O ESPAÇO DA MORTE EM HERÓDOTO: ENTRE LOGOS E PERFORMANCE

Resumo

O tema das Histórias, conquanto Heródoto (485-425 a. C) recorra a inúmeras digressões, gira em torno do grande embate bélico entre gregos e bárbaros. É um embate milenar, basta recordar a primeira de suas manifestações na épica homérica: a guerra dos heróis aqueus contra os asiáticos troianos, dentro de um contexto que se compreende como pré-histórico ou mítico. O enfoque da pesquisa debruça-se sobre o retrato dado às compreensões que circunscrevem o espaço da morte e suas representações religiosas. Uma vez impelidos a refletir sobre os valores sociais da morte e os ritos em torno dela praticados, percebemos significativa e inexorável correlação com a alteridade, na medida em que as posições do indivíduo diante da finitude e as inúmeras práticas a ela associadas dependem sobremaneira dos valores e costumes – nómoi – da comunidade em questão. Nesse sentido, em suas descrições sobre os grupos étnicos, observamos que o narrador das Histórias concentra-se naquilo que é diretamente concreto, descritível e próprio do ritual. Daí adentrarmos, inevitavelmente, nas questões que compreendem os aspectos sociopolíticos da morte. Circunscrito à dimensão etnográfica, o vocábulo relaciona-se às práticas e crenças transmitidas desde tempos imemoriais de geração em geração como legado ético de um povo e combinou-se com o amadurecimento da pólis ateniense no século V a. C. Ademais, a pesquisa também se sustenta nas contribuições teóricas de Loraux (1975/1977), Rocha Pereira (2013), Garland (1985), Dodds (2002), Hartog (2014), Burkert (1993), Calame (2000), Vernant (2002). Assim, percebemos que a morte na prosa herodotiana representa, em seu sentido originário, a execução prática dos valores de um código, de um nomos, na medida em que é um fenômeno de natureza social, política e religiosa.