exceeds that of other legal careers outside the economic criminal specialty, that public universities remain the preferred choice of this legal elite, and that stays abroad are as frequent as post-graduate studies at local schools. To assist the research agenda on Law and Society as well as Law and Politics, we investigate the different colorations of professionals that occurred in the database.

Keywords:
legal elite; law; corruption; prosopography; professional career; judiciary.

 

Recebido para publicação em 21/03/2022
Aceito em 15/06/2022

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