“Eu sou homem” é uma certeza-dobradiça? Sobre gênero, antifundacionalismo, e a possibilidade de mudança de uma Weltbild

Autores

Palavras-chave:

Epistemologia Wittgensteiniana. Epistemologia social. Queer theory. Binarismo de gênero. Antifundacionismo.

Resumo

Wittgenstein sugere, em Da Certeza, que duvidar de que ele “é um homem” pode ultrapassar os limites de como nossos jogos de linguagem epistêmicos funcionam (§79). Uma vez que a certeza de que tais coisas no mundo como “homens” e “mulheres” estariam tão embutidas em nossa imagem de mundo (Weltbild) que não poderiam ser postas em dúvidas, poder-se-ia constituir um exemplo curioso do que o autor chama de “certeza-dobradiça”. No entanto, o fato de nossa visão de mundo ser orientada por certezas envolvendo gênero não deveria representar um fato imutável. Neste trabalho, argumentamos que, apesar do binarismo poder ser considerado uma certeza-dobradiça, isso não o impede de ser desafiado e mudado. Para isto, nós primeiro argumentamos que qualquer interpretação de como dobradiças estruturam nossos jogos epistêmicos precisará privilegiar pelo menos uma das metáforas apresentadas em Da Certeza em detrimento das outras. O tipo de metáforas destacadas sustentaria uma leitura epistemológica anti- ou fundacionalista. Uma visão fundacionalista sobre certezas-dobradiça é responsável, defenderemos, por sua suposta imutabilidade, incluídas certezas-dobradiças sobre gênero. Tomamos, então, a questão da pretensa imutabilidade de certezas de gênero como um caso específico sobre a pretensa imutabilidade de certezas-dobradiças. Nós propomos aqui interpretar o binarismo de gênero como a base da nossa imagem de mundo, cuja “certeza” pode ser vista como uma violenta constrição normativa. Em nossa leitura antifundacionista da epistemologia wittgensteiniana, defenderemos que certezas-dobradiças devem ser mutáveis, uma vez que seu status é funcional, isto é, elas devem variar seu papel ou função em contextos diferentes. Em favor do revisionismo de certezas-dobradiças, argumentamos que nossas práticas podem servir de ferramenta para desafiar o status de dobradiça do binarismo.

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Biografia do Autor

Pedro Pennycook, Universidade do Kentucky

Doutorando em Filosofia na Universidade do Kentucky, com bolsa CAPES-Fulbright de doutorado pleno. Adicionalmente, colabora com o programa de Estudos Latino-Americanos (LACLS) e o Comitê de Teoria Social da Univ. of Kentucky. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É membro da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica, do GT de Teoria Crítica da ANPOF, do grupo de pesquisa NormAtiva.

Juliany Torres, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Doutoranda em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestra pela mesma instituição. No mestrado, desenvolveu pesquisa sobre gênero. Atua como professora de Filosofia na rede básica de ensino de Pernambuco e participa de diversas atividades acadêmicas e de extensão. É fundadora e coordenadora do grupo “Mulheres que Filosofam”. Integra grupos de pesquisa voltados à epistemologia analítica e estudos sobre Wittgenstein.

Marcos Silva, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Professor adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É o atual presidente da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica (desde 2023). É bolsista de produtividade 1D do CNPq. Foi coordenador do PPGFIL/UFPE de 2021 a 2024 durante a aprovação e implementação do programa de doutorado. Desde 2020, atua como Editor Chefe da Perspectiva Filosófica. Em 2025, ganhou bolsa do programa HUMBOLDT/CAPES para ser pesquisador visitante na Freie Universitaet Belin, supervisionado por Barbara Vetter. Em 2018, ganhou o Fulbright Junior Faculty Member Award e foi pesquisador visitante na University of Pittsburgh, supervisionado por Robert Brandom. Em 2008, defendeu seu mestrado sobre alguns problemas da aplicação em filosofia da técnica de mapeamentos isomórficos. Em 2012, doutorou-se a respeito do colapso da filosofia da lógica do Tractatus de Wittgenstein. O mestrado e o doutorado em Filosofia foram supervisionados por Luiz Carlos Pereira, na PUC-Rio. De 2009 a 2011 fez parte de seu doutoramento (Sandwich) com bolsa do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst) na Universität Leipzig (Alemanha) com Pirmin Stekeler-Weithofer. Em 2012, pesquisou, como pós-doutorando, o Problema da Exclusão das Cores e o Quadrado de Oposições Aristotélico no PPGF/UFRJ com Jean-Yves Beziau. Desenvolveu pesquisa pós-doutoral financiada pela FUNCAP/CAPES, de 2013 a 2015, com André Leclerc, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Participa como membro permanente do quadro docente dos Programas de Pós-graduação em Filosofia da UFPE e da UFAL. É membro da Alfa-n (Associação Latino-Americana de Filosofia Analítica), da SBFA (Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica), da Sociedade Brasileira de Lógica (SBL) e da ALWS (Austrian Ludwig Wittgenstein Society).

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Publicado

2025-11-06

Como Citar

Pennycook, P., Torres, J., & Silva, M. (2025). “Eu sou homem” é uma certeza-dobradiça? Sobre gênero, antifundacionalismo, e a possibilidade de mudança de uma Weltbild. Argumentos - Revista De Filosofia, 17(2). Recuperado de https://www.periodicos.ufc.br/argumentos/article/view/95347

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